Aviz de sempre
O Aviz regressou em 2005. Mas só agora está em pleno, com boas promessas e um chefe tranquilo.
A história de Lisboa no século XX, pelo menos a história romântica à maneira de 'Os Maias', não podia fazer-se sem uma referência ao Aviz, ao Aviz do Chiado, ao Aviz da mesa do Sr. Calouste Gulbenkian, ao Aviz onde Eva Péron passeou as suas pérolas, onde Maria Callas entrou, luminosa, onde Sinatra pernoitou, à vasta mesa onde Mário Soares conspirou, ao Aviz, enfim, onde Marcello Mastroianni deve ter sorrido se tivesse visto Ava Gardner, ao longe, a entrar pela sua porta discreta. Seja como for, eu não conheço esse Aviz que a história há-de relembrar; mas conheci o velho restaurante Aviz e, pela segunda vez, fui ao novo, no rés-do-chão do Hotel Aviz, a dois passos, ou menos, do Marquês de Pombal.
Esta segunda vez foi melhor, depois da reabertura em 2005. Da primeira vez que visitei o novo Aviz entrei num filme mudo que reabilitava a história da casa (curiosamente, encontrei vários desses personagens nas suas mesas); agora, com Agosto deixando Lisboa transformada num agradável deserto, com menos automobilistas, menos ruído, menos lixo e menos gente, o Aviz tinha também alterado o seu cardápio – e para melhor.
Carlos Martins, o chefe, manteve o essencial (as lascas de bacalhau, o bacalhau à Gomes de Sá, os tournedós Rossini, o pato) e, no meio das mudanças, soube ser um clássico, o que não é fácil. Este chefe, com formação básica luxemburguesa e francesa, que passou pelo Hotel da Lapa, pela Penha Longa, pela Lawrence (em Sintra, que ele próprio reabriu), pela Quinta da Marinha e por alguns estágios em Milão e em estrelas Michelin de Inglaterra (os preferidos de Anthony Bourdain, vale a pena dizer), propôs-nos, para abrir, um exercício de geometria descritiva: uma chamussa de morcela e farinheira (massa leve, crocante, finíssima) com desidratação de rosas, a que os meus companheiros de mesa responderam com uns espargos e um 'carpaccio' de polvo (com vinagrete de pimentos assados, muito bom, e folhinhas de coentro); eu, como sou conservador, preferi o velho misto de salmão com espadarte, que não vinha na lista mas evocava o velho Aviz. Foi uma homenagem, embora pudesse ter optado pelo salmão fumado com ovo de codorniz e pesto de ervas frescas ou pelo jovial leque de espadarte fumado e cavala sobre chicória em vinagrete de alcaparras.
Da lista de entradas faziam ainda parte cogumelos recheados com 'escargots', a muito clássica e sempre requisitada santola recheada sobre gelo, um 'foie-gras' glaceado com redução de Porto LBV e uns figos pingo-de-mel, além do queijo de cabra gratinado. Foi o que foi, e foi bem – porque bebemos, neste capítulo um dos meus vinhos deste ano e deste Verão, um simpático Stanley, 'chardonnay' muito perfumado, obra da marca de vinhos de, imagine-se, Stanley Ho. Guardado para a segunda parte do desafio, como se diz em linguagem futebolística, estaria um tinto de Colares, ramisco, que se bebeu em duas temperaturas – primeiro, à temperatura ambiente; depois, refrescado e ganhando dimensão, textura e aroma.
Aos pratos fortes, portanto: na lista, lugar aos clássicos, como o bacalhau à Gomes de Sá (famosíssimo), as lascas de bacalhau com pimentos grelhados, os célebres filetes de linguado com cogumelos e laranja, o pato estufado ou o carré de cordeiro, além do bife raspado "à Monjardino", uma homenagem a Miguel Monjardino, imagem de marca do Aviz e da Fundação Oriente.
Pessoalmente, hei-de voltar para provar o 'risotto' ao champanhe com 'foie-gras' e azeite de trufa, mas desta vez detive-me num clássico (eu sei, sou conservador): os tornedós Rossini, de que se apresentou uma solução muito suculenta, com o tornedó (excelente) assente na sua torradinha, encimado com uma fatia de 'foie-gras' (a juntar ao molho, também da mesma natureza) de primeira ordem e duas lâminas de trufa. Muito bom. Os meus companheiros honraram a casa com o 'carré' de cordeiro, que estava perfumado com alho e vinho tinto, mas conservando a doçura do seu interior, e com uma espetada de lulas, frescas e apetitosas (um dos pratos do dia, que me levará à quinta-feira para provar o 'risotto' de bacalhau com coentros e lascas de Grana Padano).
Sobremesas? Eram excelentes mas não tenho mais espaço. Nem no estômago - nem na página, que há-de ir sugestiva, espero eu.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 103
Vinhos brancos: 36
Espumantes & Champanhes: 12
Aguardentes portuguesas: 16
Colheitas tardias e moscatéis: 7
Portos & Madeiras: 20
Uísques: 18
Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: parque nas proximidades
Levar crianças: não
Área de não fumadores: não
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 40 Euros
Ao Jantar: traje formal
AVIZ
Rua Duque de Palmela, n.º 32
1250-098 Lisboa
Tel: 210 402 000
Não encerra
in Revista Notícias Sábado – 11 de Agosto 2007
A história de Lisboa no século XX, pelo menos a história romântica à maneira de 'Os Maias', não podia fazer-se sem uma referência ao Aviz, ao Aviz do Chiado, ao Aviz da mesa do Sr. Calouste Gulbenkian, ao Aviz onde Eva Péron passeou as suas pérolas, onde Maria Callas entrou, luminosa, onde Sinatra pernoitou, à vasta mesa onde Mário Soares conspirou, ao Aviz, enfim, onde Marcello Mastroianni deve ter sorrido se tivesse visto Ava Gardner, ao longe, a entrar pela sua porta discreta. Seja como for, eu não conheço esse Aviz que a história há-de relembrar; mas conheci o velho restaurante Aviz e, pela segunda vez, fui ao novo, no rés-do-chão do Hotel Aviz, a dois passos, ou menos, do Marquês de Pombal.
Esta segunda vez foi melhor, depois da reabertura em 2005. Da primeira vez que visitei o novo Aviz entrei num filme mudo que reabilitava a história da casa (curiosamente, encontrei vários desses personagens nas suas mesas); agora, com Agosto deixando Lisboa transformada num agradável deserto, com menos automobilistas, menos ruído, menos lixo e menos gente, o Aviz tinha também alterado o seu cardápio – e para melhor.
Carlos Martins, o chefe, manteve o essencial (as lascas de bacalhau, o bacalhau à Gomes de Sá, os tournedós Rossini, o pato) e, no meio das mudanças, soube ser um clássico, o que não é fácil. Este chefe, com formação básica luxemburguesa e francesa, que passou pelo Hotel da Lapa, pela Penha Longa, pela Lawrence (em Sintra, que ele próprio reabriu), pela Quinta da Marinha e por alguns estágios em Milão e em estrelas Michelin de Inglaterra (os preferidos de Anthony Bourdain, vale a pena dizer), propôs-nos, para abrir, um exercício de geometria descritiva: uma chamussa de morcela e farinheira (massa leve, crocante, finíssima) com desidratação de rosas, a que os meus companheiros de mesa responderam com uns espargos e um 'carpaccio' de polvo (com vinagrete de pimentos assados, muito bom, e folhinhas de coentro); eu, como sou conservador, preferi o velho misto de salmão com espadarte, que não vinha na lista mas evocava o velho Aviz. Foi uma homenagem, embora pudesse ter optado pelo salmão fumado com ovo de codorniz e pesto de ervas frescas ou pelo jovial leque de espadarte fumado e cavala sobre chicória em vinagrete de alcaparras.
Da lista de entradas faziam ainda parte cogumelos recheados com 'escargots', a muito clássica e sempre requisitada santola recheada sobre gelo, um 'foie-gras' glaceado com redução de Porto LBV e uns figos pingo-de-mel, além do queijo de cabra gratinado. Foi o que foi, e foi bem – porque bebemos, neste capítulo um dos meus vinhos deste ano e deste Verão, um simpático Stanley, 'chardonnay' muito perfumado, obra da marca de vinhos de, imagine-se, Stanley Ho. Guardado para a segunda parte do desafio, como se diz em linguagem futebolística, estaria um tinto de Colares, ramisco, que se bebeu em duas temperaturas – primeiro, à temperatura ambiente; depois, refrescado e ganhando dimensão, textura e aroma.
Aos pratos fortes, portanto: na lista, lugar aos clássicos, como o bacalhau à Gomes de Sá (famosíssimo), as lascas de bacalhau com pimentos grelhados, os célebres filetes de linguado com cogumelos e laranja, o pato estufado ou o carré de cordeiro, além do bife raspado "à Monjardino", uma homenagem a Miguel Monjardino, imagem de marca do Aviz e da Fundação Oriente.
Pessoalmente, hei-de voltar para provar o 'risotto' ao champanhe com 'foie-gras' e azeite de trufa, mas desta vez detive-me num clássico (eu sei, sou conservador): os tornedós Rossini, de que se apresentou uma solução muito suculenta, com o tornedó (excelente) assente na sua torradinha, encimado com uma fatia de 'foie-gras' (a juntar ao molho, também da mesma natureza) de primeira ordem e duas lâminas de trufa. Muito bom. Os meus companheiros honraram a casa com o 'carré' de cordeiro, que estava perfumado com alho e vinho tinto, mas conservando a doçura do seu interior, e com uma espetada de lulas, frescas e apetitosas (um dos pratos do dia, que me levará à quinta-feira para provar o 'risotto' de bacalhau com coentros e lascas de Grana Padano).
Sobremesas? Eram excelentes mas não tenho mais espaço. Nem no estômago - nem na página, que há-de ir sugestiva, espero eu.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 103
Vinhos brancos: 36
Espumantes & Champanhes: 12
Aguardentes portuguesas: 16
Colheitas tardias e moscatéis: 7
Portos & Madeiras: 20
Uísques: 18
Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: parque nas proximidades
Levar crianças: não
Área de não fumadores: não
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 40 Euros
Ao Jantar: traje formal
AVIZ
Rua Duque de Palmela, n.º 32
1250-098 Lisboa
Tel: 210 402 000
Não encerra
in Revista Notícias Sábado – 11 de Agosto 2007
Etiquetas: Restaurantes
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