agosto 12, 2006

Pérola do Minho

Nas terras da Riba d'Ave, em Moreira de Cónegos, o São Gião devia ser considerado património nacional e incluído nos roteiros dos monumentos a visitar. Não é preciso dizer mais.

Cada um de nós tem um mapa particular para encenar. Um dos meus mapas é o do Minho, mas o leitor já se deu conta da falha. Chamo-lhe falha só por dizer - podia ser mais "geograficamente correc­to" e distribuir-me pelo país em peregrinações democráticas e igualitárias. Acontece que já tenho vícios entranhados, e não vale a pena fingir que ando na Volta a Portugal - gosto, portanto, de ir pelo Minho fora, pelo Minho dos meus desagrados (pai­sagem suburbana poluída como o resto do país, de­sordenada, arrasada às vezes) e pelo Minho que me encanta como um forasteiro embevecido, dando atenção ao recorte das árvores, ao verde do Verão, à paisagem abrigando o crepúsculo ou aqueles frag­mentos de costa marítima desenhados para um filme em busca de argumento.

Nessa matéria, argu­mentos não me faltam. Além do mais porque toda essa conversa me abre o apetite. Dito isto, entrei, campo fora, na pequena estradinha que leva a Moreira de Cónegos, porque sou cami­liano e tenho horas de almoço - disposto a visitar o São Gião, uma vasta e discreta casa mesmo diante do pequeno estádio do Moreirense (fica a indicação mais precisa, portanto), o que nem sempre me traz boas recordações. O maravilhamento começa à entrada, ao ver a luxuosa garrafeira climatizada que alberga um dos orgulhos da casa, como santa trans­portada debaixo do pálio - os leitores perdoarão a imagem, mas era dia de procissão numa aldeia pró­xima: cerca de quinze verdes distintos, quatro dezenas e meia de brancos portugueses, e um número a rondar os trezentos tintos bem escolhidos e para todos os gostos, incluindo uma secção de vi­nhos estrangeiros onde, se não escolho os dois Vega Sicília presentes, hei-de colher três chilenos de eleição e um italiano clássico. Mas os portugueses bastam.

Enquanto pensava nos novos vinhos que vêm da Argentina, do Chile e dos vinhedos de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, nada despre­záveis, vi que estávamos, à mesa, diante de um patê de santola, de um pratinho de pimentos 'padrón' e de uma alheira de caça e um salmão que, como os outros fumados do São Gião, são preparados na casa, que tem bom espaço para isso. Mas poderíamos ter escolhido um patê de fígado de ganso (o que eu gosto de eufemismos!) com molho de amora, um presunto bísaro, 'carpaccio' de boi, uma terrina de polvo, chouriço de mel, míscaros grelhados (que bons seriam), um peito de pato fumado ou mesmo ovos mexidos com espinafres, míscaros e gambas. Adiante. Adiante pelo peixe-galo com saladas, pelo 'risotto' de gambas, pelo bacalhau na brasa, pela massa fresca com gambas ou pelo polvo grelhado ou em filetes, servido com feijão-frade, além de outros peixes grelhados.

Sendo exemplar o cabrito no forno do São Gião bem como as suas tripas com feijão ou o capão assado, além do arroz de caracóis, a ementa de Verão é igual­mente supimpa: tem um cachaço de porco preto com molho de frutos secos, uma perdiz estufada, rabo de touro, uma pintada estufada com legumes e uvas, um saborosíssimo entrecosto de boi (tão raro de encontrar hoje em dia), os bifinhos de veado e a lista segue. O lombinho de cordeiro grelhado, com um suculento e apetitoso gratinado de cogumelos, estava generoso, perfumado e pedindo para ser comido. A empada de carnes variadas, com o embrulho gentil de massa, muito, muito boa - com aplauso. E o peito de pato grelhado com molho de vinagrete leva a designação de "superlativo" - deixou-me reduzido ao silêncio. Mas havia sobremesas: semifrios (de três chocolates, de avelãs, de amêndoas, de framboesa e de chocolate), além de um 'demi-cuit' com gelado de tangerina (um 'petit gateau' perfeito) e das canilhas com leite creme (uns canudinhos folhados muito próximos dos 'canolli' italianos), um 'strudel' (saltitante e crocante) com abundantes pinhões. E, honra lhe seja reservada, um pudim Abade de Priscos muito saboroso, rescendendo a excelente colesterol. Senti-me incapaz de ficar mais tempo. As vinhas, em redor, brilhavam. O céu pedia a palavra "esplendor". É pena, não é?

À Lupa
Vinhos: * * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * * *

Garrafeira
Vinhos Tintos: 300
Vinhos Brancos: 50
Vinhos Verdes: 15
Portos & Madeiras: 20
Uísques: 24
Aguardentes & Conhaques: 30

Outros dados
Charutos: Sim
Estacionamento: Fácil
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Não
Reserva: Aconselhável ao fim-de-semana
Preço médio: 30 Euros
Cartões: MB, V, D, M, AM

SÃO GIÃO
R. Comendador loaquim de Almeida Freitas
Moreira de Cónegos
Tel: 253.561853
Encerra domingos ao jantar e à segunda-feira

in Revista Notícias Sábado – 12 Agosto 2006