América Van Gogh
Não há, ao contrário do que se esperava, grandes lições a tirar das eleições norte-americanas. O dado mais importante a reter é, para já, a vantagem indesmentível de George W. Bush no chamado "voto popular".
Mas, de entre os derrotados, há a considerar a Imprensa - e a ideia de que tem todo o poder e toda a autoridade do seu lado. Pode continuar a reivindicar a autoridade, mas o seu poder sofreu um duro revés. A verdade é que isso não tem significado substancial; a opinião da Imprensa não tem de ir a votos ou de sujeitar-se a sondagens, como se sabe - os seus editoriais não são "referendáveis" e essa é a vantagem da Imprensa livre. O problema é quando a Imprensa acredita na prevalência do seu voto sobre o voto dos eleitores.
Que os jornais do Mundo inteiro - sobretudo da Europa - assumissem, com uma clareza total, o seu apoio ao senador John Kerry não causa grande espanto. Seria excessivo pedir-lhes contenção e até imparcialidade depois de, ao longo dos últimos dois anos, a generalidade da Imprensa ter demonizado George W. Bush e ter desenhado do presidente americano uma caricatura pouco recomendável. Muitas vezes, uma caricatura irresponsável e apenas anedótica (sustentada por propaganda da mais básica, por lugares-comuns e banalidades); de outras, no entanto, houve um retrato de Bush assente em argumentos mais do que em ressentimentos. Só assim se compreende que órgãos de Imprensa como a "The Economist" ou o "Financial Times" tivessem assumido o apoio à candidatura de John Kerry.
Na base desses apoios estão questões de consciência, matéria política e, também, preconceitos - absurdos ou não. E uma ideia de qual "devia ser" o papel da América no Mundo. Essas tomadas de posição são admissíveis, evidentemente. O Mundo transformou-se num imenso laboratório de especialistas em "questões americanas" que puderam expor os seus ódios à América, o seu tradicional antiamericanismo e todo o género de ideias racistas.
Kerry seria, por princípio, um bom presidente americano para esta Europa. Seria um presidente mais cooperativo em termos atlânticos, mostraria uma face menos arrogante ou menos belicista (embora a política para o Médio Oriente não se alterasse) e é também provável que diminuísse o ressentimento contra a América. Seria, por outro lado, um presidente mais proteccionista em matéria económica e mais hesitante em matéria de segurança. A sua vitória seria festejada por democratas, liberais e pessoas decentes - e por muitos inimigos da liberdade. Uma contradição insolúvel. Mas eu não sou americano. Não votei nos EUA.
Espero apenas que os jornais portugueses que assumiram claramente a defesa de Kerry se sintam obrigados a fazer o mesmo às vésperas das próximas eleições gerais no seu país.
O cineasta holandês Théo Van Gogh foi assassinado numa rua de Amesterdão, a capital onde vive grande parte do milhão de muçulmanos na Holanda (cerca de 5,5% da população). Van Gogh e a sua mulher, etíope, já tinham recebido ameaças de morte. Ele era o realizador de uma curta-metragem sobre a violência exercida sobre as mulheres no Islão e em nome do Islão. As "fatwas" do Islão radical não conhecem fronteiras e a sua condenação não expira senão num banho de sangue. Van Gogh não é a primeira vítima do fundamentalismo; há milhões de vítimas dos imãs radicais e do Alcorão lido letra a letra. Mas o nojo profundo que me inspira o papel do marroquino que defendeu o Islão a tiros e facadas só encontra paralelo naqueles que, ainda ontem, encontraram justificação ou argumentos para contemporizar com o crime. Parece que Bush também é culpado disto.
Jornal de Notícias - 4 de Novembro de 2004
Mas, de entre os derrotados, há a considerar a Imprensa - e a ideia de que tem todo o poder e toda a autoridade do seu lado. Pode continuar a reivindicar a autoridade, mas o seu poder sofreu um duro revés. A verdade é que isso não tem significado substancial; a opinião da Imprensa não tem de ir a votos ou de sujeitar-se a sondagens, como se sabe - os seus editoriais não são "referendáveis" e essa é a vantagem da Imprensa livre. O problema é quando a Imprensa acredita na prevalência do seu voto sobre o voto dos eleitores.
Que os jornais do Mundo inteiro - sobretudo da Europa - assumissem, com uma clareza total, o seu apoio ao senador John Kerry não causa grande espanto. Seria excessivo pedir-lhes contenção e até imparcialidade depois de, ao longo dos últimos dois anos, a generalidade da Imprensa ter demonizado George W. Bush e ter desenhado do presidente americano uma caricatura pouco recomendável. Muitas vezes, uma caricatura irresponsável e apenas anedótica (sustentada por propaganda da mais básica, por lugares-comuns e banalidades); de outras, no entanto, houve um retrato de Bush assente em argumentos mais do que em ressentimentos. Só assim se compreende que órgãos de Imprensa como a "The Economist" ou o "Financial Times" tivessem assumido o apoio à candidatura de John Kerry.
Na base desses apoios estão questões de consciência, matéria política e, também, preconceitos - absurdos ou não. E uma ideia de qual "devia ser" o papel da América no Mundo. Essas tomadas de posição são admissíveis, evidentemente. O Mundo transformou-se num imenso laboratório de especialistas em "questões americanas" que puderam expor os seus ódios à América, o seu tradicional antiamericanismo e todo o género de ideias racistas.
Kerry seria, por princípio, um bom presidente americano para esta Europa. Seria um presidente mais cooperativo em termos atlânticos, mostraria uma face menos arrogante ou menos belicista (embora a política para o Médio Oriente não se alterasse) e é também provável que diminuísse o ressentimento contra a América. Seria, por outro lado, um presidente mais proteccionista em matéria económica e mais hesitante em matéria de segurança. A sua vitória seria festejada por democratas, liberais e pessoas decentes - e por muitos inimigos da liberdade. Uma contradição insolúvel. Mas eu não sou americano. Não votei nos EUA.
Espero apenas que os jornais portugueses que assumiram claramente a defesa de Kerry se sintam obrigados a fazer o mesmo às vésperas das próximas eleições gerais no seu país.
O cineasta holandês Théo Van Gogh foi assassinado numa rua de Amesterdão, a capital onde vive grande parte do milhão de muçulmanos na Holanda (cerca de 5,5% da população). Van Gogh e a sua mulher, etíope, já tinham recebido ameaças de morte. Ele era o realizador de uma curta-metragem sobre a violência exercida sobre as mulheres no Islão e em nome do Islão. As "fatwas" do Islão radical não conhecem fronteiras e a sua condenação não expira senão num banho de sangue. Van Gogh não é a primeira vítima do fundamentalismo; há milhões de vítimas dos imãs radicais e do Alcorão lido letra a letra. Mas o nojo profundo que me inspira o papel do marroquino que defendeu o Islão a tiros e facadas só encontra paralelo naqueles que, ainda ontem, encontraram justificação ou argumentos para contemporizar com o crime. Parece que Bush também é culpado disto.
Jornal de Notícias - 4 de Novembro de 2004
<< Home