A maravilhosa vida das paredes
A vida das cidades não é fácil. Estão sujas. Nunca se sabe se elas estão sujas porque são sujas ou porque as pessoas as sujam. Mas elas estão sujas. Elas e uma parte do país.
Por exemplo, os “grafitis”. Os meninos acham que os “grafitis” são uma “arte urbana” e por isso praticam-na livre e alegremente em tudo o que é parede pública e privada, seja em granito ou mármore, em cimento ou gesso. Ninguém pode parar ou criticar essa “arte urbana” que se transformou em flagelo, porque isso traumatizaria os meninos, tal como perguntar-lhes pelas notas, querer saber que livros leram, o que acham de qualquer coisa que ocupe mais de cinco palavras numa só frase.
Periodicamente, alguém vem falar da “arte urbana”, aqueles grafitis que o leitor colecciona visualmente nas paredes, ao longo das ruas; há teorias para tudo, inclusive para defender o direito de os meninos sujarem, a jacto de spray, as paredes das nossas cidades. Não sei se, a si, o indignam. A mim indignam. Outro dia mostraram-me quanto gasta a Câmara de Lisboa, por ano, para limpar os “grafitis” que assinalam, pelas ruas, praças e avenidas, a enormíssima vitalidade da rapaziada. Euros e euros. Milhões de euros distribuídos por muros, monumentos, fachadas, construções recentes ou antigas.
Durante uma semana investiguei a criatividade dos meninos. Fiz algum esforço para ler algumas das “tags” que sujavam mármores de edifícios públicos, granitos de fachadas privadas, muros em ruínas ou acabados de pintar. Também me pus no lugar deles mas depressa percebi que não podia estar no lugar deles. Fui sempre um conservador nessa área: acredito que são virtudes cívicas não sujar o espaço público, não escrever obscenidades nas paredes, ter vergonha de mostrar o meu país todo sujo e gatafunhado, não deitar lixo para o chão. As frases às vezes são apenas nomes, grunhidos, reprodução de sons, o uso de um certo tipo de grafismo (que já era piroso nos anos setenta). Um dos meus filhos, adolescente, tentou explicar-me porque razão aquilo era um “acto de rebeldia” apesar de desenharem gatafunhos de “spray” em paredes que não eram culpadas da rebeldia da rapaziada. No lugar onde trabalho, em Campo de Ourique (a Casa Fernando Pessoa), um desses rebeldes decidiu há cerca um ano pintar uma sigla que me abstenho de reproduzir – sei o que nos custou mandar reparar a parede. Literalmente, tratou-se de “reparação”: foi preciso raspar, picar, reconstruir e, depois, pintar por cima. A rebeldia custou-nos caro.
A verdade é que a actividade “rebelde” do “grafiti” é pirosa e velhaca, atentando contra os direitos cívicos: o direito à paisagem, o direito à propriedade, o direito ao espaço. Parece que há uma legislação sobre o assunto, mas periodicamente – sempre periodicamente – há uma revista ou um jornal que publica uma reportagem sobre a “fabulosa criatividade” dos meninos, esses bandos de rapazes que circulam com as mochilas cheias de sprays destinados a “deixar uma mensagem” nas nossas paredes, no centro das cidades. A linguagem deles, entrevistados por jornalistas fascinados pelos “grafitis” (enquanto um bando desses não lhe pinta a casa com bonecada) também é velhaca e despropositada. E obtusa.
Às vezes dizem-me que estou a ficar reaccionário. Explico, pacientemente, que apenas defendo a minha liberdade, os meus direitos, a minha opinião; não quero escrevê-la a spray nas paredes das cidades. Quando me dizem que os meninos não podem ser traumatizados ao proibir-se-lhes a actividade, apenas pergunto se alguém me pediu autorização para abdicar do meu direito a uma parede limpa, a uma cidade limpa.
in Jornal de Notícias – 16 Julho 2007
Por exemplo, os “grafitis”. Os meninos acham que os “grafitis” são uma “arte urbana” e por isso praticam-na livre e alegremente em tudo o que é parede pública e privada, seja em granito ou mármore, em cimento ou gesso. Ninguém pode parar ou criticar essa “arte urbana” que se transformou em flagelo, porque isso traumatizaria os meninos, tal como perguntar-lhes pelas notas, querer saber que livros leram, o que acham de qualquer coisa que ocupe mais de cinco palavras numa só frase.
Periodicamente, alguém vem falar da “arte urbana”, aqueles grafitis que o leitor colecciona visualmente nas paredes, ao longo das ruas; há teorias para tudo, inclusive para defender o direito de os meninos sujarem, a jacto de spray, as paredes das nossas cidades. Não sei se, a si, o indignam. A mim indignam. Outro dia mostraram-me quanto gasta a Câmara de Lisboa, por ano, para limpar os “grafitis” que assinalam, pelas ruas, praças e avenidas, a enormíssima vitalidade da rapaziada. Euros e euros. Milhões de euros distribuídos por muros, monumentos, fachadas, construções recentes ou antigas.
Durante uma semana investiguei a criatividade dos meninos. Fiz algum esforço para ler algumas das “tags” que sujavam mármores de edifícios públicos, granitos de fachadas privadas, muros em ruínas ou acabados de pintar. Também me pus no lugar deles mas depressa percebi que não podia estar no lugar deles. Fui sempre um conservador nessa área: acredito que são virtudes cívicas não sujar o espaço público, não escrever obscenidades nas paredes, ter vergonha de mostrar o meu país todo sujo e gatafunhado, não deitar lixo para o chão. As frases às vezes são apenas nomes, grunhidos, reprodução de sons, o uso de um certo tipo de grafismo (que já era piroso nos anos setenta). Um dos meus filhos, adolescente, tentou explicar-me porque razão aquilo era um “acto de rebeldia” apesar de desenharem gatafunhos de “spray” em paredes que não eram culpadas da rebeldia da rapaziada. No lugar onde trabalho, em Campo de Ourique (a Casa Fernando Pessoa), um desses rebeldes decidiu há cerca um ano pintar uma sigla que me abstenho de reproduzir – sei o que nos custou mandar reparar a parede. Literalmente, tratou-se de “reparação”: foi preciso raspar, picar, reconstruir e, depois, pintar por cima. A rebeldia custou-nos caro.
A verdade é que a actividade “rebelde” do “grafiti” é pirosa e velhaca, atentando contra os direitos cívicos: o direito à paisagem, o direito à propriedade, o direito ao espaço. Parece que há uma legislação sobre o assunto, mas periodicamente – sempre periodicamente – há uma revista ou um jornal que publica uma reportagem sobre a “fabulosa criatividade” dos meninos, esses bandos de rapazes que circulam com as mochilas cheias de sprays destinados a “deixar uma mensagem” nas nossas paredes, no centro das cidades. A linguagem deles, entrevistados por jornalistas fascinados pelos “grafitis” (enquanto um bando desses não lhe pinta a casa com bonecada) também é velhaca e despropositada. E obtusa.
Às vezes dizem-me que estou a ficar reaccionário. Explico, pacientemente, que apenas defendo a minha liberdade, os meus direitos, a minha opinião; não quero escrevê-la a spray nas paredes das cidades. Quando me dizem que os meninos não podem ser traumatizados ao proibir-se-lhes a actividade, apenas pergunto se alguém me pediu autorização para abdicar do meu direito a uma parede limpa, a uma cidade limpa.
in Jornal de Notícias – 16 Julho 2007
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