Eles não aprendem nem têm vergonha
Se alguma coisa devia ter sido aprendido com a eleição de José Sócrates e de Cavaco Silva é que os eleitores não são fiéis aos aparelhos das máquinas partidárias e, por outro lado, são sempre mais inteligentes do que supõem os seus líderes.
O que mudou nos últimos anos portugueses não foi a correlação de forças entre a "Esquerda" e a "Direita" clássicas (visível através da "alternância democrática"), entre o PS e o PSD, mas a ideia de que existem outras coisas para lá dessa arena - outros valores, outras exigências (de natureza cultural -sobre a vida, sobre o carácter dos políticos e o seu comportamento, sobre o peso e os negócios do Estado) e, sobretudo, uma outra ideia acerca do que deve ou pode ser o país. Por isso, não se percebe o que anda a fazer a Oposição à Direita, entretida em congressos vagamente realizados no fim-de-semana passado. Poderia admitir-se que se tratava de cimentar as lideranças de Ribeiro e Castro e de Marques Mendes, mas qualquer extraterrestre compreenderia que se tratava exactamente do contrário: emprestar mais uns meses de vida a Marques Mendes e a Ribeiro e Castro antes de aparecer "o líder certo".
Esta ideia de que há-de aparecer "o líder certo" para ganhar eleições e afastar o "líder provisório" que cumpriu a tarefa de levar o partido através do deserto formado em tempos de maioria absoluta, tem marcado a genealogia da nossa vida política. É de admitir que seja humilhante dizer-se a um "líder provisório" que há-de aparecer "o líder certo".
Mas, no caso do PSD e depois de arrumado no armário o epifenómeno Santana Lopes, era previsível que o partido mudasse. Não mudou no congresso que deu a vitória a Marques Mendes, não mudou no que agora o confirmou - conforme, aliás, se esperava. O PSD não entendeu, até agora, o desenho que parece visível para todos. A verdade é que uma larga faixa do partido quer manter o velho PSD, sem compreender que esse partido acabou e que as suas heranças são um património mas não constituem nem um programa nem, provavelmente, devem ser vistas como uma inspiração.
Marques Mendes deu alguns sinais durante as autárquicas, ao demarcar-se de alguns dos tradicionais candidatos dos seus partidos - mas isso era o mínimo que poderia fazer. O resto, tudo, continua igual. Se o congresso do PSD tivesse ido a eleições (ou seja, se as suas sensibilidades tivessem ido a juízo diante do eleitorado), facilmente se compreenderia a sua inutilidade e a pouca importância que o partido tem para o país nestas circunstâncias. E esse é o drama, não apenas do PSD, mas também da, Oposição à Direita: não estar preparada para assumir que é necessário mudar (provavelmente de forma radical) o discurso, a atenção e o eleitorado.
Tanto Sócrates como Cavaco perceberam essa necessidade - porque o país já tinha mudado, tinha outras ambições além do fornecimento sazonal do seu voto, e estava mais esclarecido, com outros interesses e outras leituras. Infelizmente, a representação parlamentar não melhorou substancialmente; limitou-se a representar, não o país, mas as tendências de cada máquina partidária.
A oposição formal, alegrada por congressos e por frases fatais, ainda não percebeu o que a levou a tornar-se irrelevante para tudo o que seja o debate sobre o futuro do país, sobre o papel do Estado na sociedade e na economia, sobre as novas realidades culturais, sobre o sentido que tem a política portuguesa na Europa de hoje. Mas explica-se facilmente: preguiça e baronatos. Foi isso que matou a Direita antes, durante os seus governos. É isso que ameaça liquidá-la agora, por alguns anos. Essa irrelevância vai custar caro ao país.
in Jornal de Notícias – 8 Maio 2006
O que mudou nos últimos anos portugueses não foi a correlação de forças entre a "Esquerda" e a "Direita" clássicas (visível através da "alternância democrática"), entre o PS e o PSD, mas a ideia de que existem outras coisas para lá dessa arena - outros valores, outras exigências (de natureza cultural -sobre a vida, sobre o carácter dos políticos e o seu comportamento, sobre o peso e os negócios do Estado) e, sobretudo, uma outra ideia acerca do que deve ou pode ser o país. Por isso, não se percebe o que anda a fazer a Oposição à Direita, entretida em congressos vagamente realizados no fim-de-semana passado. Poderia admitir-se que se tratava de cimentar as lideranças de Ribeiro e Castro e de Marques Mendes, mas qualquer extraterrestre compreenderia que se tratava exactamente do contrário: emprestar mais uns meses de vida a Marques Mendes e a Ribeiro e Castro antes de aparecer "o líder certo".
Esta ideia de que há-de aparecer "o líder certo" para ganhar eleições e afastar o "líder provisório" que cumpriu a tarefa de levar o partido através do deserto formado em tempos de maioria absoluta, tem marcado a genealogia da nossa vida política. É de admitir que seja humilhante dizer-se a um "líder provisório" que há-de aparecer "o líder certo".
Mas, no caso do PSD e depois de arrumado no armário o epifenómeno Santana Lopes, era previsível que o partido mudasse. Não mudou no congresso que deu a vitória a Marques Mendes, não mudou no que agora o confirmou - conforme, aliás, se esperava. O PSD não entendeu, até agora, o desenho que parece visível para todos. A verdade é que uma larga faixa do partido quer manter o velho PSD, sem compreender que esse partido acabou e que as suas heranças são um património mas não constituem nem um programa nem, provavelmente, devem ser vistas como uma inspiração.
Marques Mendes deu alguns sinais durante as autárquicas, ao demarcar-se de alguns dos tradicionais candidatos dos seus partidos - mas isso era o mínimo que poderia fazer. O resto, tudo, continua igual. Se o congresso do PSD tivesse ido a eleições (ou seja, se as suas sensibilidades tivessem ido a juízo diante do eleitorado), facilmente se compreenderia a sua inutilidade e a pouca importância que o partido tem para o país nestas circunstâncias. E esse é o drama, não apenas do PSD, mas também da, Oposição à Direita: não estar preparada para assumir que é necessário mudar (provavelmente de forma radical) o discurso, a atenção e o eleitorado.
Tanto Sócrates como Cavaco perceberam essa necessidade - porque o país já tinha mudado, tinha outras ambições além do fornecimento sazonal do seu voto, e estava mais esclarecido, com outros interesses e outras leituras. Infelizmente, a representação parlamentar não melhorou substancialmente; limitou-se a representar, não o país, mas as tendências de cada máquina partidária.
A oposição formal, alegrada por congressos e por frases fatais, ainda não percebeu o que a levou a tornar-se irrelevante para tudo o que seja o debate sobre o futuro do país, sobre o papel do Estado na sociedade e na economia, sobre as novas realidades culturais, sobre o sentido que tem a política portuguesa na Europa de hoje. Mas explica-se facilmente: preguiça e baronatos. Foi isso que matou a Direita antes, durante os seus governos. É isso que ameaça liquidá-la agora, por alguns anos. Essa irrelevância vai custar caro ao país.
in Jornal de Notícias – 8 Maio 2006
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