julho 02, 2007

Contra o riso e a indisciplina

As autoridades públicas deviam saber que o mais perigoso para a sua honorabilidade não é o respeitinho ou a falta dele – mas o riso. Podemos invocar séculos de “respeitinho” pelas autoridades, que isso não nos eleva no sentido de ter mais respeito por elas.

Os casos de funcionários públicos demitidos, exonerados ou – utilizemos a expressão – afastados por “falta de respeitinho” não alegram a imagem do governo nas sondagens, embora todos saibamos que não é perseguindo as sondagens que um governo deve actuar. Deve actuar independentemente delas. Eu teria bastante respeito por um governo que tivesse a coragem de actuar contra as opiniões e as indicações das sondagens e achar-me-ia no direito de considerar risível um governo que actuasse em função dos estudos de opinião.

Simplesmente, há limites e bom-senso. Parece que o caso dos funcionários públicos afastados por “falta de respeitinho” teve algum impacte no mais recente barómetro da Marktest que avalia a popularidade do governo (se lhes juntarmos o caso das declarações do ministro Mário Lino, por exemplo, ou toda a polémica da Ota). Essa contabilidade interessa aos recenseadores de “factos políticos”. Ainda assim, se houvesse razões fortíssimas para apoiar a atitude do governo, ou das suas direcções-gerais, eu penso que o barómetro serviria de pouco. Parece claro, no entanto, que no “caso Charrua” houve excesso e abuso de zelo além de declarações politicamente infelizes por parte da responsável da DREN, à mistura com ameaças subtis. Parece haver procedimento idêntico no caso da exoneração de Celeste Cardoso, a directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho, também por violação do dever “de respeitinho”. Os pormenores são conhecidos.

O que ficou a pesar na opinião pública, no entanto, não foi a natureza do desrespeito ou da eventual falta de decoro devido por parte dos funcionários envolvidos, mas sim a natureza persecutória da atitude das chefias, bem como o silêncio dos responsáveis políticos e dos respectivos ministros.

Isso não se deveu a nenhuma “campanha orquestrada pela oposição”, que reage mal e desorganizadamente, mas à sensação – vivida pelos cidadãos – de desprotecção diante do poder. O antigo presidente Mário Soares (numa entrevista à SIC) insistiu no carácter “desagradável” destas “mossas na acção do governo”, e Manuel Alegre achava a decisão do ministro imprópria do PS e do seu historial de tolerância e liberdade de expressão – e mesmo Vital Moreira, que tem vindo a ser um dos mais activos defensores das políticas do governo, achou despropositadas as atitudes das chefias.

O que é mais “desagradável” não é, no entanto, a “mossa que isto possa causar na acção do governo” – mas sim o facto de o próprio PS mostrar que alberga (nas suas fileiras mais obscuras e escondidas, é certo) um conjunto de guardiães hirsutos e severos, decididos a punir a desobediência, o protesto e o riso. De todas as críticas que já se fizeram ao PS, nunca pensei encontrar esta. Estamos sempre a aprender.

É necessário algum bom-senso nestas matérias. Se estamos de acordo em que deve ser preservada a autoridade e a disciplina, o governo não pode dar de si a ideia de um “big brother” sempre vigilante, preparado para – a cada instante – actuar contra o mínimo sinal de riso ou, até, de insensatez.

A Câmara Municipal do Porto serve-se de vídeos para identificar manifestantes; as estruturas do governo aceitam e divulgam denúncias por “sms”; os serviços do ministério da Saúde reagem a “cartazes jocosos” onde são divulgadas as palavras do próprio ministro.

Quando estes pequenos casos ocupam um espaço essencial da vida política, a culpa não é da vida política propriamente dita, mas dos protagonistas que se transformam em alvos de mais riso e de mais indisciplina.

in Jornal de Notícias – 2 Julho 2007

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