O curioso mundo do futebol
Maria José Morgado, que está agora encarregada de dirigir as investigações sobre corrupção no futebol, diz que ninguém lhe pede coisas como "ir à Lua ou resolver os problemas do país". Está enganada. É precisamente isso que se lhe pede. É nessas funções que o país julga que a procuradora está investida. Se perguntarmos a qualquer leitor médio da chamada imprensa desportiva, as incumbências e as obrigações da magistrada são ainda maiores. Salvo erro, durante larguíssimos meses e anos, em entrevistas, declarações, mensagens subtis, o nome de Maria José Morgado esteve sempre associado a um discurso de competência para abordar o fenómeno da corrupção - e muitos desses caminhos levavam ao curioso mundo do futebol.
Escrevo "curioso mundo do futebol" mas podia acrescentar mais. Quase toda a gente se sente abrangida por um certo grau de inimputabilidade quando se trata de falar de futebol. Não falo de foras-de-jogo, de penaltis ou de golos mal assinalados. Falo de uma das mais abjectas expressões que esse "curioso mundo do futebol" produziu o famoso "clima de suspeição". Ora, o "clima de suspeição" é uma instituição tão sagrada como o próprio futebol e foi instaurado tanto por gente aparentemente responsável como Santana Lopes, que criou o fenómeno dos "árbitros de Canal Caveira", como por qualquer um dos oradores do programa "Bancada Central" da TSF, esse centro difusor de sapiência futebolística nacional. No futebol pode dizer-se tudo - é apenas futebol, é apenas bola. O problema é que não é apenas bola - é dinheiro, é cumplicidade entre futebol e política, é braço dado entre grande construção e futebol, é dinheiro a rodos - no fundo.
Dos anos setenta, quando o futebol se resumia a bola e influência (ou seja, a prestígio e humilhação), passou-se para o mundo dos negócios, dos investimentos vultosos e da circulação global do dinheiro. Nada que a política e os seus personagens não tenham acompanhado.
Maria José Morgado está, por isso, errada, quando diz que não se lhe pede para ir à Lua ou de resolver os problemas do país. Pede-se-lhe mais que redima aquilo que não tem praticamente redenção, o "curioso mundo do futebol". Uma coisa é suscitar a suspeita (coisa em que somos férteis, dada a nossa tradição de mexerico e de pequena maldade) da corrupção; outra coisa é estabelecer a possibilidade de punir sem suspeita e sem dúvidas na opinião pública. À partida, Maria José Morgado tem duas desvantagens notórias: a sua nomeação foi festejada por todos; por outro lado, vestiu, antes desta nomeação, a farda de justiceira, de quem se espera resultados rápidos, visíveis e sem contradição. Ora, neste universo (do futebol como da política) não basta alimentar as novelas da imprensa e as inimputabilidades de quem pede justiceiros na via pública. É preciso muito mais.
2. O antigo procurador-geral da República tenta, num artigo do "Público", desvalorizar e lançar suspeitas sobre as afirmações de Sara Pina, sua antiga assessora. O que Sara Pina disse foi claro: que o senhor procurador sabia o que se passava e tinha conhecimento dos contactos com os jornalistas. Não se imaginava de outra maneira. O que foi difícil de acreditar, na altura, foi a forma medíocre como o Procurador deixou cair Sara Pina, como se não lhe devesse nenhuma solidariedade e deixando que a suspeita caísse, inteira, sobre a jornalista. Porquê mais isto agora?, pergunta Souto Moura. Porque a história não é a preto e branco.
3. Querem um 2007 melhor? Façam-no melhor. A partir de hoje.
in Jornal de Notícias - 1 Janeiro 2007
Escrevo "curioso mundo do futebol" mas podia acrescentar mais. Quase toda a gente se sente abrangida por um certo grau de inimputabilidade quando se trata de falar de futebol. Não falo de foras-de-jogo, de penaltis ou de golos mal assinalados. Falo de uma das mais abjectas expressões que esse "curioso mundo do futebol" produziu o famoso "clima de suspeição". Ora, o "clima de suspeição" é uma instituição tão sagrada como o próprio futebol e foi instaurado tanto por gente aparentemente responsável como Santana Lopes, que criou o fenómeno dos "árbitros de Canal Caveira", como por qualquer um dos oradores do programa "Bancada Central" da TSF, esse centro difusor de sapiência futebolística nacional. No futebol pode dizer-se tudo - é apenas futebol, é apenas bola. O problema é que não é apenas bola - é dinheiro, é cumplicidade entre futebol e política, é braço dado entre grande construção e futebol, é dinheiro a rodos - no fundo.
Dos anos setenta, quando o futebol se resumia a bola e influência (ou seja, a prestígio e humilhação), passou-se para o mundo dos negócios, dos investimentos vultosos e da circulação global do dinheiro. Nada que a política e os seus personagens não tenham acompanhado.
Maria José Morgado está, por isso, errada, quando diz que não se lhe pede para ir à Lua ou de resolver os problemas do país. Pede-se-lhe mais que redima aquilo que não tem praticamente redenção, o "curioso mundo do futebol". Uma coisa é suscitar a suspeita (coisa em que somos férteis, dada a nossa tradição de mexerico e de pequena maldade) da corrupção; outra coisa é estabelecer a possibilidade de punir sem suspeita e sem dúvidas na opinião pública. À partida, Maria José Morgado tem duas desvantagens notórias: a sua nomeação foi festejada por todos; por outro lado, vestiu, antes desta nomeação, a farda de justiceira, de quem se espera resultados rápidos, visíveis e sem contradição. Ora, neste universo (do futebol como da política) não basta alimentar as novelas da imprensa e as inimputabilidades de quem pede justiceiros na via pública. É preciso muito mais.
2. O antigo procurador-geral da República tenta, num artigo do "Público", desvalorizar e lançar suspeitas sobre as afirmações de Sara Pina, sua antiga assessora. O que Sara Pina disse foi claro: que o senhor procurador sabia o que se passava e tinha conhecimento dos contactos com os jornalistas. Não se imaginava de outra maneira. O que foi difícil de acreditar, na altura, foi a forma medíocre como o Procurador deixou cair Sara Pina, como se não lhe devesse nenhuma solidariedade e deixando que a suspeita caísse, inteira, sobre a jornalista. Porquê mais isto agora?, pergunta Souto Moura. Porque a história não é a preto e branco.
3. Querem um 2007 melhor? Façam-no melhor. A partir de hoje.
in Jornal de Notícias - 1 Janeiro 2007
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