O ensino do pobre português
Durante alguns dias e noites entretive-me a tentar exercitar-me na TLEBS, ou seja, "terminologia linguística para os ensinos básico e secundário". O documento básico já está publicado (e disponível na internet) e há escolas que têm vindo a servir de cobaias para experiência tão enternecedora no domínio do ensino do português.
O trabalho não tem sido fácil, porque a TLEBS tem coisas que se aproximam do absurdo. Apesar de tudo, tem havido algumas vozes a insurgir-se contra esse desmando que visa torpedear e tornar cada vez mais estranho o ensino do Português. Recentemente, por exemplo, Maria Alzira Seixo escreveu, na "Visão", um artigo que chamava a atenção para algumas das características mais absurdas da TLEBS. Poucos se têm interessado sobre o assunto, e a TLEBS passará por ser esquecida; hão-de deixá-la passar na resma de reformas que os superiores génios instalados no Ministério da Educação periodicamente apresentam.
Ora, a TLEBS, proposta por uma equipa de excelentes e preocupados linguistas, não é um avanço; constitui, pelo contrário, uma distracção letal por parte dos responsáveis políticos do Ministério da Educação, o que pode fazer pensar que áreas tão importantes como o ensino do Português (ou o que deve ser ensinado quando se ensina Português) devem ser deixadas ao arbítrio dos especialistas. No caso, dos linguistas. Esta ideia de que o Português é propriedade de um grupo de génios que, provavelmente, detestam o Português, pode e deve exterminar-se. Parar a TLEBS é apenas uma etapa para defender o ensino do Português.
Entretenham-se a consultar o documento, entretenham-se. Só agora começou. Gostei de ver que, em matéria de semântica frásica, os nomes uniformes podem ser, quanto ao género, epicenos, sobrecomuns e comuns de dois; vagueei pelos verbos auxiliares aspectuais e pelas frases subordinadas substantivas completivas; e, em matéria de propriedades semânticas dos grupos nominais, diverti-me com os nomes não contáveis não massivos e, mais tarde, com a definição de "modalidade epistémica ou deôntica". A vida académica é assim mesmo, mas não sei se o ensino do Português tem sentido desta maneira. Entretanto, aprendam e habituem-se, porque vem aí mais. Basta folhear a TLEBS.
Acrescento que isto não é conversa de um "empedernido gramatical" mas de alguém que tem justificados receios de que o Português deixe de interessar, definitivamente, os alunos do básico e do secundário, para não falar dos professores - eternas vítimas das iluminadas reformas decretadas pelo Ministério. Pessoalmente, continuo a não entender a necessidade de atrapalhar e de criar "novas designações" para "conceitos" que eram bem tratados em terminologias anteriores - e defendo que deve definir-se, quanto antes, o que significa exactamente "ensino do Português" bem como os objectivos dessa desprezada tarefa.
A senhora ministra da Educação deixou já passar, incólume, a ideia de que a filosofia não é matéria que sirva os estudantes do secundário (e permitiu que se lhe desferisse um golpe fatal nos novos currículos); agora, certamente envolvida em questões administrativas da maior importância, deixará passar a TLEBS e todo o conjunto de geringonças teóricas que não deixarão de contribuir para o continuado défice do ensino do Português e da literatura portuguesa.
Conheço já o argumento de que o ensino da literatura não interessa nem é útil, e que o Português não depende da literatura nem dos clássicos da nossa língua. Estou pronto para discutir o assunto, mas, antes, seria bom que um resto de bom senso aliviasse a TLEBS dos defeitos já abundantemente apontados por professores, investigadores e autores que se têm encarregado de apontá-los. Esse seria o primeiro avanço.
in Jornal de Notícias - 13 Novembro 2006
O trabalho não tem sido fácil, porque a TLEBS tem coisas que se aproximam do absurdo. Apesar de tudo, tem havido algumas vozes a insurgir-se contra esse desmando que visa torpedear e tornar cada vez mais estranho o ensino do Português. Recentemente, por exemplo, Maria Alzira Seixo escreveu, na "Visão", um artigo que chamava a atenção para algumas das características mais absurdas da TLEBS. Poucos se têm interessado sobre o assunto, e a TLEBS passará por ser esquecida; hão-de deixá-la passar na resma de reformas que os superiores génios instalados no Ministério da Educação periodicamente apresentam.
Ora, a TLEBS, proposta por uma equipa de excelentes e preocupados linguistas, não é um avanço; constitui, pelo contrário, uma distracção letal por parte dos responsáveis políticos do Ministério da Educação, o que pode fazer pensar que áreas tão importantes como o ensino do Português (ou o que deve ser ensinado quando se ensina Português) devem ser deixadas ao arbítrio dos especialistas. No caso, dos linguistas. Esta ideia de que o Português é propriedade de um grupo de génios que, provavelmente, detestam o Português, pode e deve exterminar-se. Parar a TLEBS é apenas uma etapa para defender o ensino do Português.
Entretenham-se a consultar o documento, entretenham-se. Só agora começou. Gostei de ver que, em matéria de semântica frásica, os nomes uniformes podem ser, quanto ao género, epicenos, sobrecomuns e comuns de dois; vagueei pelos verbos auxiliares aspectuais e pelas frases subordinadas substantivas completivas; e, em matéria de propriedades semânticas dos grupos nominais, diverti-me com os nomes não contáveis não massivos e, mais tarde, com a definição de "modalidade epistémica ou deôntica". A vida académica é assim mesmo, mas não sei se o ensino do Português tem sentido desta maneira. Entretanto, aprendam e habituem-se, porque vem aí mais. Basta folhear a TLEBS.
Acrescento que isto não é conversa de um "empedernido gramatical" mas de alguém que tem justificados receios de que o Português deixe de interessar, definitivamente, os alunos do básico e do secundário, para não falar dos professores - eternas vítimas das iluminadas reformas decretadas pelo Ministério. Pessoalmente, continuo a não entender a necessidade de atrapalhar e de criar "novas designações" para "conceitos" que eram bem tratados em terminologias anteriores - e defendo que deve definir-se, quanto antes, o que significa exactamente "ensino do Português" bem como os objectivos dessa desprezada tarefa.
A senhora ministra da Educação deixou já passar, incólume, a ideia de que a filosofia não é matéria que sirva os estudantes do secundário (e permitiu que se lhe desferisse um golpe fatal nos novos currículos); agora, certamente envolvida em questões administrativas da maior importância, deixará passar a TLEBS e todo o conjunto de geringonças teóricas que não deixarão de contribuir para o continuado défice do ensino do Português e da literatura portuguesa.
Conheço já o argumento de que o ensino da literatura não interessa nem é útil, e que o Português não depende da literatura nem dos clássicos da nossa língua. Estou pronto para discutir o assunto, mas, antes, seria bom que um resto de bom senso aliviasse a TLEBS dos defeitos já abundantemente apontados por professores, investigadores e autores que se têm encarregado de apontá-los. Esse seria o primeiro avanço.
in Jornal de Notícias - 13 Novembro 2006
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