Os aeroportos
Eu gosto profundamente de aeroportos. Gosto muito de observar gente nos aeroportos - e de ficar sentado a espera de aviões. Gosto de horários de aeroporto. Daquele ruído de fundo, do voltear, de gente que parte e chega, de gente que pernoita nos aeroportos aguardando o primeiro voo da manhã. Gosto de gente que lê livros, sentada em cadeiras desconfortáveis ou apenas cadeiras de aeroporto - livros irreais, histórias fáceis, romancistas de segunda e terceira categoria. Gosto de gente que perde voos e que fica sentada esperando o próximo. Gosto da Music for Airports, de Brian Eno. Gosto de iPod nos aeroportos. Gosto de tabacarias onde se vendem jornais em línguas desconhecidas e de cidades sem geografia. Gosto de áreas de fumadores em aeroportos longínquos, de restaurantes banais, desproporcionados, sem decoração. Gosto daquela simpatia rara do check-in em companhias aéreas do Oriente. Gosto do som de cidades murmuradas nos altifalantes, como Denpasar, Darwin, Colombo, Guatemala, Anchorage, São Paulo, Helsínquia, Montevideu, Porto Alegre.
Os aeroportos atraem-me profundamente: gosto de escalas de três horas em aeroportos distantes do destine final. Gosto de livrarias e de cervejarias de aeroporto.Gosto da área de fumadores do aeroporto de Singapura, um jardim com piscina, rodeado de restaurantes, plantas exóticas, ventania que vem das pistas, o ar tépido e húmido, arrastado - e dos que esperam ali antes de embarcar para outro lugar desconhecido. Gosto das sanduíches de salmão com creme de queijo no Harrods do aeroporto de Lisboa. Gosto das livrarias LaSelva dos aeroportos brasileiros. Gosto da desordem selvagem de Madrid, em plena madrugada, quando chegam os voos da América Latina. Também gosto da madrugada do aeroporto de Amsterdão, ao chegarem os voos do Oriente. Gosto dos restaurantes, do de Frankfurt e das lojas de compotas e conservas de Heathrow. Gosto da simplicidade comovente e fria do de Keflavík, na Islândia. Gosto da sensação absoluta do fim do mundo anunciado em Gandem, na Terra Nova canadiana - e dos pântanos que se vêem do ar, em pleno crepúsculo.
Já passei noites em aeroportos vazios, como na Cidade da Guatemala. Já adormeci em aeroportos cheios de gente, embalado pela passagem de gente perdida ou apenas procurando um voo, um destino, uma cidade de painel electrónico, um mapa turístico de tabacaria, um jornal de há três dias.
E há essas coisas que se levam de aeroportos: revistas, roupa amarrotada, o cheiro de uma viagem por fazer, uma sanduíche que é igual em todo o lado, as promessas de amor contrariado, as juras de amor eterno, os últimos beijos, o primeiro beijo, o derradeiro abraço, lagrimas, um riso aberto, retratos de cidades invisíveis e que nunca existiram.
E a claridade tranquila do aeroporto do Funchal. O ruído de altitude quando se chega à Cidade do México. O jazz inaudível quando se atravessa a porta das chegadas em Nova Iorque, sobretudo em JFK. As melodias. A musica que é igual em todo o lado, os hits que se vendem nas lojas de discos, os centros de Internet onde todos navegam no Yahoo ou no Hotmail, as filas intermináveis do aeroporto de Jacarta. As escalas em Miami. O chão de pedra do de Estocolmo. A musica dos Madredeus na chegada ao Ben Gurion, de Telavive. Os pavilhões de madeira e tule em Belize City, depois de uma tempestade nos recifes. O aeroporto de Ushuaia, na Terra do Fogo, diante da Antárctida, com flocos de neve caindo sobre o canal Beagle - o que nos transporta para a imagem de Darwin à proa do seu navio. O de Oaxaca, no México, e a Canción Mixteca ouvida numa loja de mezcal, tocada por uma orquestra de marimbas. Os atrasos nos aeroportos de Cabo Verde. O ar sufocante na chegada a Moçambique, irrespirável. A tepidez desconfortável e os ruídos de baratas e de grilos em Bissau, na Guiné. O cheiro de fritos e o fumo dos autocarros diante do aeroporto de Abidjan, na Costa do Marfim. Um voo que parte numa madrugada de Outono austral, em Buenos Aires. O casal que fica sentado entre passageiros felizes enquanto se aproxima a hora de o avião de um deles partir para sempre. O rosto e o corpo de uma mulher vistos através do vidro de uma zona de partidas, aquele ponto de não-retomo, Os discman, o walkman. O Herald Tribune de fim-de-semana. As escovas de dentes descartáveis. As coisas que amamos de um aeroporto, um rosto visto através do vidro, as despedidas breves.
in Outro hemisfério – Revista Volta ao Mundo – Julho 2005
Os aeroportos atraem-me profundamente: gosto de escalas de três horas em aeroportos distantes do destine final. Gosto de livrarias e de cervejarias de aeroporto.Gosto da área de fumadores do aeroporto de Singapura, um jardim com piscina, rodeado de restaurantes, plantas exóticas, ventania que vem das pistas, o ar tépido e húmido, arrastado - e dos que esperam ali antes de embarcar para outro lugar desconhecido. Gosto das sanduíches de salmão com creme de queijo no Harrods do aeroporto de Lisboa. Gosto das livrarias LaSelva dos aeroportos brasileiros. Gosto da desordem selvagem de Madrid, em plena madrugada, quando chegam os voos da América Latina. Também gosto da madrugada do aeroporto de Amsterdão, ao chegarem os voos do Oriente. Gosto dos restaurantes, do de Frankfurt e das lojas de compotas e conservas de Heathrow. Gosto da simplicidade comovente e fria do de Keflavík, na Islândia. Gosto da sensação absoluta do fim do mundo anunciado em Gandem, na Terra Nova canadiana - e dos pântanos que se vêem do ar, em pleno crepúsculo.
Já passei noites em aeroportos vazios, como na Cidade da Guatemala. Já adormeci em aeroportos cheios de gente, embalado pela passagem de gente perdida ou apenas procurando um voo, um destino, uma cidade de painel electrónico, um mapa turístico de tabacaria, um jornal de há três dias.
E há essas coisas que se levam de aeroportos: revistas, roupa amarrotada, o cheiro de uma viagem por fazer, uma sanduíche que é igual em todo o lado, as promessas de amor contrariado, as juras de amor eterno, os últimos beijos, o primeiro beijo, o derradeiro abraço, lagrimas, um riso aberto, retratos de cidades invisíveis e que nunca existiram.
E a claridade tranquila do aeroporto do Funchal. O ruído de altitude quando se chega à Cidade do México. O jazz inaudível quando se atravessa a porta das chegadas em Nova Iorque, sobretudo em JFK. As melodias. A musica que é igual em todo o lado, os hits que se vendem nas lojas de discos, os centros de Internet onde todos navegam no Yahoo ou no Hotmail, as filas intermináveis do aeroporto de Jacarta. As escalas em Miami. O chão de pedra do de Estocolmo. A musica dos Madredeus na chegada ao Ben Gurion, de Telavive. Os pavilhões de madeira e tule em Belize City, depois de uma tempestade nos recifes. O aeroporto de Ushuaia, na Terra do Fogo, diante da Antárctida, com flocos de neve caindo sobre o canal Beagle - o que nos transporta para a imagem de Darwin à proa do seu navio. O de Oaxaca, no México, e a Canción Mixteca ouvida numa loja de mezcal, tocada por uma orquestra de marimbas. Os atrasos nos aeroportos de Cabo Verde. O ar sufocante na chegada a Moçambique, irrespirável. A tepidez desconfortável e os ruídos de baratas e de grilos em Bissau, na Guiné. O cheiro de fritos e o fumo dos autocarros diante do aeroporto de Abidjan, na Costa do Marfim. Um voo que parte numa madrugada de Outono austral, em Buenos Aires. O casal que fica sentado entre passageiros felizes enquanto se aproxima a hora de o avião de um deles partir para sempre. O rosto e o corpo de uma mulher vistos através do vidro de uma zona de partidas, aquele ponto de não-retomo, Os discman, o walkman. O Herald Tribune de fim-de-semana. As escovas de dentes descartáveis. As coisas que amamos de um aeroporto, um rosto visto através do vidro, as despedidas breves.
in Outro hemisfério – Revista Volta ao Mundo – Julho 2005
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