maio 19, 2007

É só um campeonato

1. Que há-de uma pessoa dizer nesta altura? Que o campeonato acabou. Amanhã, ao fim da tarde, o campeonato acabou. Há-de haver gente a festejar dentro e fora do estádio, seja ele qual for. Há-de haver culpas e agradecimentos, alegrias e fanfarronadas, facadas nas costas e abraços leais, o costume nestas ocasiões.
Um campeonato que acaba desta maneira – limitado a uma luta na última jornada – é um bom campeonato. Com luta até ao fim. Com nervos à flor da pele, com injustiças para reparar e com uma justiça final absoluta, a única que interessa: o resultado no interior das quatro linhas. Chegados aqui, terminaram as guerras na política do futebol, pelo menos por uma semana ou duas. Será tempo de gerir feridas e de moderar entusiasmos. É só um campeonato. A vida é mais importante que o futebol. Mas uma vitória amanhã é a única coisa que se espera. Que há-de uma pessoa dizer nesta altura?

2. Tenho um leitor especial. Envia-me os recortes desta crónica com sublinhados, riscos, rabiscos, acusações e insultos. Aceito tudo, é a vida de quem acha que o futebol é só um jogo que, fora das quatro linhas, só vale a pena jogar desta maneira: com sentido de humor, com rispidez que se sabe (à partida) ser amigável. Mas é um leitor que me persegue, de qualquer modo. Acusa-me de coisas indecorosas: de receber dinheiro de Pinto da Costa, de ser indigno de ter a minha nacionalidade, de merecer o degredo, do que quiserem.
Sempre vivi o futebol com riso e bonomia, apesar dos leitores que me perseguem, crónica e crónica, e não compreendem o essencial: que é só um campeonato, que a vida é mais importante que o futebol. Não vale um insulto. Agradeço ao leitor anónimo. Quando escrever, daqui em diante, pensarei se estou a insultá-lo como ele merece, se estou a irritá-lo como ele quer, se ele rabisca por cima da minha crónica e me envia os recortes, com uma bela caligrafia irritada. É destas audiências que às vezes precisamos, gente que não compreende que é só um campeonato, que a vida é mais importante que o futebol.

3. Por isso, não peço desculpa de nada. Futebol é futebol. Guerra é guerra. Aceito os golpes com a mesma dignidade com que ofendo, registo as ofensas com a mesma atenção com que as escolho e escrevo. Às vezes exagero, mas é só futebol. Respeito os leitores – não finjo uma imparcialidade que não tenho, não imito a opinião dos equidistantes. Não sou equidistante: amanhã gostava de festejar. Mas, para isso, é preciso que alguma coisa mude “naquele jogo tremido”. Desta vez não haverá assobios no estádio, nem vaias – haja o que houver.

4. Mas, sinceramente, depois de amanhã a gente faz contas.

in Topo Norte - Jornal de Notícias - 19 Maio 2007

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