janeiro 20, 2007

Esta miséria que se tem visto

1. É bom ter alguém para sacrificar e triturar. Esta semana calhou a vez a Carlos Martins, o jogador do Sporting que a vastíssima multidão de moralistas decretou estar "aca­bado" depois do cartão vermelho no jogo contra o Belenenses. Ape­tece perguntar qual o mal que lhes fez Carlos Martins – mas percebe-se à primeira: a generalidade dos comentadores convertidos ao compêndio scolariano prefere, em vez de jogadores, recrutas, rapa­zes cumpridores. Mas, às vezes, o futebol cumpridor não basta; é pre­ciso procurar as excepções. O que teria acontecido a Eric Cantona em Portugal? Seria cilindrado. Paulo Bento afastá-lo-ia? É prová­vel. Mas os tempos não estão para excepções; Garrincha seria bani­do, Didi escorraçado e até a Do­mingos da Guia, enfim, lhe mostra­riam o caminho da porta. Carlos Martins não é Cantona, nem Didi, nem Garrincha, nem Lucho, nem Deco – claro que não, mas esta se­mana estou do lado dele. Houvesse muitos Carlos Martins, deses­perados por jogar, desesperados por vencer (e com treinador à altura para os compreender), e o cam­peonato não seria esta miséria que se tem visto.

2. Falemos, pois, desta miséria que se tem visto: muitos jogos aplainados pela mesma bitola, sonsos, com pouco brilho. De quem é a culpa? Da depressão causada pelo futebol em si mesmo, e da "para­gem de Inverno". Nada a fazer. Às vezes tenho saudades de gente ca­paz de polémicas, de um tempo em que os treinadores não apareciam naquelas fatiotas ridículas, de gente que arriscava. Lá para Março, Abril. Ao ver a ponta final, a Liga vai me­xer. Tarde de mais, como de costu­me. Até lá, os jogadores caem ao mínimo toque, muito mariquinhas; prolongam uma jogada até ela se tornar insuportável, mastigada, previsível, à procura de uma falta; pela televisão (que mostra sempre um jogo a triplicar) vê-se como o estádio se transformou num teatro permanente a mostrar esta miséria que se tem visto.

3. O mercado de Inverno está à al­tura do futebol português; é bom sinal. Quem não tem dinheiro não tem vícios. Mas há uma coisa que me surpreende sempre – as trans­ferências já feitas por milhões. To­dos os anos, se se lembram, Rui Costa estavam no Benfica e Beto no Real Madrid. Rui Costa veio, passa­dos anos, mas joga pouco; Beto nem passou por Barajas. Mas os seus nomes inflacionaram, até vale­rem muito pouco no mercado. Ve­jam o caso de Ricardo Rocha; a im­prensa noticiou milhões, vários, mas sempre em ordem decrescen­te, até deixar de se falar. Não seria possível proteger o jogador?

4. O Apito Dourado está em segre­do. Mas ao ver certas acusações pairarem nas páginas dos jornais, uma pessoa deveria munir-se de bom-senso e sorrir diante dos 4,2 milhões de euros pagos pela Caixa Geral de Depósitos como indemni­zações a gestores.

5. Eu sou um conservador. Os equipamentos deviam ser sóbrios, sem "degradés" nem mangas "à Sporting", que parecem ter um pro­blema de costura (aliás, o Sporting abusa dos "segundos equipamentos"). Deviam ser coisa sóbria que se entendesse. O F. C. Porto devia ter as riscas da ordem. Por isso, que o Benfica anuncie um equipa­mento alternativo cor-de-rosa, já não me surpreende.

in Topo Norte - Jornal de Notícias - 20 Janeiro 2007