setembro 25, 2006

A reeleição mais difícil

Lula diz que o próximo domingo é dia de "onça beber água". O presidente brasileiro acha que vai ganhar no próximo domingo e está cheio de razão, mas não se sabe se haverá segunda volta. As sondagens dão-lhe um avanço considerável contra um adversário fraco ou, pelo menos, enfraquecido. Geraldo Alckmin não é José Serra nem Fernando Henrique - mas é o candidato.

Há uma razão para que haja segunda volta o Brasil não merece, apesar de tudo, ter Lula eleito sem passar por essa prova. Seria humilhante para o país que Lula pudesse reentrar no Planalto sem ser acusado, de frente, do maior espectáculo de corrupção promovido pelo poder político, desde há muitos anos, no Brasil. Por menos do que isto - os últimos dois anos do governo de Lula - Fernando Collor foi deposto em Brasília. Mas Collor não tinha a rua; e Lula tem a rua, como um pequeno Maquiavel populista, acobertado por organizações do "petismo" ou subvencionadas pelo PT, o seu partido, que quis ser o equivalente brasileiro do PRI mexicano.

O espectáculo do "mensalão", o escândalo dos "sanguessugas", a tentativa totalitária de o PT se apoderar de toda a máquina do Estado (banco central incluído), o encobrimento de casos de homicídio, corrupção e nepotismo (que incluiu os próprios filhos de Lula, que receberam fundos públicos para os seus negócios), a política externa indigente, o falhanço total de políticas desastrosas (que eram apenas marketing, como se provou) como o programa "fome zero" ou o "primeiro emprego" ou ainda a mediocratização da universidade e do sistema de ensino - são apenas alguns aspectos do consulado de Lula. Eles não bastam para confirmar o que estava previsto desde o primeiro dia da sua eleição, ou até antes. É preciso também enumerar os membros de um vasto comité que se apoderou do aparelho de estado à boa maneira estalinista, confundindo partido e Estado, interesses do partido e interesses do país José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira, Delúbio Soares, Antonio Palocci, Luiz Gushiken e muitos outros participaram desse espectáculo deprimente, cada um à sua maneira, ou enriquecendo as suas empresas, ou canalizando dinheiros perigosos para a máquina do partido e seus interesses, ou aceitando a inevitabilidade da corrupção.

Lula, que evita ser conotado com o seu partido, mas que recebe o apoio de Collor, de Sarney, de Delfim Netto, dos evangélicos e das oligarquias do PMDB, é a face de uma das últimas derrotas da esquerda. Falharam as suas bandeiras acerca da superioridade moral da esquerda e dos seus valores; foi nítida a sua falta de preparação política para exercer um cargo a que foi catapultado pelo messianismo político, sempre vivo no Brasil. Em todo o mundo, Lula serviu para mostrar que o antigo torneiro mecânico de São Bernardo do Campo, o retirante do Nordeste, podia chegar à presidência e vingar os pobres e os humilhados. Essa imagem era perfeita e belíssima - mas transportava consigo, nos acompanhantes do "palanque presidencial", o gérmen da sua própria destruição.

A base política e operacional de Lula, a que fabrica dossiês falsos para incriminar os adversários, a que se apodera dos dinheiros do estado, a que tenta dominar o aparelho da justiça e dos média (através de declaradíssimos instrumentos de censura à imprensa que culminaram, inclusive, na tentativa de expulsar jornalistas estrangeiros), vão dizer-me, não é a esquerda. Pode não ser. Mas não é a esquerda que está em causa. É um país varrido pela corrupção e pelas práticas políticas mais indecorosas. Lula devia ser obrigado a ir à segunda volta. E aí nunca se sabe.

Jornal de Notícias - 25 Setembro 2006