Quem conhece os portugueses?
Se a argumentação do Ministério Público (MP) tivesse sido considerada pelo tribunal, a cidadania portuguesa não teria sido atribuída a uma imigrante brasileira do Seixal, casada com um português - e que vive em Portugal há bastantes anos, além de pagar os seus impostos e de possuir bens em território nacional. Ora, o que diz o MP? Reproduzo dos jornais "Não indicou prova da sua integração social, desconhecendo-se o que conhece de Portugal além da região do Seixal, se tem uma percepção histórica de Portugal (conhece, por exemplo, Pedro Álvares Cabral? Ou quem foi o fundador do Reino de Portugal?), das figuras mais representativas da sua cultura (por exemplo, sabe quem foi Camões, autor de 'Os Lusíadas'?), se acompanha a realidade actual do nosso país (como?), se sabe quais os titulares dos principais órgãos políticos da nação (quem exerce as funções de presidente da República? De presidente da Assembleia da República? De primeiro-ministro?), se conhece os símbolos nacionais (quais as cores da bandeira nacional, o hino nacional?), quais os partidos políticos representados na Assembleia da República, qual a função essencial desta."
Pessoalmente - vá lá, em termos ideais -, considero que esteve bem o MP ao manifestar essas preocupações. Para se ser português devia ser necessário saber responder a algumas dessas perguntas essenciais. Temo, no entanto, que a sua argumentação poderia causar uma boa razia no número de cidadãos portugueses nascidos em Portugal e cuja identidade nunca é posta em causa de cada vez que renovam os seus papéis. Sabem eles quem foi Afonso de Albuquerque ou em que ano chegou Vasco da Gama à Índia?
É certo que, periodicamente, aparecem epifenómenos de nacionalismo é necessário conhecer o hino, honrar a bandeira, gostar de sardinhas, saber a lenda de Afonso Domingues (eu ajudo: "A abóboda não caiu, a abóbada não cairá."), enumerar as dinastias, saber que há Cantos nos "Lusíadas", visitar os Jerónimos uma vez na vida.
Veja-se o concurso "Os grandes portugueses" promovido pela RTP que, apesar de vir a tratar-se de uma espécie de "reality show" com votações por sms, tem fornecido abundante matéria de polémica sempre que se elaboram listas desta natureza. O mesmo MP que quis ver a cidadã brasileira com conhecimentos regulares e até simples de história portuguesa empenhará a própria honra quando se apresentar a votação final do concurso.
Em 1987, Ed Hirsch Jr. publicou nos EUA um Livro intitulado "Cultural Literacy What Every American Needs to Know" para concluir que os conhecimentos gerais dos americanos tinham diminuído bastante nos últimos vinte anos. Não há um estudo desses em Portugal. A mim, pessoalmente, irritam-me coisas como "identidade nacional", "as nossas coisas" ou "portugalidade" - mas reconheço que é necessário conhecer e compreender algumas coisas básicas.
É provável que conheçamos os nomes de Eduardo Lourenço ou António José Saraiva, mas sabe-se pouco o que eles pensaram e produziram, tal como acontece com Oliveira Martins, Antero, Verney ou Ruben A., para não dizer Pedro Nunes, Garcia de Orta, ou, num nível absolutamente superior, João Magueijo, Maria de Sousa, Alexandre Quintanilha, António Coutinho ou Pedro Gil Ferreira todos eles cientistas.
A brasileira que o MP quereria submeter a um exame sobre os seus conhecimentos acerca de Portugal poderá legitimamente votar no concurso "Os Grandes Portugueses". Ela não terá dificuldade em se aperceber da importância de Amália, de Eusébio ou de Figo. Tal como ela, milhões de portugueses votarão assim; não acho mal. O MP devia submeter-nos a exame igualmente. Não se perdia nada.
in Jornal de Notícias - 16 Outubro 2006
Pessoalmente - vá lá, em termos ideais -, considero que esteve bem o MP ao manifestar essas preocupações. Para se ser português devia ser necessário saber responder a algumas dessas perguntas essenciais. Temo, no entanto, que a sua argumentação poderia causar uma boa razia no número de cidadãos portugueses nascidos em Portugal e cuja identidade nunca é posta em causa de cada vez que renovam os seus papéis. Sabem eles quem foi Afonso de Albuquerque ou em que ano chegou Vasco da Gama à Índia?
É certo que, periodicamente, aparecem epifenómenos de nacionalismo é necessário conhecer o hino, honrar a bandeira, gostar de sardinhas, saber a lenda de Afonso Domingues (eu ajudo: "A abóboda não caiu, a abóbada não cairá."), enumerar as dinastias, saber que há Cantos nos "Lusíadas", visitar os Jerónimos uma vez na vida.
Veja-se o concurso "Os grandes portugueses" promovido pela RTP que, apesar de vir a tratar-se de uma espécie de "reality show" com votações por sms, tem fornecido abundante matéria de polémica sempre que se elaboram listas desta natureza. O mesmo MP que quis ver a cidadã brasileira com conhecimentos regulares e até simples de história portuguesa empenhará a própria honra quando se apresentar a votação final do concurso.
Em 1987, Ed Hirsch Jr. publicou nos EUA um Livro intitulado "Cultural Literacy What Every American Needs to Know" para concluir que os conhecimentos gerais dos americanos tinham diminuído bastante nos últimos vinte anos. Não há um estudo desses em Portugal. A mim, pessoalmente, irritam-me coisas como "identidade nacional", "as nossas coisas" ou "portugalidade" - mas reconheço que é necessário conhecer e compreender algumas coisas básicas.
É provável que conheçamos os nomes de Eduardo Lourenço ou António José Saraiva, mas sabe-se pouco o que eles pensaram e produziram, tal como acontece com Oliveira Martins, Antero, Verney ou Ruben A., para não dizer Pedro Nunes, Garcia de Orta, ou, num nível absolutamente superior, João Magueijo, Maria de Sousa, Alexandre Quintanilha, António Coutinho ou Pedro Gil Ferreira todos eles cientistas.
A brasileira que o MP quereria submeter a um exame sobre os seus conhecimentos acerca de Portugal poderá legitimamente votar no concurso "Os Grandes Portugueses". Ela não terá dificuldade em se aperceber da importância de Amália, de Eusébio ou de Figo. Tal como ela, milhões de portugueses votarão assim; não acho mal. O MP devia submeter-nos a exame igualmente. Não se perdia nada.
in Jornal de Notícias - 16 Outubro 2006
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