Sonho de uma noite de Verão
Cascais cozinhou bem. Depois, cozinhou para turistas, que tentava enganar. Agora, há uma pequena revolução. O 100 Maneiras é parte dela.
CASCAIS é uma das minhas tentações. Já foi mais. Já foi menos. Já gostei da vila ao longe, já gostei dela bem perto. A democracia fez-lhe bem, a democracia fez-lhe mal. Perdeu, infelizmente, o ar repenicado de vila aristocrata e independente de Lisboa, uma espécie de pequena república finória e elegante. Havia esse lado – mas havia, também, o lado que mais me agradava em Cascais: ter essa fama e ser, na verdade, outra coisa, mais madura, mais saudável e mais aberta ao mar, ao sol, ao céu da baía.
Durante anos, que me perdoem, havia apenas uma meia dúzia de restaurantes onde valia a pena ir e onde se era bem servido; o afluxo do "turismo de ónibus" transformou grande parte dos restaurantes de portas largas em fornecedora de refeições a peso; nessa altura, era preciso procurar de porta em porta, experimentar com o risco da própria vida para não comer gato por lebre (é uma maneira de dizer). Com o tempo, e com a experiência da massificação, Cascais aprendeu com os próprios erros e talvez recupere algum do seu ar arrebitado. Eu gosto desse ar arrebitado, se bem que já não seja possível retomar as histórias e as descrições de Maria Archer ou de Ramalho Ortigão.
Frequentemente vou pelo paredão do mar até à proximidade da vila, tal como há uns anos ia à Galileu comprar livros e passear pelas suas ruas de Inverno a abastecer-me de oxigénio. Também aqui a referência ao oxigénio passa por ser uma maneira de dizer. Esperando que Cascais tenha aprendido a lição, vou agora mais vezes à vila, sabendo que o tempo não pára (lamento entrar lá por aquela bifurcação que divide a marginal e nos empurra para a rotunda, mas não há nada a fazer), mas que o 100 Maneiras é parte dessa renovação gastronómica do lugar (onde há bons exemplos, quer de cozinha portuguesa, quer de experiências italianas ou orientais, por exemplo - de que falarei em breve). Cabe um lugar de honra a Ljubomir Stanisic, que comanda a cozinha e tem responsabilidade certa e séria no bom gosto do cardápio - e a José Avillez, que abriu o restaurante e lhe deu o conforto da sabedoria e da graça. Os restaurantes portugueses andam sem graça; o 100 Maneiras vai no sentido contrário.
A vista é bonita; a esplanada obriga-nos a arrecadar algumas das melhores imagens da baía da vila, do mar – e até a marina, ao longe, promete ser apetitosa, contanto que não faça barulho nem aburguese ainda mais o espaço em redor, enchendo-o de carros, de multidões e de "turismo de ónibus". Fica dito. Mas sentado a uma mesa do 100 Maneiras o que ocorre é que, ao contrário da tradição ligada à própria expressão do seu nome (100 Maneiras de Cozinhar Bacalhau, 100 Maneiras de Ser Feliz e de Enriquecer com Bons Negócios, 100 Maneiras de Fazer o Nó da Gravata, etc.), há no restaurante um tom minimalista que agrada: delicadeza, suavidade, a luz do mar. Em
tempos, tive vontade de sair do restaurante logo depois de provar um 'foie gras' de pato com uvas onde havia uma redução de vinho do Porto e maracujá: tamanha perfeição incomodava. Mas uma garfada no prato vizinho (maçã e Moscatel de Setúbal) mostrou-me que havia salvação para a humanidade. E voltei à mesa. Combati a delicadeza do 'risotto' de polvo, dos filetezinhos de carapau marinados (finíssimos, delicados), da perna de borrego assada, do robalo salteado com cogumelos e do lombo de bacalhau - excelentes. Isto e o mar. A carta de vinhos passou-me pêlos dedos, com amostras de boas escolhas.
Da próxima vez regresso para um menu de degustação completo - tenho a impressão de que o Verão me parecerá Outono, ainda mais romântico, ainda mais sensual. O bolo tépido de chocolate que deixei para provar depois, tal como o 'strudel' de maçã com gelado e espuma de baunilha aguardam-me, espero que na mesma mesa tranquila, onde se é atendido com a discrição que faz suspeitar uma pequena nódoa de felicidade. Todos temos direito a isso. Quem sabe, dormirei no Albatroz – uma vez não são vezes.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos Tintos: 110
Vinhos Brancos: 50
Portos & Madeiras: 21
Uísques: 30
Aguardentes & Conhaques: 26
Outros dados
Charutos: Sim
Estacionamento: Fácil (existe Parque próximo)
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Não
Reserva: Aconselhável
Preço médio: 45 Euros
Cartões: MB. V, D, M, AM
RESTAURANTE 100 MANEIRAS
Rua Fernandes Tomás 1
Hotel Villa Albatroz 2750-342 Cascais
Tel: 21 4835394
Encerra aos domingos ao jantar e às segundas
CASCAIS é uma das minhas tentações. Já foi mais. Já foi menos. Já gostei da vila ao longe, já gostei dela bem perto. A democracia fez-lhe bem, a democracia fez-lhe mal. Perdeu, infelizmente, o ar repenicado de vila aristocrata e independente de Lisboa, uma espécie de pequena república finória e elegante. Havia esse lado – mas havia, também, o lado que mais me agradava em Cascais: ter essa fama e ser, na verdade, outra coisa, mais madura, mais saudável e mais aberta ao mar, ao sol, ao céu da baía.
Durante anos, que me perdoem, havia apenas uma meia dúzia de restaurantes onde valia a pena ir e onde se era bem servido; o afluxo do "turismo de ónibus" transformou grande parte dos restaurantes de portas largas em fornecedora de refeições a peso; nessa altura, era preciso procurar de porta em porta, experimentar com o risco da própria vida para não comer gato por lebre (é uma maneira de dizer). Com o tempo, e com a experiência da massificação, Cascais aprendeu com os próprios erros e talvez recupere algum do seu ar arrebitado. Eu gosto desse ar arrebitado, se bem que já não seja possível retomar as histórias e as descrições de Maria Archer ou de Ramalho Ortigão.
Frequentemente vou pelo paredão do mar até à proximidade da vila, tal como há uns anos ia à Galileu comprar livros e passear pelas suas ruas de Inverno a abastecer-me de oxigénio. Também aqui a referência ao oxigénio passa por ser uma maneira de dizer. Esperando que Cascais tenha aprendido a lição, vou agora mais vezes à vila, sabendo que o tempo não pára (lamento entrar lá por aquela bifurcação que divide a marginal e nos empurra para a rotunda, mas não há nada a fazer), mas que o 100 Maneiras é parte dessa renovação gastronómica do lugar (onde há bons exemplos, quer de cozinha portuguesa, quer de experiências italianas ou orientais, por exemplo - de que falarei em breve). Cabe um lugar de honra a Ljubomir Stanisic, que comanda a cozinha e tem responsabilidade certa e séria no bom gosto do cardápio - e a José Avillez, que abriu o restaurante e lhe deu o conforto da sabedoria e da graça. Os restaurantes portugueses andam sem graça; o 100 Maneiras vai no sentido contrário.
A vista é bonita; a esplanada obriga-nos a arrecadar algumas das melhores imagens da baía da vila, do mar – e até a marina, ao longe, promete ser apetitosa, contanto que não faça barulho nem aburguese ainda mais o espaço em redor, enchendo-o de carros, de multidões e de "turismo de ónibus". Fica dito. Mas sentado a uma mesa do 100 Maneiras o que ocorre é que, ao contrário da tradição ligada à própria expressão do seu nome (100 Maneiras de Cozinhar Bacalhau, 100 Maneiras de Ser Feliz e de Enriquecer com Bons Negócios, 100 Maneiras de Fazer o Nó da Gravata, etc.), há no restaurante um tom minimalista que agrada: delicadeza, suavidade, a luz do mar. Em
tempos, tive vontade de sair do restaurante logo depois de provar um 'foie gras' de pato com uvas onde havia uma redução de vinho do Porto e maracujá: tamanha perfeição incomodava. Mas uma garfada no prato vizinho (maçã e Moscatel de Setúbal) mostrou-me que havia salvação para a humanidade. E voltei à mesa. Combati a delicadeza do 'risotto' de polvo, dos filetezinhos de carapau marinados (finíssimos, delicados), da perna de borrego assada, do robalo salteado com cogumelos e do lombo de bacalhau - excelentes. Isto e o mar. A carta de vinhos passou-me pêlos dedos, com amostras de boas escolhas.
Da próxima vez regresso para um menu de degustação completo - tenho a impressão de que o Verão me parecerá Outono, ainda mais romântico, ainda mais sensual. O bolo tépido de chocolate que deixei para provar depois, tal como o 'strudel' de maçã com gelado e espuma de baunilha aguardam-me, espero que na mesma mesa tranquila, onde se é atendido com a discrição que faz suspeitar uma pequena nódoa de felicidade. Todos temos direito a isso. Quem sabe, dormirei no Albatroz – uma vez não são vezes.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos Tintos: 110
Vinhos Brancos: 50
Portos & Madeiras: 21
Uísques: 30
Aguardentes & Conhaques: 26
Outros dados
Charutos: Sim
Estacionamento: Fácil (existe Parque próximo)
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Não
Reserva: Aconselhável
Preço médio: 45 Euros
Cartões: MB. V, D, M, AM
RESTAURANTE 100 MANEIRAS
Rua Fernandes Tomás 1
Hotel Villa Albatroz 2750-342 Cascais
Tel: 21 4835394
Encerra aos domingos ao jantar e às segundas
in Revista Notícias Sábado – 15 Julho 2006
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