Ideias & propostas
Santana Lopes queixou-se amargamente, julgo que entre os seus pares e também publicamente (o que, num partido político, é rigorosamente a mesma coisa), de que é difícil apresentar novas propostas ao eleitorado. O ex-presidente Mário Soares pensa exactamente o contrário; declarando que discorda do programa do Bloco de Esquerda, acha, por pirraça e para pôr em sentido o secretário-geral do PS, que há ali uma vitalidade tremenda, que está cheio de propostas e de ideias.
Ora, no actual estado de coisas, ideias & propostas são coisas perigosas para ser deixadas na mão de um político. Então, multiplicadas por vários, essas ideias & propostas passam a ser matéria explosiva. Devia existir um instituto que vigiasse o comportamento de deputados e líderes políticos na posse de ideias & propostas. Elas são uma ameaça para o eleitorado.
Eu suponho, até, que os eleitores não querem muitas novidades. E têm razão. Até hoje, com excepção dos anos de Cavaco Silva, as coisas ficaram a meio. Na política fiscal, na reforma da Justiça e da Administração pública, na "reforma do ensino", na reorganização dos currículos escolares, no ordenamento do território e na política de ambiente, na nomeação das administrações hospitalares ou na mudança da lei sobre arrendamento - tudo tem ficado a meio.
Os governos têm agido consoante as pressões que aparecem na Imprensa e dependem da gritaria das corporações. A taxa de alcoolemia provoca polémica e as adegas estão em pé de guerra? Altera-se já, continuemos a beber nas auto-estradas. Há protestos por causa das scut? Muda-se a proposta. Os estudantes invadem a Reitoria e fecham a universidade a cadeado? Pois é preciso contemporizar, acatar o ruído. Os empresários acham que as ideias têm de ser liberais, mas o Estado tem de ser proteccionista? Força, estamos juntos. Mais exemplos? O ministro da Saúde acha que deve proibir o tabaco nos bares e restaurantes; é uma ideia, uma proposta; mas a medida é tão absurda entre nós que será desrespeitada; logo, a proposta vai a Conselho de Ministros, sim, mas para sair alterada. O que é feito da ideia & da proposta? O eleitorado não quer muitas novidades.
O eleitorado (essa massa excêntrica que aparece nas sondagens) aprendeu, com algum sofrimento, que deve ser desconfiado de cada vez que se fala em ideias novas e em propostas delirantes. Quer apenas saber com que linhas se cose; ou seja, como toda a gente crescida, quer ter uma vida normal. Planear a quatro ou cinco anos. Saber se tem de andar sempre a ler as actualizações ao código da estrada, por exemplo.
Santana e Sócrates, por feitio e necessidade, andam a prometer ao eleitorado mudanças e coisas originais. Está errado. A conta será sempre mais elevada. Os programas eleitorais deviam ser como a constituição americana um máximo de dez páginas curtas e poucas emendas. O resto, a gente entende, confia ou não confia, acha uma palermice ou não.
Outra das razões para haver alguma dificuldade em apresentar propostas inovadoras ao eleitorado é esta a catadupa de originalidades decretadas pelos governos, submetidos à pressão histérica dos media, só tem prejudicado as verdadeiras reformas do Estado e da Administração. Os governos têm vindo a comportar-se como as televisões em horário nobre - mudando a programação para causar burburinho e aumentar a audiência. Como se não se percebesse. De vez em quando, penso se não seria sensato votarmos em quem dissesse que não ia fazer grande coisa.
A abundância de promessas eleitorais inovadoras traduz uma esquizofrenia muito desagradável. Toda a gente quer a vidinha de volta, depois de Fevereiro. Portugal desceu aos infernos. Quer descansar desta pirotecnia e desta piroseira política. Há quem pense como eu, e ache que Sócrates, por exemplo, deve estar caladinho até ao dia das eleições. Neste momento, o calado é o melhor.
Jornal de Notícias, 20 de Janeiro de 2005
Ora, no actual estado de coisas, ideias & propostas são coisas perigosas para ser deixadas na mão de um político. Então, multiplicadas por vários, essas ideias & propostas passam a ser matéria explosiva. Devia existir um instituto que vigiasse o comportamento de deputados e líderes políticos na posse de ideias & propostas. Elas são uma ameaça para o eleitorado.
Eu suponho, até, que os eleitores não querem muitas novidades. E têm razão. Até hoje, com excepção dos anos de Cavaco Silva, as coisas ficaram a meio. Na política fiscal, na reforma da Justiça e da Administração pública, na "reforma do ensino", na reorganização dos currículos escolares, no ordenamento do território e na política de ambiente, na nomeação das administrações hospitalares ou na mudança da lei sobre arrendamento - tudo tem ficado a meio.
Os governos têm agido consoante as pressões que aparecem na Imprensa e dependem da gritaria das corporações. A taxa de alcoolemia provoca polémica e as adegas estão em pé de guerra? Altera-se já, continuemos a beber nas auto-estradas. Há protestos por causa das scut? Muda-se a proposta. Os estudantes invadem a Reitoria e fecham a universidade a cadeado? Pois é preciso contemporizar, acatar o ruído. Os empresários acham que as ideias têm de ser liberais, mas o Estado tem de ser proteccionista? Força, estamos juntos. Mais exemplos? O ministro da Saúde acha que deve proibir o tabaco nos bares e restaurantes; é uma ideia, uma proposta; mas a medida é tão absurda entre nós que será desrespeitada; logo, a proposta vai a Conselho de Ministros, sim, mas para sair alterada. O que é feito da ideia & da proposta? O eleitorado não quer muitas novidades.
O eleitorado (essa massa excêntrica que aparece nas sondagens) aprendeu, com algum sofrimento, que deve ser desconfiado de cada vez que se fala em ideias novas e em propostas delirantes. Quer apenas saber com que linhas se cose; ou seja, como toda a gente crescida, quer ter uma vida normal. Planear a quatro ou cinco anos. Saber se tem de andar sempre a ler as actualizações ao código da estrada, por exemplo.
Santana e Sócrates, por feitio e necessidade, andam a prometer ao eleitorado mudanças e coisas originais. Está errado. A conta será sempre mais elevada. Os programas eleitorais deviam ser como a constituição americana um máximo de dez páginas curtas e poucas emendas. O resto, a gente entende, confia ou não confia, acha uma palermice ou não.
Outra das razões para haver alguma dificuldade em apresentar propostas inovadoras ao eleitorado é esta a catadupa de originalidades decretadas pelos governos, submetidos à pressão histérica dos media, só tem prejudicado as verdadeiras reformas do Estado e da Administração. Os governos têm vindo a comportar-se como as televisões em horário nobre - mudando a programação para causar burburinho e aumentar a audiência. Como se não se percebesse. De vez em quando, penso se não seria sensato votarmos em quem dissesse que não ia fazer grande coisa.
A abundância de promessas eleitorais inovadoras traduz uma esquizofrenia muito desagradável. Toda a gente quer a vidinha de volta, depois de Fevereiro. Portugal desceu aos infernos. Quer descansar desta pirotecnia e desta piroseira política. Há quem pense como eu, e ache que Sócrates, por exemplo, deve estar caladinho até ao dia das eleições. Neste momento, o calado é o melhor.
Jornal de Notícias, 20 de Janeiro de 2005
<< Home