Frango Gaúcho
Desta vez, uma receita da cozinha caseira do Sul do Brasil: galeto no arroz de tomate, polvilhado de parmesão e regado com azeite. Um compromisso entre a Serra Gaúcha e o pampa.
Uma das coisas mais notáveis da cozinha gaúcha do Rio Grande do Sul brasileiro, é o galeto. Vamos e venhamos: é irresistível. O pequeno franguinho (conhecido como galeto al primo canto, dado que é deglutindo mal da os primeiros passos atrevidos) passa pelo tempero e, logo depois, pelo forno ou pela brasa, para depois nos ser servido - no prato - na companhia de uma polenta suave, frita com linguiça, ou com uma massa fresca cozinhada como se fazia na velha Itália, transportada para as serras do Brasil austral por emigrantes sábios e saudosos. Recomendo a experiência. O verdadeiro gaúcho das serras, seja de onde for, reconhece essa palavra mágica e as orbitas mostram o embevecimento: enchem-se de lagrimas, creio que de apetite. Há uns tempos, no Porto, encontrei Luiz Felipe Scolari; eu tinha escrito uma reportagem biográfica sobre ele há uns meses, ainda antes do Euro 2004 e, confesso, não estava má. Contei-lhe em poucos minutos que tive de percorrer aquelas estradas do Rio Grande, de Canoas e Porto Alegre a Passo Fundo (onde nasceu). Pelotas e Caxias do Sul (onde também treinou), buscando testemunhos, reconstituindo os cenários da sua adolescência e dos primeiros tempos como treinador, Digamos que é um herói local. Ele sorriu, vejam bem –o que é uma raridade. E perguntou, com o sotaque em dia: "E tu comeste galeto?" Baita tché, disse eu, e que galetos!
O segredo do galeto da Serra Gaúcha é a sua pouca idade e o tratamento que recebe no local - só acessível aí, confesso. Ainda não consegui comer um verdadeiro galeto gaúcho fora do seu mapa original.
De modo que proponho uma outra receita, obtida em Pelotas, naquilo que é o pampa, aquelas extensões de verde e neblina onde a história parece prolongar-se mais tempo, misturando-se ao Uruguai, à Argentina, ao Paraguai. A cozinha destas paragens tem toques de várias origens, das cozinhas do Norte de Itália (do venetto) às saborosas lareiras açorianas e minhotas. Antes de os analfabetos falarem de «cozinha de fusão», já as panelas domésticas, em todo o mundo, praticavam arte sem o saberem, modificando tradições, alterando receitas, temperando ortodoxias.
A receita deste mês e um desses casos, completamente luso-italiana.
Comece-se por tomar um frango e escolherem-se as partes nobres, que devem fritar-se num refogado com uma cebola (grande) picada e uns cinco dentes de alho. Quando digo «fritar-se» isso significa que os pedaços de carne (grandes: coxa, peito, perna) devem tingir-se daquela acertadíssima cor que denuncia a passagem demorada pelo azeite quente. Passada essa fase, pelem-se oito tomates maduros, cortem-se em porções pequenas e misturem-se a carne, juntamente com um nadinha de vinho branco. Pode optar-se, também, por duas latas de tomate inteiro ou em pedaços. Mal o tomate se desfaça (coisa de cinco minutos em fogo acertado e insistente), acrescentemos água bastante para providenciar um caldo cremoso
- coisa que se obtém ao fim de dez minutos de fervura. Nessa altura, lavem-se duas chávenas de arroz agulha numa tigela de modo a conseguirmos livrar-nos da poeira dos seus grãos, mas não das suas gomas essenciais, que hão-de tornar o conjunto final mais apetitoso. Cozinha-se por dez minutos, ou nem tanto, temperando-se de sal e pimenta, de modo a que o grãozinho não perca a sua personalidade de, desfazendo-se. Uns minutinhos antes, pique-se alguma salsa para a panela. Ao servir, no prato, disponham-se primeiro as peças de carne que cabem a cada convidado. Depois, ao lado, o arroz sobrevivendo no caldo de tomate. Sobre esse arroz, em cada prato, rale-se uma boa quantidade de parmesão rijo e cheiroso; deixe-se cair um tio de azeite; esprema-se um pouco de limão. Coma-se. O mundo merece o nosso apetite por uma receita caseira desse grande Sul brasileiro.
Ingredientes
+ 1 kg de frango do campo, apenas as «partes nobres»
+ 8 tomates maduros e sem pele
+ Sal e pimenta
+ Salsa
+ 2 chávenas de arroz agulha
+ 4 colheres de azeite
+ 1 cebola
+ 5 dentes de alho
+ Meio copo de vinho branco
* Queijo parmesão para ralar
+ Limão para espremer
in Atlas de Cozinha - Revista Volta ao Mundo – Novembro 2005
<< Home