maio 28, 2007

Procedimento disciplinar

Sim, todos nós sabemos que o regime não cai por causa de uma directora regional da educação, por muitos bons acessos que ela possa ter junto do governo. O “caso Charrua” não pode ser tratado como uma tragédia; mas deve ser considerado um epifenómeno, um exemplo e um perigo. Independentemente dos resultados do “procedimento disciplinar” a que a Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) sujeitou o professor, há matéria para pensarmos no assunto.

Em primeiro lugar, dadas as circunstâncias, os resultados do inquérito devem ser tornados públicos na sua totalidade. A actual situação de “segredo disciplinar” tem permitido todo o género de suspeitas sobre o caso. O tipo de castigo aplicado, o modo de funcionamento da DREN (que neste caso se baseou na delação, na suspeita, na denúncia de situações de corredor, na perseguição política) e a reacção de responsáveis políticos do PS não auguram nada de bom. Além do mais, é suspeito e muito estranho que Alberto Martins (líder da bancada parlamentar do PS), por exemplo, tenha ficado calado durante o debate da AR. Ele, que defendeu a liberdade no regime anterior.

Para recordar aos leitores mais distraídos, o “JN” publicou na semana passada uma reacção de Renato Sampaio, em que este líder do PS-Porto achava o procedimento “absolutamente normal”. De igual modo, o coordenador dos deputados do PS na área da Educação achava que era “preciso fazer qualquer coisa quando os políticos são achincalhados na rua”e, nessa medida, não comentaria “processos disciplinares”. Esta posição comum a duas pobres almas que tentam agradar a quem promove inquéritos disciplinares tão obtusos, dá uma ideia do que pode acontecer a quem for, um dia, perseguido pelo poder político. Parece que não aprendemos nada com a história da censura, da arbitrariedade, da denúncia inquisitorial e da perseguição à liberdade de expressão. A estes cavalheiros não pediremos, certamente, ajuda nenhuma.

O caso parece dar razão ao velho “precaucionismo” português e à vantagem de estar caladinho e com juízo, ambas as coisas herdadas do salazarismo e do passado inquisitorial. Melhor que não desconfiem, melhor que não oiçam, melhor que não se achincalhe ninguém – com uma piada, uma graçola, uma anedota, uma alusão. Teriam assim razão aqueles que acham que “o perigo espreita” em cada palavra, sobretudo se ela pode ser escutada por funcionários que podem denunciar, delatar ou, pura e simplesmente, vingar-se.

Casos destes ocorrem frequentemente, mas a vantagem das democracias é que são denunciados à opinião pública e os seus responsáveis afastados e, nunca, defendidos – a não ser por pobres almas que acham tudo “absolutamente normal” ou temem que se “achincalhem” políticos na rua. Por que razão não devem ser defendidos esses procedimentos? Justamente, porque põem em perigo um dos pilares fundamentais das democracias liberais, que é o direito a não ser perseguido por delitos de opinião ou por motivos políticos.

Se a ministra da Educação, por quem tenho o maior respeito, o governo e o PS não se demarcam da decisão e dos métodos usados na DREN, estarão a dar um péssimo sinal aos portugueses. Não só pactuam com a actuação desastrada da directora da DREN (que, a acreditar no que vem publicado nos jornais, já publicamente fez piadas acerca da licenciatura do primeiro-ministro e estará, assim, sob a alçada de “procedimento” por ter “achincalhado” um político na rua), como incentivarão outros pequenos e medíocres ditadores de corredor a actuar com total impunidade.

Só uma nota final. Deixei, na altura, escrito o que pensava sobre a trapalhada que foi Santana Lopes enquanto primeiro-ministro. Sou, portanto, insuspeito. Mas, se isto acontecesse na época, já haveria manifestações de rua e declarações parlamentares a pedir a sua demissão. Façam as contas.

in Jornal de Notícias - 28 Maio 2007

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