fevereiro 04, 2006

Alentejo perto do mar

Bem no centro da Parede, e com delegação em Oeiras, o Zé Varunca exercita-se em cozinha alentejana. O resultado é francamente apetitoso. Está sempre à pinha.

Diz-se, na minha roda de amigos, que sou desconfiado em relação aos restaurantes alentejanos. É verdade, mas não por princípio. Sou desconfiado acerca dos restaurantes que servem «carne à alentejana» e salpicam de coentros tudo o que é superfície comestível. Generalizou-se esse «vício alentejano», dos vinhos aos petiscos, da mesa às alegorias de paisagem. Tudo o que é «alentejano» transformou-se em mainstream, em gosto médio, em padrão elementar. Quando um companheiro de mesa, por exemplo, chegados à altura de escolher o vinho, murmura qualquer coisa parecida com «um alentejano» (como se «um alentejano» fosse um selo comum a todos os vinhos que se podem beber), apetece-me logo exigir um chileno ou um australiano, e é só porque o meu estômago tem medo da acidez dos verdes. Outra das coisas irritantes que cavalga estrepitosamente nesse gosto médio nacional, em matéria de petiscos e coisas para morder, é a expressão «o Alentejo é que é». O resultado é eu eriçar-me. E posso eriçar-me à vontade porque vivi no Alentejo, peregrinei pelo Alentejo em busca das migas perfeitas, das labaças de primeira, dos espargos na sua época, do queijinho perfeito, do ensopado com sustância, das sopas fundamentais. Tenho um largo currículo de sofrimento e de enganos, bem como de surpresas e revelações. E, no entanto, existem na zona de Lisboa alguns (digamos, dois) restaurantes alentejanos de grande elevação e um insuperável (o Galito, em Carnide, para não deixar ilusões).

No final do ano passado, em busca de mesa para um jantar com amigos e filharada, procurámos o Zé Varunca na Parede. Cheio. Pelas costuras. Simpáticos, recomendaram o Zé Varunca de Santo Amaro de Oeiras, onde fomos com mesa reservada. Muito aconselhável, mesas largas, comida saborosa, serviço muito bom e acolhedor, mas não serviu para apreciação: não havia predisposição. Agora, rumámos ao Zé Varunca da Parede, a dois passos da estação dos comboios, a outros dois da velha pastelaria Ribeiro, de que tenho sempre saudades. A mesa repleta de entradinhas, estava à nossa espera: ovos de codorniz, orelha, enchidos, salada de polvo, torresmo, azeitonas, pimentos em azeite. Para apreciadores de refeições completas, um olho à ementa apresenta sopa de feijão com repolho, sopa de tomate ou de feijão com espinafres e, à quarta-feira, canja de pato; mas não só: as migas de batata com entrecosto, a galinha de cabidela, a carne do alguidar (servida regulamentarmente com batata cozida, temperada com pimentão, aceitando a norma), as burras assadas (à terça), rins com ovos, arroz de pato e feijão branco com tromba de porco (à quarta) chispe de porco preto de tomatada, pernil de porco preto no forno, o pato com lombardo, o borrego no forno (exigência das sextas-feiras, a par do cozido), constituem exemplos da roda que nos recebe durante a semana; ao sábado, para refeições prolongadas, há a sopa de cação, cozido à alentejana (com feijão verde, naturalmente), pezinhos de coentrada, migas de espargos bravos, coelho assado, galinha com tomate e a inevitável carne à alentejana salpicada de amêijoas, naturalmente.

Esta lista dispensa comentários: é a coluna vertebral do Zé Varunca e da tradição norte-alentejana, e sabe bem lê-la, linha a linha. Mas há mais: os pratos cozinhados por encomenda. Daí, recomendo as migas gatas (de bacalhau, claro, para os menos avisados), o cozido, o arroz de bacalhau e o bacalhau dourado; os apreciadores de caça podem preparar-se para o javali (na brasa ou em guisado), o veado e a perdiz estufados, o civet de lebre ou a lebre servida com feijão e repolho, além do arrozinho de pombo bravo. Mas, atenção, por encomenda (está aí o telefone ao lado). Provei, das sobremesas, uma tarte de requeijão e um nadinha de siricaia – pareceram-me regulamentares, mas sem subir o tom. O café, servido em copo de barro, antecede aquele momento de reflexão em que se exageram as qualidades do restaurante. Não vale a pena exagerar. O Zé Varunca deve ser experimentado – a lista é vasta e convidativa.

À Lupa
Vinhos: * *
Digestivos: * *
Acesso: * *
Decoração: * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Tintos: 63
Brancos: 25
Verdes: 5
Aguardentes: 12
Portos e Madeiras: 6
Whiskies: 20
Cervejas: 4

Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: não
Adequado levar crianças: não
Bengaleiro: não
Reserva: aconselhável
Preço médio: 15 euros

Zé Varunca
R. Capitão Leitão, 22
2775-226 Parede
Tel: 214 574 306
Encerra ao domingo

in Revista Notícias Sábado - 4 Fevereiro 2006