Ganhar sempre e ganhar quando se ganha
1. Por pouco eu era apanhado a cantar o “salve o tricolor paulista, amado clube brasileiro, tu és forte, tu és grande, dentre os grandes és o primeiro…” Cheguei ao Rio no dia em que o S. Paulo, o Tricolor do Morumbi, festejava o pentacampeonato (os clubes cariocas – Fluminense, Vasco, Botafogo e Flamengo – têm andado em todos os lugares da baixa escala). No Brasil, penta significa ganhar cinco vezes e não ganhar cinco vezes seguidas. Tem algum sentido. Por exemplo, o São Paulo ganhou os seus cinco campeonatos nos últimos trinta anos (em 1977, 1986, 1991, 2006 e 2007). Para um português, o tricolor é só bicampeão. Mas não se pode explicar isso nem a um paulistano nem a um brasileiro.
2. Esta questão não é inocente. Tem a ver com o “ganhar sempre” e com o “ganhar quando se ganha”. Quantos adeptos do Arsenal rasgaram a camisa do clube apesar de não serem campeões durante largos anos? Nos anos de crise, Nick Hornby, sem dúvida um dos melhores escritores ingleses, escreveu um livro memorável sobre o seu clube (“Fever Pitch”) e sobre as suas memórias de fã. Na Espanha, Javier Marías escreveu “Selvagens e Sentimentais”, crónicas de futebol merengue, quando o Real Madrid “nem sempre ganhava”. Vázquez Montalbán defendeu com a caneta o seu amado Barça apesar da hegemonia madridista da época. À sua maneira, cada um deles foi um pequeno fanático. Os seus pares de letras nunca se escandalizaram nem com a ousadia, nem com o exagero – uma coisa e outra andavam juntas. Luis Fernando Verissimo escreveu a sua biografia do Internacional de Porto Alegre, Ruy Castro a do Flamengo, Sérgio Augusto a do Botafogo e Eduardo Bueno a do imortal Grêmio. Não houve surpresa nem escândalo. Eram coisas tão bem escritas e tão fanáticas, tão pouco respeitadoras do “fair-play”, que só poderiam dar prazer ler – mesmo a adversários. Adversários? Que digo eu? Inimigos. Inimigos na trincheira da batalha.
3. São exemplos fatais. Mas haveria muitos mais. Stephen Jay Gould, cientista notável, biólogo e por exemplo, via na carreira dos Mets de NY um argumento contra o criacionismo religioso: se o Criador está ausente desde que o mundo é mundo, como explicar a vitória dos New York Mets no campeonato de 1969, quando a dez minutos do fim perdia por uma margem de oito pontos (George Burns, outro escritor, diz que foi o primeiro milagre incontestável desde que o mar Vermelho se abriu)?
4. No campeonato português há, pelo contrário, um grande ressentimento. O que é pena. Ganhar é ganhar sempre, o que traduz essa reserva mental que vem dos tempos em que havia um clube do regime.
5. Anteontem, em Belo Horizonte, Minas Gerais, o Atlético local jogava no Mineirão. O estádio estava cheio de gente em festa. Foi um grande jogo, com o estádio superlotado. O clube termina em 11º. É uma lição.
in Topo Norte – Jornal de Notícias – 3 Novembro 2007
2. Esta questão não é inocente. Tem a ver com o “ganhar sempre” e com o “ganhar quando se ganha”. Quantos adeptos do Arsenal rasgaram a camisa do clube apesar de não serem campeões durante largos anos? Nos anos de crise, Nick Hornby, sem dúvida um dos melhores escritores ingleses, escreveu um livro memorável sobre o seu clube (“Fever Pitch”) e sobre as suas memórias de fã. Na Espanha, Javier Marías escreveu “Selvagens e Sentimentais”, crónicas de futebol merengue, quando o Real Madrid “nem sempre ganhava”. Vázquez Montalbán defendeu com a caneta o seu amado Barça apesar da hegemonia madridista da época. À sua maneira, cada um deles foi um pequeno fanático. Os seus pares de letras nunca se escandalizaram nem com a ousadia, nem com o exagero – uma coisa e outra andavam juntas. Luis Fernando Verissimo escreveu a sua biografia do Internacional de Porto Alegre, Ruy Castro a do Flamengo, Sérgio Augusto a do Botafogo e Eduardo Bueno a do imortal Grêmio. Não houve surpresa nem escândalo. Eram coisas tão bem escritas e tão fanáticas, tão pouco respeitadoras do “fair-play”, que só poderiam dar prazer ler – mesmo a adversários. Adversários? Que digo eu? Inimigos. Inimigos na trincheira da batalha.
3. São exemplos fatais. Mas haveria muitos mais. Stephen Jay Gould, cientista notável, biólogo e por exemplo, via na carreira dos Mets de NY um argumento contra o criacionismo religioso: se o Criador está ausente desde que o mundo é mundo, como explicar a vitória dos New York Mets no campeonato de 1969, quando a dez minutos do fim perdia por uma margem de oito pontos (George Burns, outro escritor, diz que foi o primeiro milagre incontestável desde que o mar Vermelho se abriu)?
4. No campeonato português há, pelo contrário, um grande ressentimento. O que é pena. Ganhar é ganhar sempre, o que traduz essa reserva mental que vem dos tempos em que havia um clube do regime.
5. Anteontem, em Belo Horizonte, Minas Gerais, o Atlético local jogava no Mineirão. O estádio estava cheio de gente em festa. Foi um grande jogo, com o estádio superlotado. O clube termina em 11º. É uma lição.
in Topo Norte – Jornal de Notícias – 3 Novembro 2007
Etiquetas: Topo Norte
<< Home