Elogio da vaidade pura
1. Parece, dizem os jornais, que há 65 investigações a decorrer sob a alçada do Ministério Público e a rondar a chamada "corrupção no futebol". Também pelos jornais ficámos a conhecer algumas das escutas realizadas no âmbito das investigações policiais - e quase nenhuma delas é edificante - bem como um parecer do Prof. Gomes Canotilho sobre uma eventual inconstitucionalidade que marcaria o processo do Apito Dourado. Tudo isto confere; fosse o processo relacionado com corrupção na política ou com crimes na rua e a Imprensa seria muito mais cuidadosa e usaria palavras corno "alegado", "suposto", "provável", etc. Como é futebol – meia bola e força é quanto basta. Apitos dourados é no que dão.
2. Mas o futebol entrou, mesmo, em marcha. Refiro-me ao futebol dentro do campo, aquele que não engana, não está sujeito a segredo de justiça nem aos desmandos da obrigatoriedade de sermos patriotas. Por isso, deixem que lhes diga: está sofrível, a bola dos portugueses. Sim, o Sporting enfeitou os ombros do Inter com um inesperado golo de Caneira – mas o F. C. Porto e o Benfica ainda não acertaram. Por este caminho, o Benfica, aliás, não acerta e o JN de ontem falava da "preocupação de Fernando Santos" . Salvo erro, isso não é de grande ajuda a uma equipa que joga futebol de nível inferior e logo depois de levar três no Bessa. Recomendações, é o que lhes deixo.
Quanto ao F. C. Porto, vê-se que ainda gatinha e cuido que Adriano corre o risco de transformar-se num McCarthy, tanta a quantidade de golos que podiam ter entrado e não entraram. Às vezes, a bola traça-lhe tangentes, encosta-se-lhe a pedir para ser empurrada para a baliza – mas a percentagem de desacerto é esmagadora. Jogar é afastar a infelicidade; em futebol, falhar golos é o princípio da infelicidade mesmo que os floreados se encaminhem na direcção certa.
3. O que me fascina em Anderson, no miúdo, nem é tanto vê-lo jogar agora, rasgando laterais, traçando linhas sobre o campo entre as pernas dos adversários - mas sim tê-lo visto jogar no Grêmio de Porto Alegre, durante aquela finalíssima que ditaria a subida à série A, no ano passado: Gaiato, o guarda-redes, tinha defendido dois penaltis e o Grêmio estava reduzido a oito jogadores, com três expulsões milimétricas e bem encomendadas. O garoto entrou e salvou o jogo. Eu, que sou gremista, tricolor gaúcho, não esqueci o gesto. Um ano e tal depois, Anderson deu aquele golo a marcar a Lucho, o capitão argentino. Os comentadores falam de humildade e medo de repetir um falhanço anterior. Não: foi, antes, um gesto de pura elegância, de pura vaidade. Os futuros génios têm coisas dessas.
in Topo Norte – Jornal de Notícias – 16 Setembro 2006
2. Mas o futebol entrou, mesmo, em marcha. Refiro-me ao futebol dentro do campo, aquele que não engana, não está sujeito a segredo de justiça nem aos desmandos da obrigatoriedade de sermos patriotas. Por isso, deixem que lhes diga: está sofrível, a bola dos portugueses. Sim, o Sporting enfeitou os ombros do Inter com um inesperado golo de Caneira – mas o F. C. Porto e o Benfica ainda não acertaram. Por este caminho, o Benfica, aliás, não acerta e o JN de ontem falava da "preocupação de Fernando Santos" . Salvo erro, isso não é de grande ajuda a uma equipa que joga futebol de nível inferior e logo depois de levar três no Bessa. Recomendações, é o que lhes deixo.
Quanto ao F. C. Porto, vê-se que ainda gatinha e cuido que Adriano corre o risco de transformar-se num McCarthy, tanta a quantidade de golos que podiam ter entrado e não entraram. Às vezes, a bola traça-lhe tangentes, encosta-se-lhe a pedir para ser empurrada para a baliza – mas a percentagem de desacerto é esmagadora. Jogar é afastar a infelicidade; em futebol, falhar golos é o princípio da infelicidade mesmo que os floreados se encaminhem na direcção certa.
3. O que me fascina em Anderson, no miúdo, nem é tanto vê-lo jogar agora, rasgando laterais, traçando linhas sobre o campo entre as pernas dos adversários - mas sim tê-lo visto jogar no Grêmio de Porto Alegre, durante aquela finalíssima que ditaria a subida à série A, no ano passado: Gaiato, o guarda-redes, tinha defendido dois penaltis e o Grêmio estava reduzido a oito jogadores, com três expulsões milimétricas e bem encomendadas. O garoto entrou e salvou o jogo. Eu, que sou gremista, tricolor gaúcho, não esqueci o gesto. Um ano e tal depois, Anderson deu aquele golo a marcar a Lucho, o capitão argentino. Os comentadores falam de humildade e medo de repetir um falhanço anterior. Não: foi, antes, um gesto de pura elegância, de pura vaidade. Os futuros génios têm coisas dessas.
in Topo Norte – Jornal de Notícias – 16 Setembro 2006
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