Regresso ao Minho
Sobre o vale, espreitando o rio, o cronista terminou o jantar recompensado e passeou pela varanda da Casa das Velhas.
O Minho parece um subcontinente – ou uma espécie de principado, um enclave com bandeira própria. Retirem o exagero à afirmação e fiquemos com o essencial. Em matéria gastronómica, por mais que os cardápios se repitam, há uma grandiosidade temática que não precisa de variações para se reerguer e merecer entrar no quadro de honra à primeira chamada. Amigos meus sustentam que se trata de uma obsessão e eu vou, paulatinamente, encaminhando este e aquele para este e para aquele restaurante. Meses depois, semanas depois, ainda bradam aos céus. Há uma grande percentagem de restaurantes aprazíveis; digamos que a sua densidade é muito agradável de registar e que se aproxima muito daquele microcosmos que é a paisagem de restaurantes em Matosinhos: são, em geral, lugares onde se come bem.
Eu sei que o leitor gostava que eu me perdesse agora, e mal, a definir o que é "comer bem". Nessa não caio. Vá lá e comprove.
O Minho tem uma vantagem adicional: nesta altura do ano, quando as paisagens gerais das nossas províncias entristecem, acumulando "les feuilles mortes", as colinas do Minho continuam verdes, as suas montanhas continuam as mesmas. Lembra-se o leitor quando, em 'A Cidade e as Serras', Jacinto e Zé Fernandes sobem da estação de Tormes para o casarão do Príncipe? Pois o Minho tem coisas dessas todo o ano. Com esta vantagem: se o verde o cansa muito, pode olhar para outro lado. Por exemplo, se estiver sentado a uma das mesas da Casa das Velhas, esse cenário varia consoante virar a cabeça da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita, olhando o rio correr ao fundo como uma miragem. Pode começar por um vinho lá fora antes de aproveitar a aragem de Outono na sala do interior. Pode começar por apreciar a paisagem.
E pode, depois, sentar-se a jantar, que vale a pena – bacalhau, supimpa, à lagareiro, muito bem demolhado, com fios soltando-se nesse caminho tortuoso do garfo sobre o lombo gelatinoso, ou suculento, sob um manto de suavíssimo creme gratinado. É uma boa experiência, venha o bacalhau de onde vier, e este vem depois de bem escolhido e bem preparado. Há os amantes do polvo, também grelhado, que, embora me ande a cansar, promete mundos desconhecidos para o cidadão comum, habituado a penar entre polvinhos pré-congelados e mal descongelados. Este é bom e suave, macio. Nota alta. O cabrito à serra de Arga, vindo do forno, rescende – e transcende. Sucumbe-se a esse ar do tempo, a esse perfume combinatório vindo da arte de cozinhar o cabrito desta maneira, com as suas batatinhas farinhentas e uma pequena dose de grelos pedida à parte. Da peça, inteira, sobraram umas pequenas costeletas, que foram grelhadas para nosso benefício, ligeiramente pinceladas, muito apreciáveis, além da sugestão da posta mirandesa, do arroz de pato, dos lombinhos na brasa, da cabidela ou do entrecosto de javali. O cardápio é tradicional mas a beleza do lugar empresta-lhe alguma suavidade concentrada; aproveite – e respire aquele ar, veja as cores do rio a desfazerem-se no vale, bordado de choupos, freixos, hortas e da proximidade do mar, lá ao fundo.
Enquanto isso aproxima-se a sobremesa; repito a dose da última visita: pudim do abade de Priscos, como seda, perfeitinho; provo o leite-creme vizinho e o pudim de laranja, que me arranca à necessidade de um café e de um álcool terminal, quase soporífero. Na varanda há ainda uma aragem que arrasta consigo a leve tepidez do Outono; como um patriarca abandonado por instantes pela família, que conversa entretida, saboreio aquele charuto providencial. Murmuro coisas sem sentido, sabendo que isto, às vezes, é o sentido que a vida tem: um lugar, um sabor, uma visão do vale, o arvoredo que renasce na serra. Voltaremos.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 86
Vinhos brancos: 22
Aguardentes portuguesas: 14
Colheitas tardias e moscatéis: 2
Portos & Madeiras: 16
Uísques: 14
Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: fácil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: ao fim-de-semana
Preço médio: 18 Euros
Casa das Velhas
Quinta Mineirinhas
4920-217 Vila Nova de Cerveira
Tel: 251 708 482
Não encerra
in Revista Notícias Sábado – 3 Novembro 2007
Etiquetas: Restaurantes
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