Dona Isaura
Regressando ao Isaura, fundado em 1952, em Lisboa, confirma-se que a memória, sempre traiçoeira, afinal não desmentiu o essencial: comida saborosa e uma carta de vinhos muito acima da média.
Chove sobre Lisboa, o que quer dizer, também, que o Outono chegou a horas. É preciso referir as condições meteorológicas, naturalmente, uma vez que o estômago por vezes nunca se afasta muito da estratosfera, das nuvens que passam, das praças molhadas pelas últimas chuvas. A zona, entre a Avenida de Roma e o Areeiro, lembra novelas dos anos sessenta e princípio dos anos setenta (lembram-se de 'Pôr do Sol, no Areeiro', de Luís de Sttau Monteiro?), com os seus prédios da época de ouro, burgueses, civilizados, austeros, respeitáveis, cheios de hábitos e de memórias. Amigos meus de várias gerações passaram nessas pracetas, fizeram história, recordam-se da adolescência, das ramagens dos plátanos, do trânsito diminuto, dos becos, dos muros, de uma pequena vila no meio da cidade, entre a Praça de Londres e o Areeiro, entre o Areeiro e Alvalade, entre a Almirante Reis e a Avenida de Roma, entre a João XXI e as ruas das traseiras – aquelas, como a de Paris, onde se circula devagar em dias de chuva, onde se passeia a pé depois da hora de jantar, passeando o cão, passeando o cigarro, passeando esta Lisboa cómoda, confortável, paredes-meias com a tranquilidade.
Quase a atingir a Almirante Reis, fica o Isaura. De entre os clássicos de Lisboa, é uma das opções seguras. Foi no Isaura, há muitos anos, que enfrentei pela primeira vez a sabedoria de um escanção, o senhor Costa, recomendando-me um vinho, salvando-me da aflição – e que escolha, que saborosa escolha, fazendo companhia a uns jaquinzinhos (primeiro) e a uma galinha de cabidela (depois) com igual e surpreendente doçura. Foi há muitos anos.
Passadas muitas chuvas voltei ao Isaura, reconheci as suas escadas para o piso onde as mesas se alinham, onde os clientes clássicos se reconhecem pela forma como manejam o cardápio e aceitam uma palavra de encorajamento. Filetes de garoupa com arrozinho de feijão e o bacalhau com migas à moda
de Figueiró dos Vinhos foi a opção desta vez, acertada, para dois vinhos distintos - um branco que acompanhou ostras fresquíssimas e um tinto (do Douro, bênção do Altíssimo) para o restante das escolhas. Tanto o bacalhau (couvinha, feijão, pão, batatinhas) como a garoupa estavam na ordem exacta em que se devem encontrar; o bacalhau, banhado de azeite de uma cor fantástica; a garoupa rescendendo a mar, ainda, temperada sem sofreguidão – ambos retirados de uma lista onde distinguimos o bife à Isaura, o bife (de lombo de vaca) à Faustino, a cataplana de tamboril, ou de cherne, 'fondue' de lombo de vaca, 'fondue' de peixe, bacalhau assado, borrego dos casamentos, caril de gambas, cabrito frito com açorda, cozido à portuguesa (no seu dia), cogumelos grelhados com 'bacon', caldeirada de peixe, sardinhas albardadas, bacalhau à moda de Braga, rojões de porco, galinha de cabidela, vitela à transmontana, feijoada à transmontana, entrecote de novilho, chanfana, caldeirada de cabrito, enguias fritas, açorda de sável, lebre com feijão branco, pitéu de lulas à algarvia e, além disto, uma lista de pratos lisboetas, ou de matriz culinária lisboeta, onde andam, entre outros, os pastéis de bacalhau, o bife à Marrare, os tais jaquinzinhos com açorda, as pataniscas de bacalhau (com arroz de tomate, com arroz de feijão, com arroz de grelos), a sopa rica de peixe, a meia-desfeita onde o bacalhau e o grão se harmonizam com bom azeite, a perdiz à Isaura, os peixinhos da horta de polme estaladiço e claríssimo, ou o bacalhau à Brás que já me contentou várias vezes, muito bom. Se o leitor verificar, reconhece que não sou muito inclinado a elogios doceiros, mas menciono desta vez o leite-creme, a encharcada de Mourão, o rançoso de idênticas ressonâncias alentejanas, a mousse de chocolate e, finalmente, o creme de maçã simples ou com gelado, o gelado de natas com amora e cassis, o amoroso batido de papaia (suavíssimo, encantador para quem prefere coisas açúcares ligeiros) ou as pêras bêbedas, que são parte da minha lista de preferências.
Passados alguns anos, esta ida ao Isaura confirmou que a memória não me tinha atraiçoado. Valeu a pena, sim, nem que fosse pela leitura da carta de vinhos muito, muito acima da média, e muito bem manejada.
À LUPA
Carta de vinhos: * * * *
Carta de digestivos: * *
Facilidade de acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 220
Vinhos brancos: 52
Vinhos verdes e Alvarinhos: 9
Portos & Madeiras: 22
Uísques: 18
Aguardentes portuguesas: 14
Champanhes & espumantes: 10
Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: parque nas proximidades
Adequado levar crianças: sim
Bengaleiro: sim
Reserva: Aconselhável
Preço médio: 25 euros
RESTAURANTE ISAURA
Av. de Paris. 4-B
1000-228 Lisboa
Tel: 218480838 - 218486651
Encerra aos sábados
in Revista Notícias Sábado - 28 Outubro 2006
Chove sobre Lisboa, o que quer dizer, também, que o Outono chegou a horas. É preciso referir as condições meteorológicas, naturalmente, uma vez que o estômago por vezes nunca se afasta muito da estratosfera, das nuvens que passam, das praças molhadas pelas últimas chuvas. A zona, entre a Avenida de Roma e o Areeiro, lembra novelas dos anos sessenta e princípio dos anos setenta (lembram-se de 'Pôr do Sol, no Areeiro', de Luís de Sttau Monteiro?), com os seus prédios da época de ouro, burgueses, civilizados, austeros, respeitáveis, cheios de hábitos e de memórias. Amigos meus de várias gerações passaram nessas pracetas, fizeram história, recordam-se da adolescência, das ramagens dos plátanos, do trânsito diminuto, dos becos, dos muros, de uma pequena vila no meio da cidade, entre a Praça de Londres e o Areeiro, entre o Areeiro e Alvalade, entre a Almirante Reis e a Avenida de Roma, entre a João XXI e as ruas das traseiras – aquelas, como a de Paris, onde se circula devagar em dias de chuva, onde se passeia a pé depois da hora de jantar, passeando o cão, passeando o cigarro, passeando esta Lisboa cómoda, confortável, paredes-meias com a tranquilidade.
Quase a atingir a Almirante Reis, fica o Isaura. De entre os clássicos de Lisboa, é uma das opções seguras. Foi no Isaura, há muitos anos, que enfrentei pela primeira vez a sabedoria de um escanção, o senhor Costa, recomendando-me um vinho, salvando-me da aflição – e que escolha, que saborosa escolha, fazendo companhia a uns jaquinzinhos (primeiro) e a uma galinha de cabidela (depois) com igual e surpreendente doçura. Foi há muitos anos.
Passadas muitas chuvas voltei ao Isaura, reconheci as suas escadas para o piso onde as mesas se alinham, onde os clientes clássicos se reconhecem pela forma como manejam o cardápio e aceitam uma palavra de encorajamento. Filetes de garoupa com arrozinho de feijão e o bacalhau com migas à moda
de Figueiró dos Vinhos foi a opção desta vez, acertada, para dois vinhos distintos - um branco que acompanhou ostras fresquíssimas e um tinto (do Douro, bênção do Altíssimo) para o restante das escolhas. Tanto o bacalhau (couvinha, feijão, pão, batatinhas) como a garoupa estavam na ordem exacta em que se devem encontrar; o bacalhau, banhado de azeite de uma cor fantástica; a garoupa rescendendo a mar, ainda, temperada sem sofreguidão – ambos retirados de uma lista onde distinguimos o bife à Isaura, o bife (de lombo de vaca) à Faustino, a cataplana de tamboril, ou de cherne, 'fondue' de lombo de vaca, 'fondue' de peixe, bacalhau assado, borrego dos casamentos, caril de gambas, cabrito frito com açorda, cozido à portuguesa (no seu dia), cogumelos grelhados com 'bacon', caldeirada de peixe, sardinhas albardadas, bacalhau à moda de Braga, rojões de porco, galinha de cabidela, vitela à transmontana, feijoada à transmontana, entrecote de novilho, chanfana, caldeirada de cabrito, enguias fritas, açorda de sável, lebre com feijão branco, pitéu de lulas à algarvia e, além disto, uma lista de pratos lisboetas, ou de matriz culinária lisboeta, onde andam, entre outros, os pastéis de bacalhau, o bife à Marrare, os tais jaquinzinhos com açorda, as pataniscas de bacalhau (com arroz de tomate, com arroz de feijão, com arroz de grelos), a sopa rica de peixe, a meia-desfeita onde o bacalhau e o grão se harmonizam com bom azeite, a perdiz à Isaura, os peixinhos da horta de polme estaladiço e claríssimo, ou o bacalhau à Brás que já me contentou várias vezes, muito bom. Se o leitor verificar, reconhece que não sou muito inclinado a elogios doceiros, mas menciono desta vez o leite-creme, a encharcada de Mourão, o rançoso de idênticas ressonâncias alentejanas, a mousse de chocolate e, finalmente, o creme de maçã simples ou com gelado, o gelado de natas com amora e cassis, o amoroso batido de papaia (suavíssimo, encantador para quem prefere coisas açúcares ligeiros) ou as pêras bêbedas, que são parte da minha lista de preferências.
Passados alguns anos, esta ida ao Isaura confirmou que a memória não me tinha atraiçoado. Valeu a pena, sim, nem que fosse pela leitura da carta de vinhos muito, muito acima da média, e muito bem manejada.
À LUPA
Carta de vinhos: * * * *
Carta de digestivos: * *
Facilidade de acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 220
Vinhos brancos: 52
Vinhos verdes e Alvarinhos: 9
Portos & Madeiras: 22
Uísques: 18
Aguardentes portuguesas: 14
Champanhes & espumantes: 10
Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: parque nas proximidades
Adequado levar crianças: sim
Bengaleiro: sim
Reserva: Aconselhável
Preço médio: 25 euros
RESTAURANTE ISAURA
Av. de Paris. 4-B
1000-228 Lisboa
Tel: 218480838 - 218486651
Encerra aos sábados
in Revista Notícias Sábado - 28 Outubro 2006
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