Árvores da minha vida
Enquanto não chega Novembro, os jantares no Vidago Palace merecem uma lambrança, sobretudo quando está bom tempo: ao longo da sua esplanada, as mesas com velas recebem-nos para outro filme.
Inaugurado em 1910, na transição para a República, o Palace é uma herança do velho regime, com o mito das 365 janelas das suas fachadas, os seus interiores, as suas visitas ilustres – e as suas termas. Já conheci o Vidago Palace em várias fases, desde a da paragem no tempo até à da derrocada iminente. Redescobri-o recentemente a expensas próprias, procurando refúgio, e pareceu-me um dos lugares mais perfeitos para repousar e para emigrar para outros tempos. De certa maneira, regressei à adolescência – aos seus parques, às suas árvores, às sombras de Julho e Agosto, às caminhadas por entre cedros (que, conforme à literatura, teriam de ser frondosos), às noites na sua belíssima esplanada, aos passeios pelas serras ou nas margens da piscina (azulíssima, profunda).
Passear em redor desse edifício centenário lembra-me sempre ligeiras valsas, hotéis termais onde há aquela suavidade temperamental do isolamento – o que são coisas de outros tempos, certamente. Por isso tenho uma relação especial com o Vidago e as suas sombras, as árvores da minha vida.
A actual proprietária, a Unicer, vai proceder a grandes remodelações, certamente necessárias. Senti o quê? Pânico, confesso. É trauma pessoal, mania de conservador. Durante dois anos, certamente mais, e a partir de Novembro próximo, o Palace encerra as suas portas como um museu desse romantismo tardio dos bosques do Vidago. Siza Vieira será o responsável pelo projecto e, bem-humorado em redor dos receios pelo fim das árvores do lugar (manifestados aqui e ali – e por mim, entretanto) mandou dizer (numa reportagem do “Público”): “Diga que vou dar cabo daquilo tudo.” É humor, Siza, é humor. Mas deixe-me que lhe diga: eu gosto daquelas árvores. Nada a fazer, desculpe a minha insensibilidade.
Enquanto não chega Novembro, os jantares no Vidago Palace merecem uma lembrança, sobretudo em estando bom tempo: ao longo da sua esplanada, as mesas com velas recebem-nos para outro filme, sem mencionar ainda o salão nobre, ecoando, grandioso. Ementa rigorosa e simples, de bom gosto. Para abrir, três sopas: um creme de cigalas com tomate ‘concassé’, e azeite de crustáceos, além de um ‘consommé’ de espargos verdes com ‘tortellini’ de lavagante e um creme frio de tomate verde com tártaro de atum, nata ácida e um ligeiríssimo toque de caviar (pudera, que é ‘avruga’). Perfeito. Nas entradas, para quem dispensa o exotismo destas propostas, recomendo o ‘carpaccio’ de vitela barrosã, na companhia de parmesão (com cogumelos e vinagrete de wasabi) ou os rolinhos de espargos grelhados, com queijo chèvre e o perfume da base de moscatel com uvas pretas, se bem que a lista se alongue através de um “estaladiço de rabo de boi, legumes em escabeche e pêra bêbeda”, de um atum com foie gras e framboesa, de ‘ravioli’ de choco (‘nero’) fritos com manteiga e caviar, ou de uma salada de lavagante com verduras. Nos peixes, robalo com crosta de pastel de bacalhau e risotto de azeitona e tomate seco, um bacalhau ‘confit’ com puré de grão e vegetais, uma dourada no pão (saída do forno), os peixes do dia e um arroz de polvo com vinho tinto e coentros. Fica para a próxima esse bacalhau, que hei-de experimentar. Já quanto às carnes, apresentação triunfal de um ‘carré’ de borrego com cuscuz, passagem de um peito de pombo com foie grãs e
risotto de cogumelos selvagens com grelos crocantes, além da naturalíssima posta de vitela Barrosã, com batata a murro e couve regional (a penca de Chaves) salteada. Há ainda um leitão bísaro (não sei se mesmo de Vinhais) mas o meu apetite também me condena ao arroz de costela mindinha com cogumelos, humedecido, guloso.
Faço notar ainda da sobremesa, a hipótese de uma boa carta de chás (com 10 escolhas distribuídas pela China, Índia, Japão, Taiwan e Sri Lanka). Vão bem depois de, entre outras propostas, uma torta de abóbora com gelado de queijo fresco e molho de mel e nozes ou um ‘fondant’ de chocolate branco com
gelado de chocolate amargo, e molho de caril e um pouco de coco. As almas vegetarianas podem escolher uma ementa muito apreciável (creme de espinafres, bife de ‘tofu’ com cogumelos ‘shitaki’ e ‘chao min’ de legumes, por exemplo) e as crianças têm menu próprio e aceitável.
É isto o paraíso. Eu passava um mês assim. Com árvores à minha frente, naturalmente.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * * *
Decoração: * * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * * *
Ruído da sala: * * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos Tintos: 63
Vinhos Brancos: 25
Vinhos Verdes: 8
Portos & Madeiras: 26
Uísques: 15
Aguardentes & Conhaques: 12
Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Muito fácil
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Sim
Reserva: Aconselhável ao fim-de-semana de Verão
Preço médio: 35 Euros
VIDAGO PALACE RESORT
Parque de Vidago
5425-307 Vidago
Tel: 276.990900
in Revista Notícias Sábado – 26 Agosto 2006
Inaugurado em 1910, na transição para a República, o Palace é uma herança do velho regime, com o mito das 365 janelas das suas fachadas, os seus interiores, as suas visitas ilustres – e as suas termas. Já conheci o Vidago Palace em várias fases, desde a da paragem no tempo até à da derrocada iminente. Redescobri-o recentemente a expensas próprias, procurando refúgio, e pareceu-me um dos lugares mais perfeitos para repousar e para emigrar para outros tempos. De certa maneira, regressei à adolescência – aos seus parques, às suas árvores, às sombras de Julho e Agosto, às caminhadas por entre cedros (que, conforme à literatura, teriam de ser frondosos), às noites na sua belíssima esplanada, aos passeios pelas serras ou nas margens da piscina (azulíssima, profunda).
Passear em redor desse edifício centenário lembra-me sempre ligeiras valsas, hotéis termais onde há aquela suavidade temperamental do isolamento – o que são coisas de outros tempos, certamente. Por isso tenho uma relação especial com o Vidago e as suas sombras, as árvores da minha vida.
A actual proprietária, a Unicer, vai proceder a grandes remodelações, certamente necessárias. Senti o quê? Pânico, confesso. É trauma pessoal, mania de conservador. Durante dois anos, certamente mais, e a partir de Novembro próximo, o Palace encerra as suas portas como um museu desse romantismo tardio dos bosques do Vidago. Siza Vieira será o responsável pelo projecto e, bem-humorado em redor dos receios pelo fim das árvores do lugar (manifestados aqui e ali – e por mim, entretanto) mandou dizer (numa reportagem do “Público”): “Diga que vou dar cabo daquilo tudo.” É humor, Siza, é humor. Mas deixe-me que lhe diga: eu gosto daquelas árvores. Nada a fazer, desculpe a minha insensibilidade.
Enquanto não chega Novembro, os jantares no Vidago Palace merecem uma lembrança, sobretudo em estando bom tempo: ao longo da sua esplanada, as mesas com velas recebem-nos para outro filme, sem mencionar ainda o salão nobre, ecoando, grandioso. Ementa rigorosa e simples, de bom gosto. Para abrir, três sopas: um creme de cigalas com tomate ‘concassé’, e azeite de crustáceos, além de um ‘consommé’ de espargos verdes com ‘tortellini’ de lavagante e um creme frio de tomate verde com tártaro de atum, nata ácida e um ligeiríssimo toque de caviar (pudera, que é ‘avruga’). Perfeito. Nas entradas, para quem dispensa o exotismo destas propostas, recomendo o ‘carpaccio’ de vitela barrosã, na companhia de parmesão (com cogumelos e vinagrete de wasabi) ou os rolinhos de espargos grelhados, com queijo chèvre e o perfume da base de moscatel com uvas pretas, se bem que a lista se alongue através de um “estaladiço de rabo de boi, legumes em escabeche e pêra bêbeda”, de um atum com foie gras e framboesa, de ‘ravioli’ de choco (‘nero’) fritos com manteiga e caviar, ou de uma salada de lavagante com verduras. Nos peixes, robalo com crosta de pastel de bacalhau e risotto de azeitona e tomate seco, um bacalhau ‘confit’ com puré de grão e vegetais, uma dourada no pão (saída do forno), os peixes do dia e um arroz de polvo com vinho tinto e coentros. Fica para a próxima esse bacalhau, que hei-de experimentar. Já quanto às carnes, apresentação triunfal de um ‘carré’ de borrego com cuscuz, passagem de um peito de pombo com foie grãs e
risotto de cogumelos selvagens com grelos crocantes, além da naturalíssima posta de vitela Barrosã, com batata a murro e couve regional (a penca de Chaves) salteada. Há ainda um leitão bísaro (não sei se mesmo de Vinhais) mas o meu apetite também me condena ao arroz de costela mindinha com cogumelos, humedecido, guloso.
Faço notar ainda da sobremesa, a hipótese de uma boa carta de chás (com 10 escolhas distribuídas pela China, Índia, Japão, Taiwan e Sri Lanka). Vão bem depois de, entre outras propostas, uma torta de abóbora com gelado de queijo fresco e molho de mel e nozes ou um ‘fondant’ de chocolate branco com
gelado de chocolate amargo, e molho de caril e um pouco de coco. As almas vegetarianas podem escolher uma ementa muito apreciável (creme de espinafres, bife de ‘tofu’ com cogumelos ‘shitaki’ e ‘chao min’ de legumes, por exemplo) e as crianças têm menu próprio e aceitável.
É isto o paraíso. Eu passava um mês assim. Com árvores à minha frente, naturalmente.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * * *
Decoração: * * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * * *
Ruído da sala: * * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos Tintos: 63
Vinhos Brancos: 25
Vinhos Verdes: 8
Portos & Madeiras: 26
Uísques: 15
Aguardentes & Conhaques: 12
Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Muito fácil
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Sim
Reserva: Aconselhável ao fim-de-semana de Verão
Preço médio: 35 Euros
VIDAGO PALACE RESORT
Parque de Vidago
5425-307 Vidago
Tel: 276.990900
in Revista Notícias Sábado – 26 Agosto 2006
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