julho 23, 2007

O PSD enquanto sala-de-espera

“Alguém acredita que é possível no mês de Agosto reflectir, apresentar e discutir quaisquer ideias para o partido e o país?” A frase é de José Pedro Aguiar Branco, ex-provável candidato a líder do PSD no amabilíssimo processo eleitoral que o partido promove em Setembro. Aguiar Branco tem razão no que diz – mas, para sermos mais generosos, podemos alargar o sentido da própria frase e alterá-la sem mencionar o papel que Agosto poderia ter na matéria: “Alguém acredita que é possível reflectir, apresentar e discutir quaisquer ideias para o partido e o país?” Não é preciso estar lá Agosto – para nada.

Ora, a gente vê o dr. Marques Mendes e tem dúvidas – não sobre o homem em si, a sua intimidade (digamos), a sua tenacidade, a sua capacidade de ter “ideias para o partido”. Mas há dúvidas. E a culpa, vamos e venhamos, é de Marques Mendes. Isto não faz dele um personagem antipático ou menosprezável; o PSD tem para com Marques Mendes uma dívida incalculável. Mas trata-se do partido. O partido que resolva essa dívida.

É verdade que Marques Mendes foi o primeiro a avançar para a luta contra um Santana Lopes engripado e aniquilado pela derrota nas eleições de Fevereiro de 2005; foi penoso, na época, ver o PSD dominado pela “guerra do empurra”, esperando para ver quem seria o líder a trucidar durante a temporada de maioria absoluta do PS.

O PSD está cheio de senadores, valha a verdade, e de especialistas em ter “ideias para o partido” (que geralmente se reduzem ao pagamento de quotas, à contabilidade das concelhias, à troca de favores, às prioridades da “jotas” ou do pessoal que esteve “com Cavaco” – na altura em que era fácil estar com Cavaco); mas o papel dos “senadores” é especial. Alguns deles desertaram; ou se passaram para “o inimigo” ou lhe fazem “favores”, ou então dedicaram-se com mais proveito à “privada”, depois de terem exercido no “público” durante os anos em que havia lugar para todos. O poder deixou de lhes interessar pela devastadora razão de que já não o têm. Eles aparecem, a espaços; mas nunca têm disponibilidade, ou nunca estão reunidas “as condições” ideais. No PSD, o papel dos “senadores” é esperar. Sejamos velhacos: esperar, para entrar; e esperar, para sair. Para muitos deles, o PSD é uma sala-de-espera. Até aparecer “qualquer coisa”.

É evidente que os partidos necessitam de exercer o poder e de o ocupar. Mais. Para existir, precisam de querer ambas as coisas. É isto que falta ao PSD: ter ideias para exercer o poder. Por isso, a gente olha para Marques Mendes e tem dúvidas. Nota-se-lhe a determinação, nota-se-lhe o jeito para manobrar, decidir, escolher. Mas, bem vistas as coisas, é o líder de uma sala-de-espera.

Muitos dos seus frequentadores esperam uma oportunidade, outros esperam que “a coisa” não quebre (arrastando-se pela legislatura, penosamente), e uma larga maioria espera outro líder, enquanto outros, diligentes funcionários, arregimentam concelhias, distritais e quotas em atraso. Disso se tem feito grande parte da vida do PSD nos últimos tempos. Disso e da “política imediata”, com Marques Mendes usando os rumores que a imprensa faz circular, que os blogues avançaram há muito ou que outros militantes, de menor peso, arriscam transformar em temas sérios.

Transformar a vida do PSD numa luta entre Marques Mendes e Luís Filipe Meneses ou um alegado “gabinete barrosista” (quem?), é uma novela de família, um folhetim de costumes. Mas não dá ideia de mobilização, nem de debate, nem de vontade. Muitos têm receio da expressão “refundação da direita” (um tema do PP, parece); é justo. O PSD não é o monstro da direita. Mas é um corpo adormecido em busca de refundação, de programa e de gente nova. Os senadores acham isso um exagero. E Agosto, como se sabe, está fora de hipótese.

in Jornal de Notícias – 23 Julho 2007

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