O Douro na moda
Na vetusta Régua, ou Peso da Régua para fazermos cerimónia, o Douro In merece uma visita.
O rio é um vício. Na semana passada desci do Pinhão para a Régua e fiquei na Folgosa – uma parte de mim pertence àquele mundo feito de água, escarpas, vinhedos, ciprestes erguidos a meio das colinas, miradouros e pequenos santuários isolados no meio das montanhas, histórias de naufrágios e de heróis, ou simplesmente, terra iluminada pelo rio.
Deixemo-nos de metafísicas. Nesta matéria, não há muito a acrescentar que não tenha sido escrito pelos mestres. O resto é invenção pura. Há uns tempos – regresso, estou sempre a regressar –, com aquela doçura de clima que obriga a Régua a debruçar-se sobre o rio para refrescar-se e ouvir o silêncio, entrei no Douro In. Levaram-me, aliás. Depois choveu, depois veio uma brisa afastar as nuvens, depois veio a digestão, saborosa.
Sou de um tempo em que os restaurantes do Douro eram quase todos modestos, pobres, ou banais e sem interesse. A gastronomia do Alto Douro (se bem que um dia hei-de falar dessa "ilha" que é o Douro Superior, a pátria dos melhores vinhos), tirando umas páginas dispersas, não teve a sua monografia de glória – passa por ser um entremez, diluído em referências aos peixes do rio, à aplicação de ervas, às cozinhas influentes das suas margens (de um lado, os monumentos fatais de Trás-os-Montes; do outro, a invasão da Beira).
Teremos sempre essa dificuldade em aceder à gramática profunda da sua cozinha. Há quem pense que no Douro só se bebe; que o Criador os ilumine. Seja como for, o Douro In foi, nesses tempos, já lá vão dois anos, um dos primeiros momentos de excepção – era, como o nome indicia, um lugar 'in', seja lá o que isso for. O Douro precisa dos seus lugares 'in', antes reduzido ao isolamento das suas quintas. E embora eu torça o nariz a quase todos os restaurantes – das brancas estradas do Algarve às escuras colinas do Nordeste – que sugerem vieiras gratinadas como entrada (juntamente com o "porco preto", trata-se de urna invasão cansativa e de um fenómeno a estudar pelos sociólogos e pelos psicanalistas), soube resistir: havia um folhado de queijo 'brie' com compota de pêssego que veio para a mesa, protegendo-me da intempérie que, lá fora, lavava as ruas da Régua (infelizmente não as limpava de excrescências arquitectónicas). Com ele compareceu um pratinho de míscaros salteados, enquanto fazíamos a revisão da carta de vinhos, opulenta e dando mais do que preferência, como seria legítimo esperar, aos lagares da região. Cobiçados foram também os cannelloni recheados com alheira e agridoce quente de maçã, além da salada de cuscuz com pimentos e enchidos – a minha avó materna, em pleno Nordeste, cozinhava cuscuz superlativos.
Depois disto, havia as plumas de porco preto (eu não dizia?) marinado em vinho tinto do Douro, um joelho de porco, um polvo assado no forno e um outro servido com vinho, com migas de feijão, um risoto de cogumelos, um bife do lombo com queijo da Serra e molho de vinho do Porto, costelas grelhadas de borrego com batatas assadas a murro, umas bochechas de bísaro com tagliatelli de legumes, um bacalhau com broa. Tentei-me: fui ao bacalhau, de posta elegante, formatada, branca e alta, de cobertura crocante, muito bom. De seguida, um cabritinho no forno com batatinhas – que costumam ser o corolário dessa presença no calor, douradas e farinhentas. Não se queixaram, nenhum deles, até porque os vinhos eram bons.
A decoração do Douro In é bonita à noite; de dia nunca a vi, mas basta-me imaginá-la, evocando adegas, recantos íntimos, xistos, com mesas voltadas para o Douro ou refugiadas num cantinho para conversa. Pensava nisso quando apareceram as sobremesas: uma tarte de maçã com sorvete de baunilha e um bolo de laranja com frutos vermelhos onde pontilhava também uma espuma de morango. Com o café – e uma velha aguardente do Douro, que competiu com um 'tawny' servido a boa temperatura (o que é raro hoje em dia) – decidi que um lugar daqueles fazia falta à Régua, mas também ao viajante e aos geógrafos amadores que passam pelo lugar. Há ali uma tentativa séria de fazer um bom restaurante. E, já agora, um bar bem divertido.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 100
Vinhos brancos: 32
Espumantes & Champanhes: 8
Aguardentes portuguesas: 10
Colheitas tardias e moscatéis: 8
Portos & Madeiras: 26
Uísques: 20
Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: relativamente fácil à noite
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: aconselhável
Preço médio: 35 Euros
RESTAURANTE DOURO IN
Av. João Franco
5050-226 Régua
Tel. 963 928 050 / 916 946 870
Encerra às segundas e almoço de terças
in Revista Notícias Sábado – 1 Setembro 2007
O rio é um vício. Na semana passada desci do Pinhão para a Régua e fiquei na Folgosa – uma parte de mim pertence àquele mundo feito de água, escarpas, vinhedos, ciprestes erguidos a meio das colinas, miradouros e pequenos santuários isolados no meio das montanhas, histórias de naufrágios e de heróis, ou simplesmente, terra iluminada pelo rio.
Deixemo-nos de metafísicas. Nesta matéria, não há muito a acrescentar que não tenha sido escrito pelos mestres. O resto é invenção pura. Há uns tempos – regresso, estou sempre a regressar –, com aquela doçura de clima que obriga a Régua a debruçar-se sobre o rio para refrescar-se e ouvir o silêncio, entrei no Douro In. Levaram-me, aliás. Depois choveu, depois veio uma brisa afastar as nuvens, depois veio a digestão, saborosa.
Sou de um tempo em que os restaurantes do Douro eram quase todos modestos, pobres, ou banais e sem interesse. A gastronomia do Alto Douro (se bem que um dia hei-de falar dessa "ilha" que é o Douro Superior, a pátria dos melhores vinhos), tirando umas páginas dispersas, não teve a sua monografia de glória – passa por ser um entremez, diluído em referências aos peixes do rio, à aplicação de ervas, às cozinhas influentes das suas margens (de um lado, os monumentos fatais de Trás-os-Montes; do outro, a invasão da Beira).
Teremos sempre essa dificuldade em aceder à gramática profunda da sua cozinha. Há quem pense que no Douro só se bebe; que o Criador os ilumine. Seja como for, o Douro In foi, nesses tempos, já lá vão dois anos, um dos primeiros momentos de excepção – era, como o nome indicia, um lugar 'in', seja lá o que isso for. O Douro precisa dos seus lugares 'in', antes reduzido ao isolamento das suas quintas. E embora eu torça o nariz a quase todos os restaurantes – das brancas estradas do Algarve às escuras colinas do Nordeste – que sugerem vieiras gratinadas como entrada (juntamente com o "porco preto", trata-se de urna invasão cansativa e de um fenómeno a estudar pelos sociólogos e pelos psicanalistas), soube resistir: havia um folhado de queijo 'brie' com compota de pêssego que veio para a mesa, protegendo-me da intempérie que, lá fora, lavava as ruas da Régua (infelizmente não as limpava de excrescências arquitectónicas). Com ele compareceu um pratinho de míscaros salteados, enquanto fazíamos a revisão da carta de vinhos, opulenta e dando mais do que preferência, como seria legítimo esperar, aos lagares da região. Cobiçados foram também os cannelloni recheados com alheira e agridoce quente de maçã, além da salada de cuscuz com pimentos e enchidos – a minha avó materna, em pleno Nordeste, cozinhava cuscuz superlativos.
Depois disto, havia as plumas de porco preto (eu não dizia?) marinado em vinho tinto do Douro, um joelho de porco, um polvo assado no forno e um outro servido com vinho, com migas de feijão, um risoto de cogumelos, um bife do lombo com queijo da Serra e molho de vinho do Porto, costelas grelhadas de borrego com batatas assadas a murro, umas bochechas de bísaro com tagliatelli de legumes, um bacalhau com broa. Tentei-me: fui ao bacalhau, de posta elegante, formatada, branca e alta, de cobertura crocante, muito bom. De seguida, um cabritinho no forno com batatinhas – que costumam ser o corolário dessa presença no calor, douradas e farinhentas. Não se queixaram, nenhum deles, até porque os vinhos eram bons.
A decoração do Douro In é bonita à noite; de dia nunca a vi, mas basta-me imaginá-la, evocando adegas, recantos íntimos, xistos, com mesas voltadas para o Douro ou refugiadas num cantinho para conversa. Pensava nisso quando apareceram as sobremesas: uma tarte de maçã com sorvete de baunilha e um bolo de laranja com frutos vermelhos onde pontilhava também uma espuma de morango. Com o café – e uma velha aguardente do Douro, que competiu com um 'tawny' servido a boa temperatura (o que é raro hoje em dia) – decidi que um lugar daqueles fazia falta à Régua, mas também ao viajante e aos geógrafos amadores que passam pelo lugar. Há ali uma tentativa séria de fazer um bom restaurante. E, já agora, um bar bem divertido.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 100
Vinhos brancos: 32
Espumantes & Champanhes: 8
Aguardentes portuguesas: 10
Colheitas tardias e moscatéis: 8
Portos & Madeiras: 26
Uísques: 20
Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: relativamente fácil à noite
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: aconselhável
Preço médio: 35 Euros
RESTAURANTE DOURO IN
Av. João Franco
5050-226 Régua
Tel. 963 928 050 / 916 946 870
Encerra às segundas e almoço de terças
in Revista Notícias Sábado – 1 Setembro 2007
Etiquetas: Restaurantes
<< Home