agosto 04, 2007

O PSD tem más digestões e até disfunção eréctil

É talvez o homem que vive mais perto de Fernando Pessoa. Francisco José Viegas, 45 anos, toma-lhe conta da casa, em Lisboa. E aos livros e pertences do poeta vai adicionando vida, conversas, amigos. Num intervalo desse turbilhão, o escritor e jornalista respondeu, por e-mail, às perguntas que considerou "divertidas".

Já recuperou o computador que lhe roubaram no aeroporto de Maiquetía, Venezuela?

Comprei outro e, agora que não é preciso, faço back-ups todas as semanas.

O seu desassossego com a tentação autoritária da Venezuela de Chavéz é ético e que mais?

Gastronómico. Tenho medo que ele queira uma alimentação socialista. Na Venezuela, come-se maravilhosamente em restaurantes antichavistas.

Levou a sério Saramago na fatalidade de termos que nos integrar em Espanha?

Não. A realidade ultrapassa-o. De resto, hoje, um dos desportos favoritos dos portugueses chama-se "tiro no Saramago". Já foi tempo. Agora não dá gozo.

Diz que o PSD de hoje está reduzido a uma sala de espera. De que especialidade médica?

Devia ser apenas ortopedia mas, infelizmente, trata-se de um complexo problema de clínica geral desde más-digestões a disfunção eréctil.

Pacheco Pereira respondeu-lhe quando disse, a propósito da crise do PSD, que ele escrevia em rongorongo?

Há mais incertezas sobre a Terra do que Pacheco Pereira e eu próprio alguma vez poderemos imaginar. A diferença é que ele foi maoísta e tem mais anos disto.

Está completamente esclarecido no caso da DREN ou espera pela passagem da 'silly season'?

Tudo gente ressentida, que é o maior problema português. A dra. Margarida Moreira é só um peão, não tem muita importância. E o prof. Charrua não é um herói da liberdade de expressão. Heróis são aqueles que levantaram a voz por causa do assunto.

O que faz quando está sozinho na Casa Fernando Pessoa e tem por ali por perto os objectos do poeta?

Não faço nada, passo ao largo por causa do alarme. Mas gostava de baralhá-los ou de trocar as legendas das vitrinas.

"Longe de Manaus" é o seu "Livro do desassossego"?

É o meu livro mais recente, aquele que mais custou a escrever, aquele que me deu mais prazer pessoal.

O dinheiro ganho com prémios de livros, como o da APE, deve ser gasto de que forma especial?

Estourá-lo. Gastá-lo. Esmifrá-lo. Não dar troco. Vingar-se dos impostos pagos. Viajar. Comprar discos. Comprar champanhe. Guardar um nadinha para qualquer coisa.

Ter bebido "99 cervejas + 1" levou-o a descobrir o quê?

Que é difícil fazer uma cerveja má (mas consegue-se). Que há sempre uma cerveja desconhecida à nossa espera. Que ainda há coisas maravilhosas para beber.

Segundo os seus apontamentos, há cada vez mais mulheres portuguesas a beber cerveja. Como vê o prolongamento dessa libertação?

Vejo muito bem. Um grão na asa é sempre bem-vindo em qualquer circunstância. Em loiras, ruivas ou morenas.

No paraíso há livros?

Há muitos livros. E espreguiçadeiras, máquinas de imperial, vinho branco, praias, horas de sesta, ostras, champanhe gelado, clones de Luana Piovani e de Monica Belucci, charutos (Ramon Allones, Churchill), sessões non-stop de CSI Las Vegas, filmes de Fellini e de Howard Hawks, e cigarrilhas para dividir com o Manuel António Pina.

O paraíso de um escritor é o mesmo que de um jornalista?

Não. O paraíso de um escritor é não ter que escrever. O pesadelo de um jornalista é proibirem-no de escrever.

É no seu blog [http//origemdasespecies.blogspot.com/] que continua a fazer jornalismo: compilatório, vigilante, denunciador. Nasce-se assim ou são os outros que nos fazem ser desse modo?

Às vezes, é embirração mesmo. O problema é que uma pessoa gosta do seu país, quer que ele seja melhor, e tem aquele fantástico defeito de todos os portugueses - opiniões sobre tudo.

Entrevista de Helena Teixeira da Silva a Francisco José Viegas
in Jornal de Notícias - 4 Agosto 2007

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