novembro 04, 2006

Índia em Lisboa

O Tamarind oferece uma experiência de genuína cozinha da índia, cheia de memórias pessoais de Hardev Walia, o seu criador. Vale a pena cair em tentação e ir aprendendo a escolher os pratos.

A pergunta tem toda a razão de ser em se tratando de gastronomias estranhas: será esta a verdadeira cozinha mexicana?, é esta a genuína comida indiana?, é fide­digna esta cozinha italiana?, será assim a verdadeira cozinha chinesa? Não esmoreça. Todos os dias faço a mesma pergunta – sobretudo, está bom de ver, nos dias em que sou levado (ou, mais raramente, quando sou eu que levo) a um restaurante marroquino, austra­liano, tailandês. Sou adepto do "desconhecido" em matéria de cozinha; não apenas do estranho, do longínquo, do exótico, do diferente. Esses adjectivos servem-me, mas o desconhecido também me interessa, e bastante. Línguas desconhecidas, pratos desconhe­cidos, misturas desconhecidas; espero sempre uma surpresa e um pecado nessas alturas.

Acontece-me, aliás, quando viajo experimentar por dever, mais até do que por curiosidade; um dever sem sacrifício, faço notar – um dever feito de pergun­tas. Nesse capítulo sigo as instruções nunca escritas de Anthony Bourdain e até alguns dos seus percursos – vou ao acaso. Comi em restaurantes indonésios à beira de caminhos desertos, em excelentes mesas argentinas, em tabernas mexicanas cheias de fumos, cozinhei com famílias onde pude fazê-lo. Qual o objectivo? Nenhum. Fazer apenas com que isso acontecesse; aproveitar a grandiosidade do mundo; gozar o momento; satisfazer a curiosidade. Nada de grandes antropologias ou etnologias.

No caso dos restaurantes indianos da capital há sem­pre a tentação de dizer que lhes devemos alguma coisa; e devemos: a tradição, o costume goês, as espe­ciarias arrancadas do Oriente e, finalmente, os bons sabores que nos trazem. Grande parte dessas "cozi­nhas indianas" são de ascendência indo-portuguesa e só mais recentemente apareceram casas onde a designação "indiana" não significa "Norte de Moçambique" ou "indo-portuguesa" ou "goesa". Nada contra. Um desses lugares é o Tamarind, a dois passos da Avenida da Liberdade e da Praça da Alegria, na vetusta Rua da Glória, onde Hardev Walia, depois de uns tempos algarvios, nos serve menus cheios de serenidade e de reminiscências familiares.

A minha experiência foi muito boa (além de voltar a provar a cerveja 'Cobra' na sua versão de 660 ml) e a opção foi pelo menu do dia, a um preço muito aceitável de 9,5 euros e que incluía duas entradas vegetarianas, 'bajhies' de cebola e 'pokora' de couve-flor e batata - repeti as 'bajhies', fritinhos saborosos e muito indicados para entrada. Neste capítulo, das entradas, há ainda borrego em tandoori ('boti kebab') ou picado com cominhos ('neza kebab'), galinha marinada com ervas e natas (galinha 'tikka') e uma selecção de entradas de camarão e peixe ('tikki" de camarão, peixe masala, por exemplo), além de um misto de todas as entradas da casa. Depois disso, dividi 'karahi murgh' (galinha com cebola, pimento e tomate) e 'rogan gosh' (borrego estufado, com cominhos, tomate, pimentos) – na companhia da dose normal de pão nam (o pão ázimo indiano) e de arroz 'basmati'.

A escolha poderia ter-se encaminhado para um abundante cardápio de pratos vegetarianos (que inclui um suculento caril de vege­tais ou dois pratos de lentilhas que provarei em próxi­ma oportunidade, como 'turka dali' ou 'dali makhani'), ementa tandoori, ou seja, cozinhados em forno de barro (borrego e frango), alguns pratos de borrego ('saag ghost', com espinafres, caril, 'dhaniya keema', borrego picado) e de frango ('korma', com amêndoas e caju, 'makhani', com tomate e manteiga, 'tawa', com pimento e tomate, ou caril), além dos 'berya-ni', ou seja, arroz – os de borrego, galinha, vegetais ou marisco e peixe –, sem falar dos pratos de peixe e marisco.

No capítulo das sobremesas, optámos por uma 'delícia de manga' e por um gelado de natas - ambos a transitar pela fronteira do sublime, com aromas muito suaves, tranquilizadores, cheios de pro­messas. A carta de vinhos é curta mas bem escolhida e com vinhos de várias regiões.

Sai-se do Tamarind com a sensação de se ter via­jado naquela salinha pequena, colorida, agradável.

À LUPA
Carta de vinhos: * *
Carta de digestivos: * *
Facilidade de acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 24
Vinhos brancos: 10
Portos & Madeiras: 6
Uísques: 8
Aguardentes portuguesas: 5

Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: parque nas proximidades
Levar crianças: sim
Bengaleiro: sim
Reserva: imprescindível à noite
Preço médio: 18 euros

RESTAURANTE TAMARIND
Rua da Glória, 43-45
1250-115 Lisboa
Tel: 21.3466 080 / 96.8866144

in Revista Notícias Sábado – 4 Novembro 2006