Um ano mesmo novo
Portugal precisa de um presidente. Jorge Sampaio cumpriu razoavelmente a tarefa. Muitas vezes me manifestei contra as suas iniciativas e, na rapidez do contra-ataque, posso ter sido injusto; é a vida. De outras vezes, o actual presidente pôs-se a jeito. Coisas de feitio. Infelizmente, foram demasiadas vezes.
Eu compreendo-o. Não é por estar a despedir-se do cargo, mas eu compreendo-o. O Mundo seria muito melhor se fosse diferente, se houvesse melhores políticos, se houvesse mais compreensão e mais orçamento para governar com simpatia. Infelizmente, o nosso Mundo é este e, pior ainda, Portugal é isto. Jorge Sampaio aprendeu que o país era isto. Ouviu bastante, durante estes dez anos - um país queixoso, pobre, erguendo a cabeça, tentando ultrapassar-se a si próprio. Ouvimo-lo bastante, protestando contra isto, contra o país, "a cepa torta", o "imobilismo" - esse lado comovido e afectuoso fê-lo várias vezes cair em erros lamentáveis. Devemos ao presidente da República um respeito sério e atento, mas devemos-lhe críticas severas enquanto cidadãos. Porque ele não é a nossa bandeira. Não é o avô que nos protege das adversidades. Não é a voz consoladora que desculpa erros e deslizes. Um presidente deve ser uma garantia, mais do que um símbolo. Para símbolos bastam-nos a bandeira, o hino, os Jerónimos, a serra da Malcata, a ilha do Corvo, o dicionário da Língua ou o que o nosso afecto nos ditar. Um presidente deve ser fonte de energia, mais do que um risco de alarme permanente ou um homem relativamente amável.
2006 não será um ano particularmente diferente para a nossa vida. Mas pode ser um ano de mudança. A palavra mágica da "retoma" vai ser utilizada vezes sem conta. E, felizmente, a palavra "auto-estima" pode ser retirada da circulação. Os portugueses não têm problemas de auto-estima. Têm, antes, problemas com a vida. Só assim se compreende o seu permanente desejo de tragédia e de euforia.
Mudar isso supõe que este país queixoso, pobre, que ergue a cabeça de vez em quando, que não é um pântano nem o oásis de alegrias para as nossas vidas, seja mais exigente consigo próprio. Não é uma boa mensagem para 2006; nos últimos dois anos, Portugal sobrevoou as grandes questões, viveu de ressentimentos e de fugas. Mas sobrevoou também as pequenas questões, muito mais importantes para a nossa vida, desde o sistema de avaliação do Ensino Secundário, que deve ser mais rigoroso e exigente, até à forma como se permite uma escandalosa promiscuidade entre cargos públicos e políticos e interesses privados. Mudar alguma coisa em 2006 implica fazer escolhas difíceis e abandonar preconceitos que se têm revelado funestos do ponto de vista prático e desastrosos para as apostas do futuro, na Economia, na Educação, na Justiça e no comportamento dos cidadãos. Ser exigente é difícil. Acarreta uma disciplina para todos nós. Mas, sem isso, não há maneira de sair da "cepa torta", expressão tão do agrado de Jorge Sampaio.
2. O dr. Mário Soares, a quem devemos várias coisas importantes, porque somos pessoas com memória e porque conhecemos a palavra gratidão, está indignado com a Imprensa. Indignado com Imprensa e surpreendido com o país, porque o país, miseravelmente, não compreende nem o alcance das suas propostas eleitorais nem a sofisticação das suas queixas. A verdade é que o candidato do PS não tem grandes propostas, limitando-se a ser o principal foco de crispação e de vitimização. É uma atitude relativamente inútil. Mas alguém o devia ter avisado sobre a verdadeira natureza dos valores republicanos não há privilégios para ninguém.
Jornal de Notícias - 5 de Janeiro 2006
Eu compreendo-o. Não é por estar a despedir-se do cargo, mas eu compreendo-o. O Mundo seria muito melhor se fosse diferente, se houvesse melhores políticos, se houvesse mais compreensão e mais orçamento para governar com simpatia. Infelizmente, o nosso Mundo é este e, pior ainda, Portugal é isto. Jorge Sampaio aprendeu que o país era isto. Ouviu bastante, durante estes dez anos - um país queixoso, pobre, erguendo a cabeça, tentando ultrapassar-se a si próprio. Ouvimo-lo bastante, protestando contra isto, contra o país, "a cepa torta", o "imobilismo" - esse lado comovido e afectuoso fê-lo várias vezes cair em erros lamentáveis. Devemos ao presidente da República um respeito sério e atento, mas devemos-lhe críticas severas enquanto cidadãos. Porque ele não é a nossa bandeira. Não é o avô que nos protege das adversidades. Não é a voz consoladora que desculpa erros e deslizes. Um presidente deve ser uma garantia, mais do que um símbolo. Para símbolos bastam-nos a bandeira, o hino, os Jerónimos, a serra da Malcata, a ilha do Corvo, o dicionário da Língua ou o que o nosso afecto nos ditar. Um presidente deve ser fonte de energia, mais do que um risco de alarme permanente ou um homem relativamente amável.
2006 não será um ano particularmente diferente para a nossa vida. Mas pode ser um ano de mudança. A palavra mágica da "retoma" vai ser utilizada vezes sem conta. E, felizmente, a palavra "auto-estima" pode ser retirada da circulação. Os portugueses não têm problemas de auto-estima. Têm, antes, problemas com a vida. Só assim se compreende o seu permanente desejo de tragédia e de euforia.
Mudar isso supõe que este país queixoso, pobre, que ergue a cabeça de vez em quando, que não é um pântano nem o oásis de alegrias para as nossas vidas, seja mais exigente consigo próprio. Não é uma boa mensagem para 2006; nos últimos dois anos, Portugal sobrevoou as grandes questões, viveu de ressentimentos e de fugas. Mas sobrevoou também as pequenas questões, muito mais importantes para a nossa vida, desde o sistema de avaliação do Ensino Secundário, que deve ser mais rigoroso e exigente, até à forma como se permite uma escandalosa promiscuidade entre cargos públicos e políticos e interesses privados. Mudar alguma coisa em 2006 implica fazer escolhas difíceis e abandonar preconceitos que se têm revelado funestos do ponto de vista prático e desastrosos para as apostas do futuro, na Economia, na Educação, na Justiça e no comportamento dos cidadãos. Ser exigente é difícil. Acarreta uma disciplina para todos nós. Mas, sem isso, não há maneira de sair da "cepa torta", expressão tão do agrado de Jorge Sampaio.
2. O dr. Mário Soares, a quem devemos várias coisas importantes, porque somos pessoas com memória e porque conhecemos a palavra gratidão, está indignado com a Imprensa. Indignado com Imprensa e surpreendido com o país, porque o país, miseravelmente, não compreende nem o alcance das suas propostas eleitorais nem a sofisticação das suas queixas. A verdade é que o candidato do PS não tem grandes propostas, limitando-se a ser o principal foco de crispação e de vitimização. É uma atitude relativamente inútil. Mas alguém o devia ter avisado sobre a verdadeira natureza dos valores republicanos não há privilégios para ninguém.
Jornal de Notícias - 5 de Janeiro 2006
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