O ressentimento. Espanha, o nosso patriotismo
1. Há ondas de ressentimento no ar. Tudo por causa do patriotismo e da “atitude que se deve ter diante da selecção”. Mesmo aquela pobre gente que não sabe distinguir um penalty de um ovo estrelado chama “treinadores manhosos” aos que se atrevem a discutir seja o que for, a pôr em causa uma decisão, a avaliar um jogo. É uma gentinha. O ressentimento por causa do patriotismo é o pior dos ressentimentos – a Pátria é uma entidade vaga que não vai a penaltis nem sabe o que é um fora de jogo. Luiz Felipe Scolari é um bom treinador, tem um campeonato do mundo, a copa Libertadores, a Intercontinental (quase tudo com o meu Grémio de Porto Alegre) – mas está habituado a levar. Em São Paulo, quando estava no Palmeiras, enfrentou a “torcida do Parque Antárctica” com eles no sítio; gostei. Em Porto Alegre estava em casa e acendia velas a Sto. António à vontade. Um teimoso gaúcho só se dá bem com teimosos gaúchos, de bigode, bombachas, botas e chimarrão. Coisa macha. Felipão é um teimoso gaúcho. Ele não se importa com insultos – precisa deles para dizer que é ele quem manda. Por isso, não se entende a treta do patriotismo desta gente. A gente quer que a selecção ganhe. Mas também queremos que ela nos encante, que nos maravilhe, para podermos atirar foguetes e gritar “Felipão!”, ou “Figo!”, ou “Portugaaale!” Não nos peçam menos. Lá estaremos diante do Irão, a insultar toda a gente, até aquele arremedo de “Maradona da Ásia”.
2. Toque de bola: a Espanha. Prazer de ver jogar os espanhóis – e não apenas pelos golos, mas pelo passe, pelo toque, pela facilidade com que dançavam diante dos ucranianos. A alegria vem com o retrato da vitória, é certo – mas não pela procura da “margem mínima”, essa desgraça do futebol moderno. Há muita gente que diz “assim é que é, os três pontos é que contam”. Têm razão, sim, era o estilo da Grécia; mas vive-se com muita azia.
3. Temos gente desta categoria e eu gosto: Costinha, Boa Morte. Também dá gosto ouvi-los falar das lições que recebem. A humildade fica bem a toda a gente – até a Figo, ontem, elogiando Scolari. A grandeza vê-se sempre, mesmo no meio da poeira.
in "Topo Norte", Jornal de Notícias - 15 Junho 2006
2. Toque de bola: a Espanha. Prazer de ver jogar os espanhóis – e não apenas pelos golos, mas pelo passe, pelo toque, pela facilidade com que dançavam diante dos ucranianos. A alegria vem com o retrato da vitória, é certo – mas não pela procura da “margem mínima”, essa desgraça do futebol moderno. Há muita gente que diz “assim é que é, os três pontos é que contam”. Têm razão, sim, era o estilo da Grécia; mas vive-se com muita azia.
3. Temos gente desta categoria e eu gosto: Costinha, Boa Morte. Também dá gosto ouvi-los falar das lições que recebem. A humildade fica bem a toda a gente – até a Figo, ontem, elogiando Scolari. A grandeza vê-se sempre, mesmo no meio da poeira.
in "Topo Norte", Jornal de Notícias - 15 Junho 2006
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