O Quixote em Matosinhos
No reino do peixe e do marisco, existe um belo restaurante de carne, que propomos esta semana.
Um leitor (J.D.G.) prega-me, por mail, um sermão brutal e, provavelmente, merecido: que não tenho dito mal de restaurantes, que me tenho desfeito em elogios e que isso é motivo para desconfiar. Esclarecimento gratuito ao leitor: eu próprio tenho desconfiado. Acontece que tenho ido a restaurantes que me têm agradado (a maior parte) ou a alguns que não me têm desiludido. Se o leitor quer sangue, tê-lo-á, apesar de terminar a sua carta com uma mensagem particularmente enternecedora: "Matosinhos, provavelmente onde se come melhor no País." Nisso, concordamos: entre Leça e Matosinhos estão alguns restaurantes que vale a pena visitar (o primeiro dos restaurantes desta secção, há cerca de um ano, foi em Leça, aliás).
Os restaurantes de Matosinhos lembram-me dias de Verão da minha infância, quando o meu pai me queria impressionar com experiências aqui e ali – e pude, pois, frequentar duas ou três casas que figuram entre os clássicos da zona. Volto amiúde para testar a memória e para recuperar um ou outro sabor – e quase nunca saio desiludido: há restaurantes que confirmam a infância ou a adolescência, não têm de ser experiências avassaladoras.
Desta vez fui a Matosinhos por "indicação diplomática" em busca do Sancho Panza — que encontrei fixado nas paredes da casa, em citações do 'Quijote'. É uma decoração sem pretensões, iluminação simples, entrada discreta — e aroma a pecado. Ou seja, a carne — se bem que, entre as especialidades da casa se encontrem uma sopa rica do mar, o tradicional lombo de bacalhau assado na brasa ou com espargos e molho de cerveja preta ou ainda "al Pil Pil" (é diante de um "bacalao al pil pil" que Vázquez Montalbán põe Pepe Carvalho para começar o seu romance 'As Termas', passado em ambiente de dietas assassinas), e ainda o tamboril nas modalidades de espetada com gambas ou servido com alho e toucinho, ou o polvo à lagareiro.
Seja, pois. Mas eu ia às carnes, que no Sancho Panza, de ressonâncias espanholas ou espanholizantes (com, repito, cervantinas citações nas suas paredes), estão distribuídas por 'chuleton' de boi, 'entrecôte' duplo de boi, o tradicional 'cochinillo', o ainda mais tradicional mas nunca menosprezável 'chateau-briand', além de secretos de porco preto (uma invasão completamente irracional nos nossos restaurantes), da alheira de caça com ovo e grelos e do churrasco variado à Sancho Panza (composto por 'entrecôte', lombo, alheira e secretos e o que houver), onde há mão do 'jefe' Alejandro, um argentino, 'porteño', que comanda a cozinha.
Começámos por um 'albariño' espanhol para acompanhar pequenas entradas (entre elas uma linguicinha espanhola e pimentos Padrón) e logo metemos caminho para um tinto notável (criado por um dos zeladores da tradição do Veja Sicília). O Sancho Panza tem na sua carta três brancos e quinze tintos de Espanha ('albariños', 'del Duero', Rioja, Toro e Costes del Segres), além de três "cavas" apropriadas. O tinto acompanhou um 'chuleton', recomendado pelo anfitrião, Carlos Andrade, que foi sendo grelhado na chapa, à mesa. Nada de especial, na verdade, mas muito saboroso – corte exemplar, tempero 'sencillo', gordura de boi para grelhar, excelentes, e hoje cada vez mais raras, batatas fritas de lei, algumas delas devidamente empoladas, a mostrar carácter, e legumes salteados, no ponto.
De sobremesa, derretemo-nos diante de um bom crepe preparado com manteiga (cujo uso se notava, para desagradar a dietistas), massa suave, maçã laminada e 'ron viejo', que foi servido com um Porto Ramos Pinto – outras propostas seriam as tartes de maracujá ou de maçã, a mousse de menta com chocolate, o bolo de brigadeiro ou o toucinho-do-céu. Ficam para a próxima.
Nas mesas em redor, um grupo de futebolistas onde divisei um Anderson de muletas, um Lucho González em vésperas de um bom golo e um Lucas Mareque ainda por estrear, respirava-se apetite. É quanto, às vezes, me basta.
O Sancho que mantenha as suas portas abertas, que lá me terá mais vezes.
À lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 47
Vinhos brancos: 24
Portos & Madeiras: 15
Uísques: 22
Champanhes: 8
Aguardentes & Conhaques: 8
Outros dados
Charutos: Sim
Estacionamento: Parque nas proximidades
Levar crianças: Sim
Área de não-fumadores: Não
Reserva: Muito aconselhável
Preço médio: 35 euros
SANCHO PANZA
Rua do Godinho, 287
4450-149 Matosinhos
Tel: 22 937 90 96
Encerra às segundas-feiras
in Revista Notícias Sábado – 27 Janeiro 2007
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