Tem lume?
À medida que desce o número de fumadores de cigarros, cresce o de apreciadores de charutos. E o número de mulheres que se iniciam nessa arte de tradições até há pouco tempo apenas reservada a homens. Aqui ficam algumas sugestões suaves e perfumadas a que nem elas conseguem resistir.
Muitos se recordam desse momento ilustre da história do cinema: “Have you got a match?” - Laureen Bacall, na tela do cinema, com aquele olhar brilhante, a pequena ruga apetitosa ao cantinho direito da boca, os dedos segurando um cigarro, pedia lume a Humphrey Bogart e o momento ficou. Com o tempo, como se sabe, o tabaco e o acto de fumar foram sendo desperdiçados e ameaçados. Natural. Razões médicas, os imponderáveis da saúde e - mais importante ainda - as substâncias e aditivos que figuram nos cigarros embrulhados em papel: do chumbo ao açúcar, do amoníaco aos condensados de alcatrão e aos derivados de nicotina. Provavelmente, para muitos não há - hoje - nada de romântico na figura desse herói mítico do cinema e da literatura, acendendo cigarro atras de cigarro ao balcão de um bar. Humphrey Bogart seria o modelo: os olhos semi-cerrados, evitando o fumo que Ihe passa mesmo à frente, o isqueiro produzindo aquele clic-clac clássico, a cigarreira guardada no bolso direito do casaco assertoado. Mas também como disse Laureen Bacall, ou Marlene Dietricht, ou Mae West.
Esse tempo terminou. Quando os correios franceses quiseram assinalar o centenário do nascimento do escritor Andre Malraux, produzindo um selo, retiraram-lhe o cigarro da fotografia. O mesmo tinham feito a Albert Camus. Tal como Estaline procedia com os seus adversários, eliminando-os da vida real mas também das fotografias, as autoridades limpam o passado. E corrigem-no, deixando-o indefeso e falso. Mas saudável. Reduzir o acto de fumar ao consumo de cigarro é uma perversidade. Ao mesmo tempo que, com alguma felicidade, se reduz o consumo de cigarros em todo o mundo, aumenta sensivelmente o de charutos. O fumador de charutos é uma categoria à parte. Fumador compulsivo ou não, ele reconhece que há um momento certo para usar o seu charuto; compreende que um charuto se apaga de tristeza se é fumado em circunstâncias adversas ou diante de olhares inimigos; sabe que um charuto é uma obra de arte, o resultado de uma tradição que vem do fundo dos séculos e de um trabalho afectuoso que condensa aromas, perfumes, condições de terreno, aproveitamento da luz solar - e se destina a ser consumido com parcimónia e em homenagem ao prazer simples de quem não abdica da sua própria humanidade.
Ora ao longo da historia tem sido vasto o número de mulheres fumadoras de charutos - um objecto tradicionalmente e injustamente reservado para os homens. Quando, de acordo com as prescrições médicas da altura, o tabaco era bem-visto para o tratamento de asma, doenças respiratórias ou do aparelho digestivo, cefaleias e reumatismo, gripes e falta de visão, Catarina, a Grande, era fumadora de charuto (e é-lhe, aliás, atribuída a invenção das cintas ou anilhas dos charutos, a fim de não sujar ou marcar os dedos). Tal como George Sand, a excelente escritora e amante de Chopin, de Musset ou de Prosper Merimée. Nomes não faltam, alias: Marlene Dietricht, Gertrud Stein, Colette, Karen Blixen e ate Ana Plácido, a mulher de Camilo Castelo Branco. Também é verdade que a primeira coisa que se fez na corte britânica depois do velório da rainha Vitoria foi autorizar o consume de charuto. Escolham as vossas parceiras: a rainha Vitoria de um lado, ou Raquel Welch, Demi Moore, Claudia Schiffer ou Jodie Foster do outro. A vida não é fácil. Sinal de elegância, de poder, de sofisticação - mas também de uma discreta chama de perversidade, de um subtil erotismo -, o consumo de charutos por mulheres não indicia a prática de vícios cruéis nem a banalização do vício. Um charuto tem uma circunstância e, tirando os clássicos exemplos de Winston Churchill (que fumava dez a quinze por dia), de Groucho Marx, de Mark Twain ou de John Ford, há uma hora para tudo: depois de uma refeição especial, num momento escolhido, talvez a tentação ocorra.
A finalidade deste artigo não é incitar ao consumo de tabaco - mas apenas, caso “a tentação ocorra”, aconselhar alguns charutos delicados para iniciação a fumadoras que queiram deixar de fumar cigarros mas tenham uma secreta nostalgia do novelo de fumo que suaviza uma digestão ou ameniza uma conversa pacífica. Ha formatos mais indicados para isso - não apenas a vulgar cigarrilha produzida em série - e aqui se apresentam algumas propostas.
Muitos se recordam desse momento ilustre da história do cinema: “Have you got a match?” - Laureen Bacall, na tela do cinema, com aquele olhar brilhante, a pequena ruga apetitosa ao cantinho direito da boca, os dedos segurando um cigarro, pedia lume a Humphrey Bogart e o momento ficou. Com o tempo, como se sabe, o tabaco e o acto de fumar foram sendo desperdiçados e ameaçados. Natural. Razões médicas, os imponderáveis da saúde e - mais importante ainda - as substâncias e aditivos que figuram nos cigarros embrulhados em papel: do chumbo ao açúcar, do amoníaco aos condensados de alcatrão e aos derivados de nicotina. Provavelmente, para muitos não há - hoje - nada de romântico na figura desse herói mítico do cinema e da literatura, acendendo cigarro atras de cigarro ao balcão de um bar. Humphrey Bogart seria o modelo: os olhos semi-cerrados, evitando o fumo que Ihe passa mesmo à frente, o isqueiro produzindo aquele clic-clac clássico, a cigarreira guardada no bolso direito do casaco assertoado. Mas também como disse Laureen Bacall, ou Marlene Dietricht, ou Mae West.
Esse tempo terminou. Quando os correios franceses quiseram assinalar o centenário do nascimento do escritor Andre Malraux, produzindo um selo, retiraram-lhe o cigarro da fotografia. O mesmo tinham feito a Albert Camus. Tal como Estaline procedia com os seus adversários, eliminando-os da vida real mas também das fotografias, as autoridades limpam o passado. E corrigem-no, deixando-o indefeso e falso. Mas saudável. Reduzir o acto de fumar ao consumo de cigarro é uma perversidade. Ao mesmo tempo que, com alguma felicidade, se reduz o consumo de cigarros em todo o mundo, aumenta sensivelmente o de charutos. O fumador de charutos é uma categoria à parte. Fumador compulsivo ou não, ele reconhece que há um momento certo para usar o seu charuto; compreende que um charuto se apaga de tristeza se é fumado em circunstâncias adversas ou diante de olhares inimigos; sabe que um charuto é uma obra de arte, o resultado de uma tradição que vem do fundo dos séculos e de um trabalho afectuoso que condensa aromas, perfumes, condições de terreno, aproveitamento da luz solar - e se destina a ser consumido com parcimónia e em homenagem ao prazer simples de quem não abdica da sua própria humanidade.
Ora ao longo da historia tem sido vasto o número de mulheres fumadoras de charutos - um objecto tradicionalmente e injustamente reservado para os homens. Quando, de acordo com as prescrições médicas da altura, o tabaco era bem-visto para o tratamento de asma, doenças respiratórias ou do aparelho digestivo, cefaleias e reumatismo, gripes e falta de visão, Catarina, a Grande, era fumadora de charuto (e é-lhe, aliás, atribuída a invenção das cintas ou anilhas dos charutos, a fim de não sujar ou marcar os dedos). Tal como George Sand, a excelente escritora e amante de Chopin, de Musset ou de Prosper Merimée. Nomes não faltam, alias: Marlene Dietricht, Gertrud Stein, Colette, Karen Blixen e ate Ana Plácido, a mulher de Camilo Castelo Branco. Também é verdade que a primeira coisa que se fez na corte britânica depois do velório da rainha Vitoria foi autorizar o consume de charuto. Escolham as vossas parceiras: a rainha Vitoria de um lado, ou Raquel Welch, Demi Moore, Claudia Schiffer ou Jodie Foster do outro. A vida não é fácil. Sinal de elegância, de poder, de sofisticação - mas também de uma discreta chama de perversidade, de um subtil erotismo -, o consumo de charutos por mulheres não indicia a prática de vícios cruéis nem a banalização do vício. Um charuto tem uma circunstância e, tirando os clássicos exemplos de Winston Churchill (que fumava dez a quinze por dia), de Groucho Marx, de Mark Twain ou de John Ford, há uma hora para tudo: depois de uma refeição especial, num momento escolhido, talvez a tentação ocorra.
A finalidade deste artigo não é incitar ao consumo de tabaco - mas apenas, caso “a tentação ocorra”, aconselhar alguns charutos delicados para iniciação a fumadoras que queiram deixar de fumar cigarros mas tenham uma secreta nostalgia do novelo de fumo que suaviza uma digestão ou ameniza uma conversa pacífica. Ha formatos mais indicados para isso - não apenas a vulgar cigarrilha produzida em série - e aqui se apresentam algumas propostas.
in Revista Notícias Sábado - 28 Janeiro 2006
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