Suculento, apelativo, familiar
A Petisqueira do Gould, em Paço de Arcos, conta com duas salas acolhedoras e um cardápio difícil de resistir.
Paço de Arcos corre o risco de se tornar, em breve, um dos lugares mais aprazíveis para jantar nestes finais de tarde de Verão. Já vos falei da grandeza crepuscular dos lugares da “Linha” e escuso de mentir como um cronista imparcial. Sou parcial e o leitor sabe-o.
Lembro a vila (é um título de que dispõe desde 1926, seis meses depois do golpe de Maio) de Paço de Arcos de há alguns anos, década de setenta, década de oitenta, com a sua cosmopolita e palradora esplanada Bonvalot, hoje Casa dos Cacetes (e, felizmente, não menos palradora a meio da tarde), as suas livrarias para encontrar achados de ocasião, lojas de rua e de boa vizinhança, tabacarias amigáveis, pastéis de nata da Oceania (um primor ainda hoje), noites de província no Jardim junto da marginal, coisas de romance, coisas de Verão. O que é mais extraordinário, no actual estado de coisas, é que Paço de Arcos, depois de um período de transição e relativa desordem novo-rica, recuperou a sua traça de vila de vizinhos, acrescentada de alguns restaurantes muito convenientes e de um empedrado simpático e limpinho. Ainda bem para a história do lugar, ainda bem para todos nós, visitantes de ocasião e peregrinos com estômago a pedir conforto.
A Petisqueira do Gould está instalada no espaço que me lembro ser o de uma antiga ourivesaria na centralíssima Rua Costa Pinto (para quem vem de Lisboa, é a primeira entrada na marginal, no sentido de Cascais); é uma rua cheia de perfumes e de cozinhas muito apresentáveis. Duas salinhas familiares, com um total de vinte e quatro lugares: é isto a Petisqueira do Gould, se não contarmos com um cardápio que tem tanto de suculento como de apelativo. A mim, confesso, espantou-me à entrada uma taça de cerejas coradas, rosadas, bicais, rijas, luminosas, quase incandescentes, já sem o pezinho – reservei-as mentalmente para a sobremesa. Mas, junto delas, repousavam três aventuras prometidas: um bolo de chocolate, brigadeiro; um outro confortável bolo de chocolate que revelaria – depois – interiores de mousse, aveludados, sedosos, humedecidos; e uma tarte de maracujá tremelicante, com as sementinhas do “fruto da paixão” como que diluídas sob uma capa de doçura atrevida. Se eu começo pela sobremesa, imagine o leitor o meu estado.
Na mesa, fomos recebidos por um “kir”. Abençoei mentalmente aquele digníssimo ‘maire’ de Dijon no início do século XX, Monsieur Felix Kir, o divulgador – mais do que criador – da bebida: um fio de “crème de cassis” numa flute de champanhe ou de vinho branco. Bom começo, juntamente com as torradinhas (com manteiga de alho e ervas), a concha de santola e umas fatias de um lombo de Jabugo como já não comia há muito. Mudaram-se as bebidas para as escolhas da refeição propriamente dita, de entre um cardápio onde me ficou no olho a arrozada de grelos com línguas de bacalhau (fica para a próxima!) ou os filetes de peixe-galo com arroz mariscado, um dos emblemas da casa. De entre os peixes para grelhar e o arroz malandrinho com caroupa, havia promessas de lampreia na sua época, servida em arroz, à bordalesa, ou pela sopa rica de cherne com marisco, ou pela perdiz em molho vilão. Conquistou-me o perfume da caldeirada de cabrito, mas comecei pelos panadinhos de polvo com arroz de tomate, sempre piscando o olho – rútilo, como na devassidão queirosiana – à alheira de caça, ao rosbife, às costeletinhas de cordeiro ou ao cabrito estonado. A posta “à mirandesa” do Gould tem um fio amostardado que se pode dispensar, mas é finíssima de sabor, com uns grelos salteados magníficos. Excelente o entrecôte frito à portuguesa, com molho perfeito – e, curiosidade para apreciadores: há muito, muito tempo que não picava esptada de lulas tão perfeitinhas (em tamanho, adolescentes, frescas, devassas), ligeiramente tostadas, pingando, com camarões atrevidos pelo meio.
Vieram, finalmente, as sobremesas que eu tinha cobiçado desde o princípio. As cerejas, fantásticas. O bolo de chocolate – mousse perfeita, um convite à devassidão. A noite tinha caído, profundíssima e com um vento forte sobre o mar, e o jantar pedia passeio pela vila fora. Há coisas melhores, por certo, mas não tão boas.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Paço de Arcos corre o risco de se tornar, em breve, um dos lugares mais aprazíveis para jantar nestes finais de tarde de Verão. Já vos falei da grandeza crepuscular dos lugares da “Linha” e escuso de mentir como um cronista imparcial. Sou parcial e o leitor sabe-o.
Lembro a vila (é um título de que dispõe desde 1926, seis meses depois do golpe de Maio) de Paço de Arcos de há alguns anos, década de setenta, década de oitenta, com a sua cosmopolita e palradora esplanada Bonvalot, hoje Casa dos Cacetes (e, felizmente, não menos palradora a meio da tarde), as suas livrarias para encontrar achados de ocasião, lojas de rua e de boa vizinhança, tabacarias amigáveis, pastéis de nata da Oceania (um primor ainda hoje), noites de província no Jardim junto da marginal, coisas de romance, coisas de Verão. O que é mais extraordinário, no actual estado de coisas, é que Paço de Arcos, depois de um período de transição e relativa desordem novo-rica, recuperou a sua traça de vila de vizinhos, acrescentada de alguns restaurantes muito convenientes e de um empedrado simpático e limpinho. Ainda bem para a história do lugar, ainda bem para todos nós, visitantes de ocasião e peregrinos com estômago a pedir conforto.
A Petisqueira do Gould está instalada no espaço que me lembro ser o de uma antiga ourivesaria na centralíssima Rua Costa Pinto (para quem vem de Lisboa, é a primeira entrada na marginal, no sentido de Cascais); é uma rua cheia de perfumes e de cozinhas muito apresentáveis. Duas salinhas familiares, com um total de vinte e quatro lugares: é isto a Petisqueira do Gould, se não contarmos com um cardápio que tem tanto de suculento como de apelativo. A mim, confesso, espantou-me à entrada uma taça de cerejas coradas, rosadas, bicais, rijas, luminosas, quase incandescentes, já sem o pezinho – reservei-as mentalmente para a sobremesa. Mas, junto delas, repousavam três aventuras prometidas: um bolo de chocolate, brigadeiro; um outro confortável bolo de chocolate que revelaria – depois – interiores de mousse, aveludados, sedosos, humedecidos; e uma tarte de maracujá tremelicante, com as sementinhas do “fruto da paixão” como que diluídas sob uma capa de doçura atrevida. Se eu começo pela sobremesa, imagine o leitor o meu estado.
Na mesa, fomos recebidos por um “kir”. Abençoei mentalmente aquele digníssimo ‘maire’ de Dijon no início do século XX, Monsieur Felix Kir, o divulgador – mais do que criador – da bebida: um fio de “crème de cassis” numa flute de champanhe ou de vinho branco. Bom começo, juntamente com as torradinhas (com manteiga de alho e ervas), a concha de santola e umas fatias de um lombo de Jabugo como já não comia há muito. Mudaram-se as bebidas para as escolhas da refeição propriamente dita, de entre um cardápio onde me ficou no olho a arrozada de grelos com línguas de bacalhau (fica para a próxima!) ou os filetes de peixe-galo com arroz mariscado, um dos emblemas da casa. De entre os peixes para grelhar e o arroz malandrinho com caroupa, havia promessas de lampreia na sua época, servida em arroz, à bordalesa, ou pela sopa rica de cherne com marisco, ou pela perdiz em molho vilão. Conquistou-me o perfume da caldeirada de cabrito, mas comecei pelos panadinhos de polvo com arroz de tomate, sempre piscando o olho – rútilo, como na devassidão queirosiana – à alheira de caça, ao rosbife, às costeletinhas de cordeiro ou ao cabrito estonado. A posta “à mirandesa” do Gould tem um fio amostardado que se pode dispensar, mas é finíssima de sabor, com uns grelos salteados magníficos. Excelente o entrecôte frito à portuguesa, com molho perfeito – e, curiosidade para apreciadores: há muito, muito tempo que não picava esptada de lulas tão perfeitinhas (em tamanho, adolescentes, frescas, devassas), ligeiramente tostadas, pingando, com camarões atrevidos pelo meio.
Vieram, finalmente, as sobremesas que eu tinha cobiçado desde o princípio. As cerejas, fantásticas. O bolo de chocolate – mousse perfeita, um convite à devassidão. A noite tinha caído, profundíssima e com um vento forte sobre o mar, e o jantar pedia passeio pela vila fora. Há coisas melhores, por certo, mas não tão boas.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 60
Vinhos brancos: 26
Espumantes & Champanhes: 4
Aguardentes portuguesas: 12
Colheitas tardias & moscatéis: 2
Portos & Madeiras: 10
Uísques: 10
Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: relativamente fácil à noite
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 22 euros
Petisqueira do Gould
Rua Costa Pinto, 93
2780-582 Paço de Arcos
Tel: 21 4433376
Encerra aos sábados ao almoço e domingos.
Vinhos tintos: 60
Vinhos brancos: 26
Espumantes & Champanhes: 4
Aguardentes portuguesas: 12
Colheitas tardias & moscatéis: 2
Portos & Madeiras: 10
Uísques: 10
Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: relativamente fácil à noite
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 22 euros
Petisqueira do Gould
Rua Costa Pinto, 93
2780-582 Paço de Arcos
Tel: 21 4433376
Encerra aos sábados ao almoço e domingos.
in Revista Notícias Sábado – 21 Julho 2007
Etiquetas: Restaurantes
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