junho 09, 2007

Delicadeza saborosa


O Bull & Bear, no Porto, tem agora um espaço para petiscos e pequenos pratos. E merece o nome e a fama.

Sabe o leitor o que são aquelas tardes de entre Maio e Junho, com uma ventania a descer ou a subir pela Avenida da Boavista? Eu sei. Recomendo-a para temperamentos românticos e para quem gosta de restaurantes protectores, agradáveis, conservadores, amenos, de boa comida. O apetite é uma incógnita, indeterminado como a vida humana, flutuante, sujeito a contrariedades e à maldição da alma. Claro que há pessoas mais positivas e optimistas para quem tudo se reduz a moléculas e substâncias, alquimias e matérias-primas. Oxalá eu fosse assim. Não sou. Um restaurante não é apenas um laboratório – é um também atrevimento, bem-estar, vozes ao fundo que evitam a sensação de se estar sozinho (quantas vezes, ó deuses), rumor de passarada nas varandas, ruídos de tachos, tilintar de copos. Tudo nos predispõe – e tudo nos indispõe. Basta querermos ou deixarmos.

Há uma certa magia a desprender-se dos restaurantes de que gostamos; somos quase sempre parciais nas nossas escolhas: basta um pormenor no bacalhau, uma gota de limão, uma fatia de queijo, e logo vêm à memória noutes gloriosas, perdições, conversas, repetições de sobremesa, coisas doces e amáveis. Um restaurante é isso. Também é isso, independentemente das estrelas no nosso Michelin pessoal (já vos disse como acho cretino o Michelin?), das preferências do mercado, da moda mais recente, da inovação tecnológica (ah, sim, as baixas temperaturas, os crudíveros, as essências florais), da decadência das papilas. E do desejo de saúde, essa pequena ignomínia que afecta já uns poucos de lugares, de Lisboa a Coimbra. Paremos por aqui. Tomemos um amigo, daqueles sérios amigos tão raros, e vamos jantar com ele, ao Bull & Bear, onde o Miguel Castro e Silva continua a ser uma referência para o estômago e para a mesa onde o apetite se senta connosco à mesa.

Desta vez, porém, não no restaurante propriamente dito, mas ao pequeno bar que funciona como entreposto de petiscos e pratinhos de prova. Hoje não estávamos para o robalo marinado com ervas frescas, nem para o magnífico bacalhau (cozinhado, sim, a baixa temperatura, sem ultrapassar os 80ºC) ou o magret de pato com risotto de cogumelos. Queríamos menos – mas que fosse bom. E foi. Começámos com um queijo de cabra cortado em cubos, com alcaparras e azeitonas, saboroso; passámos depois, lendo a ementa, pelo bacalhau à Braz, pela alheira grelhada com espinafres, pelos gnocchi com cogumelos, pelo peito de frango laminado em caril, pelo arroz de polvo, pela carne de porco confitada com migas de tomate, pela açorda de camarão e pela vitelinha com molho vilão servida com batatas salteadas – e fomos pelos ovos mexidos com alheira e espinafres, muito bons, seguindo-se o camarão com feijão branco, uma experiência para anotar, terminando com uma francesinha com lombinho de porco preto, marinado durante oito horas, absolutamente recomendável. Tudo vem em pequenas travessas e é servido por nós em pratinhos brancos; e vem tudo em condições, à temperatura ideal, acabado de cozinhar. Raro em petiscarias portuguesas. Havia ainda uma salada de atum com fejão frade e maçã, bacalhau com grão, queijo fresco com tomate e rúcola, salada de frango e empanada à espanhola.

Com isto, bebemos vinho a copo. Optámos por um Castello d’Alba, duriense, claro, que ficou pelos 2€, e que valeu o seu preço. Pode, claro, pedir-se a lista de vinhos, mas o cardápio de copos não é despiciendo. Vejamos. Nos brancos, um verde Quinta do Cais (2€), um Douro da Quinta da Covella (4,20€), Duque de Viseu (2,40€), Quinta do Cardo de 2005 e Vale de Calada (ambos a 4€), havendo um rosé (Herdade Grande, do Alentejo), e sendo estes os tintos: Castello d’Alba Unoaked (o nosso), Quinta de Cabriz 2004 (2,10€), Quinta do Valdoeiro 2001 (2,80€), Vale da Calada 2003 (2,80€). A flute de Veuve Clicquot Brut (9€) e o espumante Vértice Reserva Bruto (5,40€) também entram na lista.

Nas sobremesas (embora tivéssemos optado pelo pudim à Abade de Priscos), destaque para o sorvete de limão, para o creme de maçã e para o toucinho do céu ou o “bávaro” de framboesa. Bebemos, com a sobremesa, e antes do café, um Porto Vintage, embora houvesse dois moscatéis apreciáveis e, infelizmente, nenhum “late harvest” que estava a pedi-las. Depois: voltámos para a ventania, muito mais felizes. Excelente refeição.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * * *
Decoração: * * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * * *
Ar condicionado: * * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 140
Vinhos rosés: 2
Vinhos brancos: 60
Espumantes & Champanhes: 10
Aguardentes portuguesas: 8
Portos & Madeiras: 30
Uísques: 20
Cervejas: 5

Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: relativamente fácil
Levar crianças: não
Bengaleiro: sim
Área de não fumadores: sim
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 22 euros

BULL & BEAR - Bar & Petiscos
Av. Da Boavista, 3431
4149-017 Porto
Tel: 22.6107669
Encerra aos sábados ao almoço e aos domingos

in Revista Notícias Sábado – 9 Junho 2007

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