setembro 01, 2007

O Douro na moda


Na vetusta Régua, ou Peso da Régua para fazermos cerimónia, o Douro In merece uma visita.

O rio é um vício. Na semana passada desci do Pinhão para a Régua e fiquei na Folgosa – uma parte de mim pertence àquele mundo feito de água, escarpas, vinhedos, ciprestes erguidos a meio das colinas, miradouros e pequenos santuários isolados no meio das montanhas, histórias de naufrágios e de heróis, ou simplesmente, terra iluminada pelo rio.

Deixemo-nos de metafísicas. Nesta matéria, não há muito a acrescentar que não tenha sido escrito pelos mestres. O resto é invenção pura. Há uns tempos – regresso, estou sempre a regressar –, com aquela doçura de clima que obriga a Régua a debruçar-se sobre o rio para refrescar-se e ouvir o silêncio, entrei no Douro In. Levaram-me, aliás. Depois choveu, depois veio uma brisa afastar as nuvens, depois veio a digestão, saborosa.

Sou de um tempo em que os restaurantes do Douro eram quase todos modestos, pobres, ou banais e sem interesse. A gastronomia do Alto Douro (se bem que um dia hei-de falar dessa "ilha" que é o Douro Superior, a pátria dos melhores vinhos), tirando umas páginas dispersas, não teve a sua monografia de glória – passa por ser um entremez, diluído em referências aos peixes do rio, à aplica­ção de ervas, às cozinhas influentes das suas mar­gens (de um lado, os monumentos fatais de Trás-os-Montes; do outro, a invasão da Beira).

Teremos sempre essa dificuldade em aceder à gramática pro­funda da sua cozinha. Há quem pense que no Douro só se bebe; que o Criador os ilumine. Seja como for, o Douro In foi, nesses tempos, já lá vão dois anos, um dos primeiros momentos de excepção – era, como o nome indicia, um lugar 'in', seja lá o que isso for. O Douro precisa dos seus lugares 'in', antes reduzido ao isolamento das suas quintas. E embora eu torça o nariz a quase todos os restaurantes – das brancas estradas do Algarve às escuras colinas do Nordeste – que sugerem vieiras gratinadas como entrada (juntamente com o "porco preto", trata-se de urna invasão cansativa e de um fenómeno a estudar pelos sociólogos e pelos psicanalistas), soube resistir: havia um folhado de queijo 'brie' com compota de pêssego que veio para a mesa, protegendo-me da intempérie que, lá fora, lavava as ruas da Régua (infelizmente não as limpava de excrescências arquitectónicas). Com ele compareceu um pratinho de míscaros salteados, enquanto fazíamos a revisão da carta de vinhos, opulenta e dando mais do que preferência, como seria legítimo esperar, aos lagares da região. Cobiçados foram também os cannelloni recheados com alheira e agridoce quente de maçã, além da salada de cuscuz com pimentos e enchidos – a minha avó materna, em pleno Nordeste, cozinha­va cuscuz superlativos.

Depois disto, havia as plu­mas de porco preto (eu não dizia?) marinado em vinho tinto do Douro, um joelho de porco, um polvo assado no forno e um outro servido com vinho, com migas de feijão, um risoto de cogume­los, um bife do lombo com queijo da Serra e molho de vinho do Porto, costelas grelhadas de borrego com batatas assadas a murro, umas bochechas de bísaro com tagliatelli de legumes, um bacalhau com broa. Tentei-me: fui ao bacalhau, de posta ele­gante, formatada, branca e alta, de cobertura crocante, muito bom. De seguida, um cabritinho no forno com batatinhas – que costumam ser o coro­lário dessa presença no calor, douradas e farinhentas. Não se queixaram, nenhum deles, até porque os vinhos eram bons.

A decoração do Douro In é bonita à noite; de dia nunca a vi, mas basta-me imaginá-la, evocando adegas, recantos íntimos, xistos, com mesas volta­das para o Douro ou refugiadas num cantinho para conversa. Pensava nisso quando apareceram as sobremesas: uma tarte de maçã com sorvete de baunilha e um bolo de laranja com frutos verme­lhos onde pontilhava também uma espuma de morango. Com o café – e uma velha aguardente do Douro, que competiu com um 'tawny' servido a boa temperatura (o que é raro hoje em dia) – deci­di que um lugar daqueles fazia falta à Régua, mas também ao viajante e aos geógrafos amadores que passam pelo lugar. Há ali uma tentativa séria de fazer um bom restaurante. E, já agora, um bar bem divertido.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 100
Vinhos brancos: 32
Espumantes & Champanhes: 8
Aguardentes portuguesas: 10
Colheitas tardias e moscatéis: 8
Portos & Madeiras: 26
Uísques: 20

Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: relativamente fácil à noite
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: aconselhável
Preço médio: 35 Euros

RESTAURANTE DOURO IN
Av. João Franco
5050-226 Régua
Tel. 963 928 050 / 916 946 870
Encerra às segundas e almoço de terças

in Revista Notícias Sábado – 1 Setembro 2007

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