Viajar e comer em Dezembro
Um restaurante que evoca as nostalgias das grandes viagens de Verão é o que convém nesta entrada do Inverno.
A vida está cara. Nero Wolfe, o detective de Rex Stout, aquele imenso detective de 140 quilos cujas histórias são narradas pelo seu adjunto Archie Goodwin, acordou um dia com essa impressão: a vida está cara. Ele queria simular um estado transitório de loucura de modo a não ser detido pelo sargento Cramer, o detective-chefe da NYPD. "A vida está cara", murmurava ele, e enumerava os preços da cerveja, do pão, do faisão, do caviar, das ovas de sável, do esturjão inteiro que vinha do Cáspio. A vida está cara.
Muitas vezes apetece-me vestir a pele de Nero Wolfe (sou ligeiramente mais magro) e enumerar patetices caras. Por exemplo, não compreendo como é possível certos restaurantes serem tão caros como de facto são. Há restaurantes onde vamos uma, duas vezes por ano. Há outros onde gostamos de ir mais amiúde, e podemos. Mas não é legítimo acreditar que, digamos, uma família com rendimentos médios (médios, eu escrevi médios) possa frequentar os restaurantes do seu agrado com a frequência que também seria legítima. A vida está cara. Restaurante que ultrapasse os 15 euros de preço médio ainda não é restaurante com preços médios; os preços de um restaurante onde valha a pena ir (para ser bem servido, para comer razoavelmente, para que não lhe entornem estricnina nas ostras, para que não lhe sirvam 'sundaes' do McDonalds e para que suba um nadinha o padrão do dia-a-dia) começam na tabela dos 20 euros. O leitor que leve a família a um jantar de sábado, desses que começam na tabela dos 20 euros, e depois me conte como passa o resto do mês. Tenha coragem e escreva sobre o assunto. Escreva-me a mim e ao senhor primeiro-ministro, já agora. O leitor desculpará que eu diga estas coisas na abertura da quadra natalícia, porque a fila para as lojas e para o supermercado já está a engrossar.
E, para espairecer, nada melhor do que comer uns lombinhos de porco ibérico marinados em pimentão, ou um caril de camarão, ou uma cachupa, ou um polvo à bordalesa, ou uns fofíssimos sonhos de bacalhau com arroz de feijão, depois de uma entrada de farinheira com ovos mexidos. Tremeu alguma coisa aí, onde ficam as papilas? Ou mais acima, no cérebro? Ou mais abaixo, no estômago? Estes são os pratos principais do Maria Moranga, um novo restaurante lisboeta, ali paredes meias com a Calçada da Estrela e o caminho para as colinas que descem do Príncipe Real (é uma maneira de dizer).
Os tons do restaurante são muito acolhedores, em laranja, vermelho, madeiras, enfim, agradáveis à vista e ligeiramente africanos, pelo comprido, sem prometer cozinha de ultrapassagem pela esquerda. O caril de camarão é, de facto, muito bom, e os sonhos de bacalhau, como eu escrevi, são fofos, pataniscas suaves, com bacalhau verdadeiro - o arroz de feijão precisa de um caldo mais cremoso, mas até é muito aceitável no clima geral de incompetência que grassa nos nossos restaurantes quando se trata de servir os arrozes tradicionais (tomate, feijão, grelos, couve...).
A proposta é muito luso-tropicalista, de influências viajantes, entre Portugal e o Brasil (camarão na moranga, aboborinha, por exemplo, que terá de pedir com antecedência, ou picanha fatiada), entre Cuba e o Mediterrâneo (espetada de frango com cuscuz), entre Cabo Verde (a cachupa ficará para a próxima) e Portugal de novo (bacalhau com crosta de broa), passando pelo entrecote à parisiense, e até pelas bebidas, que apresentam a proposta de sangria e de caipirinha. Boa ideia, portanto, para nostálgicos dessas viagens - sem abdicar de uma cozinha saborosa e suculenta, que nunca é desajeitada nem deselegante. O petit gateau, formosura de chocolate, era muito acima do razoável, e as duas mousses da minha eleição (a de manga e de maracujá) estavam lá, ombreando com a de chocolate, muito boa. Lá iremos de novo. Com a família inteira.
À Lupa
Vinhos: * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 40
Vinhos brancos: 16
Portos & Madeiras: 8
Aguardentes portuguesas: 10
Uísques: 14
Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: difícil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: aconselhável ao jantar
Preço médio: 18 Euros
MARIA MORANGA
Rua Cruz de Poiais, 89
1200-001 Lisboa
Tel: 967 825 023
in Revista Notícias Sábado – 8 Dezembro 2007
A vida está cara. Nero Wolfe, o detective de Rex Stout, aquele imenso detective de 140 quilos cujas histórias são narradas pelo seu adjunto Archie Goodwin, acordou um dia com essa impressão: a vida está cara. Ele queria simular um estado transitório de loucura de modo a não ser detido pelo sargento Cramer, o detective-chefe da NYPD. "A vida está cara", murmurava ele, e enumerava os preços da cerveja, do pão, do faisão, do caviar, das ovas de sável, do esturjão inteiro que vinha do Cáspio. A vida está cara.
Muitas vezes apetece-me vestir a pele de Nero Wolfe (sou ligeiramente mais magro) e enumerar patetices caras. Por exemplo, não compreendo como é possível certos restaurantes serem tão caros como de facto são. Há restaurantes onde vamos uma, duas vezes por ano. Há outros onde gostamos de ir mais amiúde, e podemos. Mas não é legítimo acreditar que, digamos, uma família com rendimentos médios (médios, eu escrevi médios) possa frequentar os restaurantes do seu agrado com a frequência que também seria legítima. A vida está cara. Restaurante que ultrapasse os 15 euros de preço médio ainda não é restaurante com preços médios; os preços de um restaurante onde valha a pena ir (para ser bem servido, para comer razoavelmente, para que não lhe entornem estricnina nas ostras, para que não lhe sirvam 'sundaes' do McDonalds e para que suba um nadinha o padrão do dia-a-dia) começam na tabela dos 20 euros. O leitor que leve a família a um jantar de sábado, desses que começam na tabela dos 20 euros, e depois me conte como passa o resto do mês. Tenha coragem e escreva sobre o assunto. Escreva-me a mim e ao senhor primeiro-ministro, já agora. O leitor desculpará que eu diga estas coisas na abertura da quadra natalícia, porque a fila para as lojas e para o supermercado já está a engrossar.
E, para espairecer, nada melhor do que comer uns lombinhos de porco ibérico marinados em pimentão, ou um caril de camarão, ou uma cachupa, ou um polvo à bordalesa, ou uns fofíssimos sonhos de bacalhau com arroz de feijão, depois de uma entrada de farinheira com ovos mexidos. Tremeu alguma coisa aí, onde ficam as papilas? Ou mais acima, no cérebro? Ou mais abaixo, no estômago? Estes são os pratos principais do Maria Moranga, um novo restaurante lisboeta, ali paredes meias com a Calçada da Estrela e o caminho para as colinas que descem do Príncipe Real (é uma maneira de dizer).
Os tons do restaurante são muito acolhedores, em laranja, vermelho, madeiras, enfim, agradáveis à vista e ligeiramente africanos, pelo comprido, sem prometer cozinha de ultrapassagem pela esquerda. O caril de camarão é, de facto, muito bom, e os sonhos de bacalhau, como eu escrevi, são fofos, pataniscas suaves, com bacalhau verdadeiro - o arroz de feijão precisa de um caldo mais cremoso, mas até é muito aceitável no clima geral de incompetência que grassa nos nossos restaurantes quando se trata de servir os arrozes tradicionais (tomate, feijão, grelos, couve...).
A proposta é muito luso-tropicalista, de influências viajantes, entre Portugal e o Brasil (camarão na moranga, aboborinha, por exemplo, que terá de pedir com antecedência, ou picanha fatiada), entre Cuba e o Mediterrâneo (espetada de frango com cuscuz), entre Cabo Verde (a cachupa ficará para a próxima) e Portugal de novo (bacalhau com crosta de broa), passando pelo entrecote à parisiense, e até pelas bebidas, que apresentam a proposta de sangria e de caipirinha. Boa ideia, portanto, para nostálgicos dessas viagens - sem abdicar de uma cozinha saborosa e suculenta, que nunca é desajeitada nem deselegante. O petit gateau, formosura de chocolate, era muito acima do razoável, e as duas mousses da minha eleição (a de manga e de maracujá) estavam lá, ombreando com a de chocolate, muito boa. Lá iremos de novo. Com a família inteira.
À Lupa
Vinhos: * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 40
Vinhos brancos: 16
Portos & Madeiras: 8
Aguardentes portuguesas: 10
Uísques: 14
Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: difícil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: aconselhável ao jantar
Preço médio: 18 Euros
MARIA MORANGA
Rua Cruz de Poiais, 89
1200-001 Lisboa
Tel: 967 825 023
in Revista Notícias Sábado – 8 Dezembro 2007
Etiquetas: Restaurantes
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