novembro 12, 2007

Acordo ortográfico: talvez sim

Ouro Preto (em Minas Gerais, Brasil) até poderia ser o cenário ideal para falarmos do assunto: no fundo, a sede da primeira grande conspiração contra o domínio português e o palco onde foram expostos os restos mortais do supliciado Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, é uma cidade que mantém a memória desse cruzamento entre Portugal e o Brasil. Foi aí que decorreu mais um Fórum das Letras, e que contou com participações dos vários mundos da Língua Portuguesa, chegados de Portugal, do Brasil e de África. Em várias das mesas e debates que compuseram o encontro o tema (que não fazia parte da lista de assuntos para discussão) aparecia com a mesma volatilidade com que se escondia: deve, ou não, assinar-se um Acordo Ortográfico que unifique a grafia da Língua Portuguesa?

O debate sobre o assunto corre a várias velocidades e a ritmos diferentes. Geralmente, como tive oportunidade de referir num encontro no Rio de Janeiro, quando não há mais nada para discutir, discute-se o Acordo Ortográfico. Não é um assunto de primeira grandeza; mas é um elo diplomático e político no desconcerto linguístico.

A primeira sensação, vivida por escritores brasileiros ou portugueses tem a ver com a sensação, iniludível, de uma perda afectiva – o trema, as consoantes mudas, os acentos nas paroxítonas, o fim do acento agudo nos ditongos abertos, três novas consoantes adoptadas, mais um certo número de casos que mudarão a grafia aqui e ali.

Se no caso brasileiro só 0,45% das palavras mudarão de ortografia, o caso português acrescenta um pouco mais: menos de 3%, suponho. Diante dessa baixa percentagem de mudanças, qualquer posição soará como insignificante. Os políticos assumem que a Língua Portuguesa ficará “mais forte” e que essa unificação levará a uma maior credibilização no domínio internacional. Talvez seja um argumento pífio, mas convém desdramatizar: o essencial do português de Portugal e do português do Brasil não mudará substancialmente. Continuaremos a dizer “autocarro” quando os brasileiros escrevem e dizem “ônibus”, manteremos “talho” onde no Brasil se usa “açougue”. A Língua Portuguesa não sofrerá com isso. Os onze ou doze milhões de falantes europeus, os cento e oitenta milhões da América, e os cerca de vinte milhões de África terão, portanto, uma grafia idêntica. Passaremos a escrever “ação” em vez de “acção”. Os brasileiros deixarão de escrever “acadêmico” e tirarão o trema a “tranqüilo”.

Perder-se-á muito? Ganharemos em comunicabilidade? É legítima essa mudança? Ou seja: pode um grupo de linguistas, iluminados ou não (geralmente tenho dúvidas), decretar essa mudança?

Acontece que nós não somos donos da nossa língua. Ela é mais falada fora das nossas fronteiras do que em Portugal. Acontece que a maior parte das inovações, rasgos de originalidade e de criatividade que têm sido acrescentados à nossa Língua, têm chegado de fora – e do Brasil mais do que de outro lugar.

Infelizmente, chegámos a um momento, na história da nossa Língua, em que manter o fechamento e a inflexibilidade pode acabar por custar-nos caro no futuro (o Português é, actualmente, a quinta mais falada do mundo em termos absolutos – e a terceira no Ocidente, atrás do Inglês e do Espanhol). Certamente que perderemos uma parte da nossa “excentricidade” linguística; mas é muito provável que ganhemos alguma vantagem na uniformização do padrão linguístico ou ortográfico. Não é verdade que os “manuais escolares” e os “livros didácticos” passem a ser os mesmos nos três continentes – mas se abrirmos esse corredor de comunicação entre as diferentes formas de falar e de escrever o Português, talvez prolonguemos a sua vida e o horizonte da sua existência. Cedendo aqui, ganhando ali, empatando mais tarde.

in Jornal de Notícias – 12 Novembro 2007

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