outubro 07, 2004

Quanto valia Marcelo?

Discutem-se com convicção (coisa que se deve atribuir tanto à ingenuidade como à hipocrisia) as declarações do ministro dos Assuntos Parlamentares sobre o aborrecimento que era ter de suportar o solilóquio semanal do professor Marcelo na TVI - e, desde ontem, a demissão de Marcelo Rebelo de Sousa (MRS). Comecemos pelo princípio, pelo enfado do dr. Gomes da Silva. Eu imagino a impressão que causavam alguns dos 45 minutos de MRS (e mais uns cinco ou seis de Pacheco Pereira, na SIC). O engenheiro Guterres teve o mesmo problema, mas nunca se queixou. Eu, que sou insuspeito nessa matéria, sempre achei que Guterres não apreciava. Há muita gente que não aprecia, mas já se sabe que nem tudo são rosas.

O problema, segundo li nos jornais, é que MRS "destila ódio ao PSD" - e "tem um problema com o primeiro-ministro". Ora, acontece que há muita gente que tem ódio ao PSD e que julga que tem problemas com o primeiro-ministro. Eu não tenho ódio ao PSD nem tenho problemas com o primeiro-ministro. Sempre lhe disse o que pensava; acho que ele não aprecia, de vez em quando. Mas sempre fomos leais; não me queixo. É a vida. Andamos na vida - na vida política e na pobre vidinha - com esse destino: dar e levar.

Parece-me que, apesar de saber como são difíceis as coisas hoje em dia (e "como é difícil governar"), é pouco cortês pedir para calar todos os que têm problemas com o primeiro-ministro ou os que, por desequilíbrio emocional, têm ódio ao PSD. E há-de ser muito cansativo.

O senhor ministro acha, depois, que há necessidade de um "contraditório"; ou seja, de sentar diante de MRS (na TVI - e quem lhe pagaria?) um outro cavalheiro que responda ao próprio MRS. Suponho, na minha ingenuidade, que esse cavalheiro defenderia as opiniões do Governo. Parece-me um exagero. O senhor primeiro-ministro fala (alguns dirão que abundantemente) para os jornais e para as televisões, pode ir ao Parlamento defender as suas políticas, pode fazer comunicações ao país e, em última instância, pode telefonar ao professor Marcelo. Não vejo é necessidade de sugerir qualquer tipo de censura. Não vi o PSD queixar-se do professor Marcelo quando este era comentador da TSF uns minutos antes de assumir a liderança do partido (lembram-se?). Foi na TSF, aliás, que o professor Marcelo começou os seus "exames semanais", com notas e tudo - não sei se Cavaco Silva gostou sempre das suas análises, mas suponho que não; e, embora não gostasse muito da Imprensa, não se queixou. Tal como Guterres. Tal como Durão Barroso, depois.

Simplesmente, o professor Marcelo na televisão já é, em si mesmo, "o contraditório". Tão "contraditório" que a TVI sucumbiu e livrou-se dele. Admito que o Governo - ou parte dele, para sermos mais justos - não apreciasse os enormes 45 minutos do professor Marcelo, ao domingo. Era um excesso aquele tempo, sim. Mas a TVI conhecia o peso dos seus "entertainers" e o valor do seu público. Eu adivinho que era difícil, para o primeiro-ministro (que teve de debater com Sócrates, na RTP, ou de fazer comentários na SIC - aqui sem "contraditório"), ouvi-lo todos os domingos. Mas a vida é isto mesmo: dar e levar. Nem vejo outra maneira de vivermos em liberdade e com alguma decência.

Agora, senhor ministro, já não tem esse problema.

Mesmo sabendo o valor das suas estrelas e das suas audiências, a TVI avaliou melhor o que pesava nos pratos da balança e terminou com os 45 minutos de MRS. Suponho - e comigo muita gente - que um dos pratos era bem pesado. É a vida. Manda quem pode. Mas é um mau sinal, é um mau sinal.

Jornal de Notícias - 7 de Outubro de 2004