Cataplana e volta
A Cataplana e Companhia, em Lisboa, é um restaurante cuja especialidade é saborosa e suculenta, em Campo de Ourique. Lá voltaremos, sem remorso ou pecados para vingar.
A “ideologia gastronómica”, que é a última moda entre desiludidos de todas as tendências, não conhece barreiras políticas ou fronteiras ideológicas. Da esquerda à direita, ou ao contrário, a “cultura gastronómica” ameaça transformar-se num regime totalitário com os seus dogmas, os seus princípios, a sua tradição e as suas punições. Eu tenho saudades do apetite sem preconceitos, daquele apetite glorioso por abundância à mesa do restaurante.
Lutar pelo prazer alimentar passou a ser um combate sem inimigos ou adversários – os inimigos são invisíveis ou indetectáveis, os adversários foram engolidos pelo senso comum. O prazer força-se a estar presente em todos os retratos da sociedade – não há palavra que mais se evoque para qualquer actividade humana. A ideia de que tudo “concede prazer”, “provoca prazer”, “oferece prazer”, é uma das mais divulgadas na gastronomia. O “prazer”, de tão falado, deixou de ser procurado. Mas com uma condição perversa e ribombante: a da punição alimentar, uma condição de prestígio social e, portanto, também submetida ao redondel do prazer: prazer em castigar o corpo, prazer em prolongar a vida do corpo, prazer em gozar o corpo, torná-lo eternamente jovem, submetê-lo a dietas espampanantes de que as revistas publicam, frequentemente, notícias sobre os sofrimentos alimentares de empresários, cantores da moda, actrizes e políticos governamentais ou da oposição – e sobre o prazer que isso concede aos seus intérpretes. Nada disso nos comoveu. Fomos à cataplana!
Ciente destes princípios teóricos, e esquecendo-os à primeira tentação, o grupo atirou-se à cataplana de bacalhau, uma caldeirada aprimorada e suculenta, servida no recipiente certo, a cataplana acobreada: estava de rebimba o malho – um caldinho espesso onde navegavam lombos de bacalhau, batata farinhenta, pimentos gordinhos, camarões saltitantes, amêijoas solitárias e obesas, rodelas de cebola. Foi uma boa experiência para o estômago, recalcitrante que ele andava, e enjoado de “sugestões natalícias”. Outras cataplanas eram servidas em redor: a de tamboril, com arroz, massa ou batata à escolha, para acompanhar o peixe e umas gambas que lhe faziam companhia; a de garoupa; a “real”, com caudas de lagosta, amêijoas, camarão tigre ameaçador, gambas e cogumelos; e as mais tradicionais, como a de carne de porco, sequinha e fritinha, com amêijoa, gambas e batata frita; ou a de coelho, uma experiência que recomendo, com couve lombarda e feijão branco, entre outras contribuições. Pessoalmente, a de bacalhau pareceu-me francamente boa.
O Cataplana e Companhia (o antigo Tico-Tico), na vetusta Ferreira Borges, em Campo de Ourique, oferece ainda cabrito à padeiro, produtos do mar frescos (chocos com e sem tinta, polvo à lagareiro, linguados, peixe ao sal e no pão, pescada para cozer ou para fritar – muito saborosa –, douradas escaladas, garoupa, robalo – incluindo a versão “à lagareiro” – e vários mariscos servidos de forma tradicional, além das várias cabeças de peixe, um petisco para apreciadores), e carnes supimpas: os medalhões de vitela, a posta mirandesa, o entrecosto grelhado, a picanha fatiada, os secretos de porco preto (essa invenção demolidora que invadiu todos os restaurantes), os medalhões de porco ibérico e um arroz de coelho que se tornou uma das especialidades da casa.
Tudo ali é suculento; vem, daquela cozinha, um ar saudável e bem guarnecido, ideal para provocar digestões saborosas, ligeiramente apopléticas, se tivermos em conta a carta de vinhos equilibrada e a variedade de digestivos que não envergonham ninguém, a não ser a nossa cobiça. Voltarei sempre (convém reservar à hora de almoço para poder ficar na salinha de cima; caso contrário há uma sala inferior), sem remorso e sem pecados para vingar – buscando apenas a cataplana real ou a de bacalhau, as carnes abundantes e um serviço muito simpático, honrado, sem ademanes que ficam mal. Convém reservar à hora de almoço para poder ficar na salinha de cima; caso contrário há uma sala inferior.
À lupa
Carta de vinhos: * * *
Carta de digestivos: * * *
Facilidade de acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço à mesa: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: **
Ruído da sala: **
Ar condicionado: ***
Garrafeira
Vinhos tintos: 83
Vinhos brancos: 32
Portos & Madeiras: 10
Uísques: 32
Aguardentes & Conhaques: 30
Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: difícil
Levar crianças: não
Área de não-fumadores: não
Reserva: muito aconselhável ao almoço
Preço médio: 30 euros
Cartões: MB, V, D, M, AM
CATAPLANA E COMPANHIA
Rua Ferreira Borges, 193 (Campo de Ourique)
Lisboa
Tel: 213865269
Encerra ao domingo
in Revista Notícias Sábado - 6 Janeiro 2007
<< Home