A propaganda de Cavaco
Tem havido boa propaganda para Cavaco Silva. Em primeiro lugar, a "frente nacional anti-Cavaco", com todos os candidatos a perfilarem-se contra a temível candidatura da Direita. O frentismo contra o "regresso da Direita" e do "homem abominável" constitui um absurdo e um abuso, mas é, antes de mais, uma distracção deplorável e um tempo de antena suplementar distribuído à candidatura de Cavaco Silva. O soarismo tout-court, a oposição entre o "Soares fixe" e o "Cavaco hirto", entre a máscara da bonomia de Soares e a sisudez quase implacável de Cavaco - são imagens banais e populistas, boas para sociólogos de algibeira, que gostam de discretear sobre a diferença entre o avô compreensivo e o pai severo. A somar a isso, a herança do "antifascismo histórico" e repetitivo, já manifestado por Almeida Santos, por exemplo, não deixa de ser uma tecla afinadinha mas desajustada. A Esquerda tradicional e conservadora encontrou um adversário e, melhor para ela, um inimigo. Um adversário serve para discutir; um inimigo é para abater. Depois das últimas eleições de Fevereiro, isto prova que não aprenderam nada - que não há uma só cor, que não há apenas um lado da razão e que não têm nenhuma superioridade moral a defender. Mas o discurso continua.
Outra boa propaganda para Cavaco tem sido a discussão, travada em surdina, no interior do CDS-PP. Provavelmente, apenas para consumo interno, evidentemente, mas que pode dar uma boa ideia acerca do velho e pequenino ódio de classe contra o filho de Boliqueime. A Direita chique e a Esquerda chique encontram-se nesse abraço de irmãos contra o "terrível regresso". Daqui a pouco, estarão a falar do guarda-roupa de Cavaco.
Curiosamente, a pior propaganda vem da área do PSD, com o delírio neo-presidencialista manifestado, por exemplo, por Morais Sarmento. O que a sua entrevista ao "Diário Económico" veio recolocar em discussão é o quase esgotado tema dos "poderes presidenciais". O tom não é estranho há uma boa margem de ressentimento contra Cavaco no PSD neste capítulo. Na verdade, há pouco a dizer sobre os poderes presidenciais: estão definidos com clareza meridiana na Constituição: basta ir lá. Ao falar dos "poderes presidenciais", conviria lembrar quem duvidou da própria Constituição para mencionar, a propósito de tudo e de nada, a "magistratura de influência" e, ao mesmo tempo, se esquece do objectivo das presidências abertas do segundo mandato de Soares. Dizer que essas "presidências abertas" não violavam os deveres do presidente é esquecer o que elas significaram realmente: uma tentativa clara de ultrapassar aqueles "poderes presidenciais" na altura em que havia uma maioria absoluta.
O medo de Cavaco gera monstros entre os traumatizados de várias origens. Se Cavaco Silva ganhar, eles sabem, interromper-se-á um ciclo político que manda conceber Belém como um centro de conspiração contra São Bento. O desejo de intervenção desse frentismo ainda não se manifestou, apenas porque os resultados eleitorais de Fevereiro são absolutamente sui generis eles recolocaram o país na normalidade, recusando a deriva populista de Direita e castigando a mediocridade de um primeiro-ministro que devia ter saído de eleições e acabou por ser decidido em Belém. O aviso está nas entrelinhas desse discurso. E qualquer governo, mesmo o de Sócrates, sabe que terá mais hipóteses de prolongar a sua vida útil com um Cavaco que resistiu a "presidências abertas" do que com a "magistratura de influência" de Soares.
Jornal de Notícias - 20 de Outubro 2005
Outra boa propaganda para Cavaco tem sido a discussão, travada em surdina, no interior do CDS-PP. Provavelmente, apenas para consumo interno, evidentemente, mas que pode dar uma boa ideia acerca do velho e pequenino ódio de classe contra o filho de Boliqueime. A Direita chique e a Esquerda chique encontram-se nesse abraço de irmãos contra o "terrível regresso". Daqui a pouco, estarão a falar do guarda-roupa de Cavaco.
Curiosamente, a pior propaganda vem da área do PSD, com o delírio neo-presidencialista manifestado, por exemplo, por Morais Sarmento. O que a sua entrevista ao "Diário Económico" veio recolocar em discussão é o quase esgotado tema dos "poderes presidenciais". O tom não é estranho há uma boa margem de ressentimento contra Cavaco no PSD neste capítulo. Na verdade, há pouco a dizer sobre os poderes presidenciais: estão definidos com clareza meridiana na Constituição: basta ir lá. Ao falar dos "poderes presidenciais", conviria lembrar quem duvidou da própria Constituição para mencionar, a propósito de tudo e de nada, a "magistratura de influência" e, ao mesmo tempo, se esquece do objectivo das presidências abertas do segundo mandato de Soares. Dizer que essas "presidências abertas" não violavam os deveres do presidente é esquecer o que elas significaram realmente: uma tentativa clara de ultrapassar aqueles "poderes presidenciais" na altura em que havia uma maioria absoluta.
O medo de Cavaco gera monstros entre os traumatizados de várias origens. Se Cavaco Silva ganhar, eles sabem, interromper-se-á um ciclo político que manda conceber Belém como um centro de conspiração contra São Bento. O desejo de intervenção desse frentismo ainda não se manifestou, apenas porque os resultados eleitorais de Fevereiro são absolutamente sui generis eles recolocaram o país na normalidade, recusando a deriva populista de Direita e castigando a mediocridade de um primeiro-ministro que devia ter saído de eleições e acabou por ser decidido em Belém. O aviso está nas entrelinhas desse discurso. E qualquer governo, mesmo o de Sócrates, sabe que terá mais hipóteses de prolongar a sua vida útil com um Cavaco que resistiu a "presidências abertas" do que com a "magistratura de influência" de Soares.
Jornal de Notícias - 20 de Outubro 2005
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