Mais uma trapalhada
Parece que o problema das colocações de professores é, de acordo com a melhor das investigações, informática. Todos estamos habituados a essa resposta. A gente vai a um banco e não pode fazer esta ou aquela operação; motivo: "o sistema" não funciona. Na "sociedade de informação", eufemismo criado para designar um mundo onde a circulação de dados se faz pelas redes informáticas (em princípio, acessíveis a toda a gente com um computador), os dados não circulam na rede informática. O absurdo da frase não invalida que a ideia esteja certa. Problema português. O "sistema" é o inimigo número um da própria sociedade - ou seja, das pessoas reais, uma categoria em desaparecimento acelerado, para vantagem das pessoas virtuais, aquelas de quem o Estado gosta de falar, e para quem gosta de falar.
Já perdi um avião por causa do sistema, e deixei de enviar uma crónica para este bom jornal por causa "do sistema". O "sistema" é inimigo das pessoas.
Num mundo em que os grandes sistemas informáticos permitem o cruzamento de dados, a vigilância de pessoas e de bens, arquivo de informações e nomes, há empresas portuguesas capazes de listar - num minuto - mais de um milhão de nomes relacionados com o consumo de detergentes domésticos ou de automóveis importados. Toda a gente sabe que é assim. Em pouco tempo, podemos saber quantos portugueses se deslocam ao estrangeiro, quantos votam regularmente (tarefa cada vez mais fácil, aliás, tendo em conta o crescimento da abstenção), quantos estão no desemprego e quantos são do Benfica. Só uma coisa os computadores não estão aptos ou preparados para fazer: determinar onde são colocados milhares de professores.
O facto de o ano lectivo começar com uma ou duas semanas de atraso é grave, embora não adquira foros de escândalo ou de hecatombe - tirando os problemas para as famílias, evidentemente, que deviam ser ponderados sempre em primeiro lugar. Não haver, até agora, uma explicação inteiramente satisfatória para o fenómeno é ainda mais grave. E é mais uma trapalhada. Esta clara incompetência devia ser castigada e servir de exemplo. Mas o facto de os professores não terem sido colocados é, a todos os títulos, quase vergonhoso. Não se compreende que "o sistema" falhe a este ponto e deixe milhares de cidadãos, de quem o Estado e a sociedade precisam, sem resposta nem informações.
Ora, o que se conclui (e se confirma) é que o Estado é naturalmente incompetente. No Ministério da Educação, existe uma renovável capacidade de evidenciar essa qualidade incontestável. Cada ministro que entra tem, em primeiro lugar, de negociar com uma vasta lista de interesses, lóbis, aptidões, ideias gerais, pedagogos e pedagogas (que cresceram na frustração de verem que o Mundo não gosta deles), e burocratas que, da Avenida 5 de Outubro, se foram transformando em proprietários das escolas e da educação públicas. Não há nada a fazer. Quem enfrenta esse pelotão está, naturalmente, fuzilado.
Uma ideia é, naturalmente, a de transferir para as escolas, com concursos transparentes, vigiados e públicos, a responsabilidade pela colocação e captação de professores. Não me parece uma coisa estapafúrdia. Pelo contrário, seria benéfico para a qualidade de ensino e para a vida dos professores, sem mencionar o mais importante - para os alunos.
Mas isso significa tirar uma boa parte do negócio aos cavalheiros da Informática (que não funciona) do Ministério da Educação, não é? Deus nos livre de ter a dra. Teixeira e o dr. Sucena de acordo.
Jornal de Notícias - 23 de Setembro de 2004
Já perdi um avião por causa do sistema, e deixei de enviar uma crónica para este bom jornal por causa "do sistema". O "sistema" é inimigo das pessoas.
Num mundo em que os grandes sistemas informáticos permitem o cruzamento de dados, a vigilância de pessoas e de bens, arquivo de informações e nomes, há empresas portuguesas capazes de listar - num minuto - mais de um milhão de nomes relacionados com o consumo de detergentes domésticos ou de automóveis importados. Toda a gente sabe que é assim. Em pouco tempo, podemos saber quantos portugueses se deslocam ao estrangeiro, quantos votam regularmente (tarefa cada vez mais fácil, aliás, tendo em conta o crescimento da abstenção), quantos estão no desemprego e quantos são do Benfica. Só uma coisa os computadores não estão aptos ou preparados para fazer: determinar onde são colocados milhares de professores.
O facto de o ano lectivo começar com uma ou duas semanas de atraso é grave, embora não adquira foros de escândalo ou de hecatombe - tirando os problemas para as famílias, evidentemente, que deviam ser ponderados sempre em primeiro lugar. Não haver, até agora, uma explicação inteiramente satisfatória para o fenómeno é ainda mais grave. E é mais uma trapalhada. Esta clara incompetência devia ser castigada e servir de exemplo. Mas o facto de os professores não terem sido colocados é, a todos os títulos, quase vergonhoso. Não se compreende que "o sistema" falhe a este ponto e deixe milhares de cidadãos, de quem o Estado e a sociedade precisam, sem resposta nem informações.
Ora, o que se conclui (e se confirma) é que o Estado é naturalmente incompetente. No Ministério da Educação, existe uma renovável capacidade de evidenciar essa qualidade incontestável. Cada ministro que entra tem, em primeiro lugar, de negociar com uma vasta lista de interesses, lóbis, aptidões, ideias gerais, pedagogos e pedagogas (que cresceram na frustração de verem que o Mundo não gosta deles), e burocratas que, da Avenida 5 de Outubro, se foram transformando em proprietários das escolas e da educação públicas. Não há nada a fazer. Quem enfrenta esse pelotão está, naturalmente, fuzilado.
Uma ideia é, naturalmente, a de transferir para as escolas, com concursos transparentes, vigiados e públicos, a responsabilidade pela colocação e captação de professores. Não me parece uma coisa estapafúrdia. Pelo contrário, seria benéfico para a qualidade de ensino e para a vida dos professores, sem mencionar o mais importante - para os alunos.
Mas isso significa tirar uma boa parte do negócio aos cavalheiros da Informática (que não funciona) do Ministério da Educação, não é? Deus nos livre de ter a dra. Teixeira e o dr. Sucena de acordo.
Jornal de Notícias - 23 de Setembro de 2004
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