Mais um mês
Não sei se se deram conta mas o derradeiro debate televisivo entre dois candidatos ocorreu anteontem e ainda estamos a um mês das eleições. O que significa, mais coisa menos coisa, que ainda teremos tempo suficiente para todo o género de demagogia.
Ora, dois a três meses de demagogia são um excesso para os eleitores. Se imaginarmos, por um minuto que seja, que existe a possibilidade de haver uma segunda volta, teremos ainda mais tempo inútil. Ora, o país merece férias.
A verdade é que, desde há cinco anos estamos a viver em ciclos eleitorais incompletos e a assistir a demissões sucessivas de responsáveis políticos. Isso devia ter-nos vacinado contra malabarismos. Mas não. Normalmente, não valeria a pena recordar as desculpas esfarrapadas de Guterres acerca do "pântano" em que "isto" se transformou, mas a circunstância é excepcional. "Isto" era o pobre país, aquele cenário idílico de telemóveis para todos e de férias no Algarve; espero que se lembrem deste desenho feito pelo próprio primeiro-ministro de então, a anteceder o verdadeiro pântano em que "isto" se transformou. Depois, o curto e incompleto ciclo de Durão Barroso que saltou para o "comboio europeu" mal ele passou à porta; não duvido que tenha sido uma boa promoção na carreira de um político profissional, mas o problema é que Durão julgava que lhe bastava entregar "isto" a um político tão inconsequente como malabarista, para que a sua consciência repousasse no limbo dos heróis. Erro. O presidente da República também errou, ao não convocar eleições antecipadas logo na primeira hora. Nem vale a pena inventariar mais argumentos. A soma de incidentes absurdos, de pequenos fenómenos marginais, de trapalhadas incontroláveis, à mistura com o ressentimento geral, e a falta de um líder capaz de clarificar, dirigir e escapar à maldição das sondagens e das primeiras páginas, fez o resto, e o cenário devia ter servido para que alguém aprendesse alguma coisa. Perante isto, só um político absolutamente indigente seria capaz de perder eleições contra Santana Lopes cheio de gripe, agasalhado e rodeado das suas próprias inabilidades. Sócrates não fez senão o esperado não prometeu, não ameaçou agir, não apareceu para reacender os ressentimentos. Fez o que lhe mandava a intuição política do momento; os eleitores queriam normalidade e o regresso à vidinha. Eles tinham esse direito. O direito à vidinha é inalienável.
Resumir os últimos anos portugueses desta maneira anedótica pode ser redutor. Mas a verdade é que os últimos anos foram anedóticos, inconsistentes, perdidos no meio da poeira. Fracturas importantes vieram dividir o país não em relação a escolhas que o país tivesse de fazer para si mesmo, mas acerca da América, de política internacional e do Iraque. Quando Sócrates e os eleitores que lhe deram a maioria de Fevereiro abriram o livro, as surpresas começaram afinal, havia mais vida para lá do défice, sim, mas era preciso combatê-lo. E, ao contrário do que pensam os iluminados do regime, o problema da auto-estima não é mental nem psicológico: tem a ver, antes, com dinheiro no bolso e com essa coisa mesquinha que é libertar a sociedade deste ciclo de vaidades do regime.
As presidenciais são, já que não está em causa a liberdade, nem a democracia, a oportunidade para devolver o país a si mesmo. Devolver o país às suas tarefas e às suas necessidades. O programa pode não ser luminoso ou cheio de glamour, mas há momentos assim. Nada que nos envergonhe.
Jornal de Notícias - 22 Dezembro 2005
Ora, dois a três meses de demagogia são um excesso para os eleitores. Se imaginarmos, por um minuto que seja, que existe a possibilidade de haver uma segunda volta, teremos ainda mais tempo inútil. Ora, o país merece férias.
A verdade é que, desde há cinco anos estamos a viver em ciclos eleitorais incompletos e a assistir a demissões sucessivas de responsáveis políticos. Isso devia ter-nos vacinado contra malabarismos. Mas não. Normalmente, não valeria a pena recordar as desculpas esfarrapadas de Guterres acerca do "pântano" em que "isto" se transformou, mas a circunstância é excepcional. "Isto" era o pobre país, aquele cenário idílico de telemóveis para todos e de férias no Algarve; espero que se lembrem deste desenho feito pelo próprio primeiro-ministro de então, a anteceder o verdadeiro pântano em que "isto" se transformou. Depois, o curto e incompleto ciclo de Durão Barroso que saltou para o "comboio europeu" mal ele passou à porta; não duvido que tenha sido uma boa promoção na carreira de um político profissional, mas o problema é que Durão julgava que lhe bastava entregar "isto" a um político tão inconsequente como malabarista, para que a sua consciência repousasse no limbo dos heróis. Erro. O presidente da República também errou, ao não convocar eleições antecipadas logo na primeira hora. Nem vale a pena inventariar mais argumentos. A soma de incidentes absurdos, de pequenos fenómenos marginais, de trapalhadas incontroláveis, à mistura com o ressentimento geral, e a falta de um líder capaz de clarificar, dirigir e escapar à maldição das sondagens e das primeiras páginas, fez o resto, e o cenário devia ter servido para que alguém aprendesse alguma coisa. Perante isto, só um político absolutamente indigente seria capaz de perder eleições contra Santana Lopes cheio de gripe, agasalhado e rodeado das suas próprias inabilidades. Sócrates não fez senão o esperado não prometeu, não ameaçou agir, não apareceu para reacender os ressentimentos. Fez o que lhe mandava a intuição política do momento; os eleitores queriam normalidade e o regresso à vidinha. Eles tinham esse direito. O direito à vidinha é inalienável.
Resumir os últimos anos portugueses desta maneira anedótica pode ser redutor. Mas a verdade é que os últimos anos foram anedóticos, inconsistentes, perdidos no meio da poeira. Fracturas importantes vieram dividir o país não em relação a escolhas que o país tivesse de fazer para si mesmo, mas acerca da América, de política internacional e do Iraque. Quando Sócrates e os eleitores que lhe deram a maioria de Fevereiro abriram o livro, as surpresas começaram afinal, havia mais vida para lá do défice, sim, mas era preciso combatê-lo. E, ao contrário do que pensam os iluminados do regime, o problema da auto-estima não é mental nem psicológico: tem a ver, antes, com dinheiro no bolso e com essa coisa mesquinha que é libertar a sociedade deste ciclo de vaidades do regime.
As presidenciais são, já que não está em causa a liberdade, nem a democracia, a oportunidade para devolver o país a si mesmo. Devolver o país às suas tarefas e às suas necessidades. O programa pode não ser luminoso ou cheio de glamour, mas há momentos assim. Nada que nos envergonhe.
Jornal de Notícias - 22 Dezembro 2005
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