A vida é ingrata
O Baltazar, em Matosinhos, oscila entre a beleza do seu espaço ao princípio da noite e um certo conformismo do cardápio.
O que nos leva a gostar de um restaurante, além da boa comida ou da carta de vinhos? Geralmente as pessoas respondem: o ambiente. E o que é o ambiente? As coisas que nos rodeiam. Ora, as coisas que nos rodeiam no Baltazar são bonitas - as cores são atraentes, as mesas são espaçosas (até de mais), o serviço é agradável, o balcão e os sofás à entrada são acolhedores. O balcão, confesso, atraiu-me, com o seu colorido de garrafas lembrando que há noites & outras noites, e que nem só de suavidade se faz a vida. Há um "restaurante da moda" em Buenos Aires, o Sucre (no meio das árvores de Belgrano), que me lembrou este de Matosinhos. Falta ao Baltazar a ponte sobre o balcão, de onde se inspecciona toda a sala, para nos encaminharmos para os lavabos, lá no piso superior, e o grande cubo que constitui a sua garrafeira no meio do restaurante propriamente dito.
Pessoalmente, há restaurantes que me lembram outros, como um prato me lembra outro, e um sabor me recorda outro, e uma memória me trai no meio de uma garfada, e fico a desejar ardentemente que chegue a sobremesa para me livrar da melancolia da mesa. A ideia é que há uma melancolia gastronómica - coisa tão cara a Vázquez Montalbán, por exemplo, que ordenava ao seu e nosso Pepe Carvalho que peregrinasse como personagem de romance e não da vida real por entre casas de pasto, cozinhas de bairro, corredores de mercados. Tal como existe uma desilusão gastronómica, evidentemente. O Baltazar oscila entre a beleza do seu espaço ao princípio da noite e um certo conformismo do cardápio; nada de criticável. Há restaurantes onde só como um prato ou dois. Outros onde nunca sei o que escolher. E, finalmente, outros onde nunca escolho e peço conselho.
Eu, que também sou 'porteño' de coração e aprecio o cibertango, gostei do Baltazar. Fui com os meus filhos, que gostaram bastante das entradas - os cogumelos perfeitos, o 'carpaccio' enternecedor, bem preparado. Em onda argentina, sempre, passavam à nossa volta pratos de 'ojo de bife', 'quadril', 'bife de chorizo', e eu senti-me lá no hemisfério sul, apenas faltando um 'matambre' ou o 'cordero patagonico' - mas observei, guloso como sou, 'parrilladas' circulando para mesas vizinhas, carnes grelhadas a que só faltavam os 'chinchulines' polvilhados e estaladiços, já que os 'riñones' dispenso. As saudades que eu tinha de um 'asado de tira', desse que a nossa União Europeia se prepara para nos roubar, com o argumento de que "tem osso". Quem nunca comeu um 'asado de tira', de ressonâncias gauchescas, não sabe o que é um verdadeiro churrasco. De tudo isso provei e considero aprovável. Mas, naquele último momento, enquanto os meus parceiros afiavam o dente para as escolhas feitas a partir do cardápio - e bebíamos um 'syrah' argentino de lei -, a melancolia gastronómica tomou conta de mim e verificou existir a proposta de um 'puchero', ou seja, um cozido argentino.
Vacilei uns segundos; e pedi o 'puchero'. Daí a um quarto de hora, eles, na mesa, trincavam as carnes, 'al punto' ou 'jugosas'; eu vi apresentar-se, à minha frente, um prato fundo com umas batatas semidesfeitas, pedacinhos de cenoura, uns grãos-de-bico, fragmentos de vaca cozida. Não era o 'puchero', nem o meu nem nenhum que se apresentasse. Onde estava a composição quase barroca de vegetais, rescendendo? Onde estavam as carnes, glória da nação? Pareceu-me uma sopa de dieta, mas com pecados veniais acoplados. Segurei, a medo, a colher; mergulhei-a no caldo, aquoso, destemperado: estava ligeiramente azedo, que era o único sabor que se soltava do caldo sensaborão. Pequei, deuses da cozinha, eu sei: imaginei que o Baltazar, depois de me apresentar tanta ressonância argentina, me reservava a surpresa de um 'puchero', nem que fosse aproximado. Mas não. O pecado é meu, suponho, que passei por exótico ao pedir o prato. Mas estava na lista. E o que se apresenta na lista deve ser servido em termos.
Na mesa houve ainda sobremesas, que estavam razoáveis e eram bem desenhadas. Mas o 'puchero', Baltazar, que mal te fez? Vida amarga, ingrata.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos Tintos: 83
Vinhos Brancos: 41
Portos & Madeiras: 10
Uísques: 32
Aguardentes & Conhaques: 30
Outros dados
Charutos: Sim
Estacionamento: Parque nas proximidades
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Sim
Reserva: Imprescindível
Preço médio: 25 Euros
BALTAZAR
Rua Brito e Cunha, 510
4450-084 Matosinhos
Telef. 229 373 127
Telm: 932 080 400
Encena à segunda-feira
in Revista Notícias Sábado – 2 Setembro 2006
O que nos leva a gostar de um restaurante, além da boa comida ou da carta de vinhos? Geralmente as pessoas respondem: o ambiente. E o que é o ambiente? As coisas que nos rodeiam. Ora, as coisas que nos rodeiam no Baltazar são bonitas - as cores são atraentes, as mesas são espaçosas (até de mais), o serviço é agradável, o balcão e os sofás à entrada são acolhedores. O balcão, confesso, atraiu-me, com o seu colorido de garrafas lembrando que há noites & outras noites, e que nem só de suavidade se faz a vida. Há um "restaurante da moda" em Buenos Aires, o Sucre (no meio das árvores de Belgrano), que me lembrou este de Matosinhos. Falta ao Baltazar a ponte sobre o balcão, de onde se inspecciona toda a sala, para nos encaminharmos para os lavabos, lá no piso superior, e o grande cubo que constitui a sua garrafeira no meio do restaurante propriamente dito.
Pessoalmente, há restaurantes que me lembram outros, como um prato me lembra outro, e um sabor me recorda outro, e uma memória me trai no meio de uma garfada, e fico a desejar ardentemente que chegue a sobremesa para me livrar da melancolia da mesa. A ideia é que há uma melancolia gastronómica - coisa tão cara a Vázquez Montalbán, por exemplo, que ordenava ao seu e nosso Pepe Carvalho que peregrinasse como personagem de romance e não da vida real por entre casas de pasto, cozinhas de bairro, corredores de mercados. Tal como existe uma desilusão gastronómica, evidentemente. O Baltazar oscila entre a beleza do seu espaço ao princípio da noite e um certo conformismo do cardápio; nada de criticável. Há restaurantes onde só como um prato ou dois. Outros onde nunca sei o que escolher. E, finalmente, outros onde nunca escolho e peço conselho.
Eu, que também sou 'porteño' de coração e aprecio o cibertango, gostei do Baltazar. Fui com os meus filhos, que gostaram bastante das entradas - os cogumelos perfeitos, o 'carpaccio' enternecedor, bem preparado. Em onda argentina, sempre, passavam à nossa volta pratos de 'ojo de bife', 'quadril', 'bife de chorizo', e eu senti-me lá no hemisfério sul, apenas faltando um 'matambre' ou o 'cordero patagonico' - mas observei, guloso como sou, 'parrilladas' circulando para mesas vizinhas, carnes grelhadas a que só faltavam os 'chinchulines' polvilhados e estaladiços, já que os 'riñones' dispenso. As saudades que eu tinha de um 'asado de tira', desse que a nossa União Europeia se prepara para nos roubar, com o argumento de que "tem osso". Quem nunca comeu um 'asado de tira', de ressonâncias gauchescas, não sabe o que é um verdadeiro churrasco. De tudo isso provei e considero aprovável. Mas, naquele último momento, enquanto os meus parceiros afiavam o dente para as escolhas feitas a partir do cardápio - e bebíamos um 'syrah' argentino de lei -, a melancolia gastronómica tomou conta de mim e verificou existir a proposta de um 'puchero', ou seja, um cozido argentino.
Vacilei uns segundos; e pedi o 'puchero'. Daí a um quarto de hora, eles, na mesa, trincavam as carnes, 'al punto' ou 'jugosas'; eu vi apresentar-se, à minha frente, um prato fundo com umas batatas semidesfeitas, pedacinhos de cenoura, uns grãos-de-bico, fragmentos de vaca cozida. Não era o 'puchero', nem o meu nem nenhum que se apresentasse. Onde estava a composição quase barroca de vegetais, rescendendo? Onde estavam as carnes, glória da nação? Pareceu-me uma sopa de dieta, mas com pecados veniais acoplados. Segurei, a medo, a colher; mergulhei-a no caldo, aquoso, destemperado: estava ligeiramente azedo, que era o único sabor que se soltava do caldo sensaborão. Pequei, deuses da cozinha, eu sei: imaginei que o Baltazar, depois de me apresentar tanta ressonância argentina, me reservava a surpresa de um 'puchero', nem que fosse aproximado. Mas não. O pecado é meu, suponho, que passei por exótico ao pedir o prato. Mas estava na lista. E o que se apresenta na lista deve ser servido em termos.
Na mesa houve ainda sobremesas, que estavam razoáveis e eram bem desenhadas. Mas o 'puchero', Baltazar, que mal te fez? Vida amarga, ingrata.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos Tintos: 83
Vinhos Brancos: 41
Portos & Madeiras: 10
Uísques: 32
Aguardentes & Conhaques: 30
Outros dados
Charutos: Sim
Estacionamento: Parque nas proximidades
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Sim
Reserva: Imprescindível
Preço médio: 25 Euros
BALTAZAR
Rua Brito e Cunha, 510
4450-084 Matosinhos
Telef. 229 373 127
Telm: 932 080 400
Encena à segunda-feira
in Revista Notícias Sábado – 2 Setembro 2006
<< Home