Livrarias, essas ilhas de sossego
A mais bela biblioteca que conheço é a Athenaum, em Providence, nos Estados Unidos. A preferência não tem a ver com o espaço arquitectónico, com o acervo de livros, com a grandiosidade — que, aliás, não tem. A Athenaum era a biblioteca de Edgar Allan Poe, que a procurava para, nas horas de tristeza, se refugiar na leitura e na sombra das estantes de madeira, num dos recantos do corredor do segundo andar. Há outro motivo, eu sei: a Athenaum (que é uma das primeiras bibliotecas americanas) não depende de subvenções públicas, do apoio do Estado ou da generosidade dos políticos – sobrevive graças ao entusiasmo dos seus membros, que pagam uma quota anual que permite fazer dela uma das mais fascinantes bibliotecas do mundo.
Mas não era de bibliotecas que eu gostaria de falar — embora, em viagem, eu visite algumas por curiosidade e por prazer e, até, por necessidade. Desta vez, lembro um dos locais que sempre procuro em cada viagem: as livrarias.
O jornal inglês The Guardian elaborou, no princípio do ano, a lista das dez mais belas livrarias de todo o mundo. Quase todas merecem visita, como a Selexyz Dominicanen, em Maastricht, na Holanda - instalada na grande nave de uma igreja dominicana. Em segundo lugar, evidentemente, a grandiosa e belíssima Ateneo, uma das minhas livrarias de eleição, em Buenos Aires, a meio da Avenida Santa Fe, instalada num antigo teatro, cuja plateia, palco, camarotes e tribunas mantiveram o esplendor de glória dos seus dourados e veludos, mas agora atravessados de estantes onde se circula livremente à procura de um romance, de um livro de versos, de um guia de viagem. A lista tem preciosidades como a Secret Headquarters, em Hollywood; a maravilhosa Borders, em Glasgow, instalada num edifício monumental; a minúscula Scrathin, em Cromford, no Derbyshire inglês, muito campestre, numa casa de campo, praticamente; a Posada, em Bruxelas, paredes-meias com a Igreja de Santa Madalena, num dos mais encantadores percursos históricos da capital belga; a fantástica Pêndulo, na Cidade do México, onde me perdi várias vezes entre livros, plantas, aromas de café, conversas com os seus excelentes livreiros. Estão também na lista a Hatchards, de Londres, e a Keibunsya, em Tóquio.
Omiti deliberadamente a Livraria Lello, do Porto, que o jornal classifica em terceiro lugar na lista – com as suas escadarias monumentais, os seus tapetes e estantes, a sua tranquilidade, o seu magnífico fundo editorial e a gentileza do seu atendimento. A presença portuguesa nessa lista apenas nos honra e devia emprestar-nos um pouco de orgulho e de entusiasmo no gosto por livrarias.
Geralmente, perco-me em várias delas, em Madrid, Nova Iorque, Dublin (a inesquecível Books Upstairs), Casablanca, Buenos Aires, São Paulo (a Cultura), Jerusalém, Londres, ou no Rio de Janeiro, onde (além dos alfarrabistas do Flamengo) sou cliente certo da Livraria da Travessa, em Ipanema – que além de possuir um catálogo surpreendente, tem um restaurante que funciona, praticamente, como meu escritório. Almoço, janto e marco lá os meus encontros e reuniões para aquelas mesas civilizadas e de excelente cozinha.
Costumo dizer que viajar é ganhar sempre uma nova identidade, coisa que se consegue entrando nos mercados e cafés de bairro das cidades que se visitam, comprando os jornais locais - e visitando as suas livrarias. São expositores de um país, uma espécie de exemplo de como nós seríamos se lêssemos os livros que ali se lêem. Experimente. Mesmo que não saiba a língua local, um livro nunca faz mal. •
in Outro Hemisfério - Revista Volta ao Mundo - Março 2008
Mas não era de bibliotecas que eu gostaria de falar — embora, em viagem, eu visite algumas por curiosidade e por prazer e, até, por necessidade. Desta vez, lembro um dos locais que sempre procuro em cada viagem: as livrarias.
O jornal inglês The Guardian elaborou, no princípio do ano, a lista das dez mais belas livrarias de todo o mundo. Quase todas merecem visita, como a Selexyz Dominicanen, em Maastricht, na Holanda - instalada na grande nave de uma igreja dominicana. Em segundo lugar, evidentemente, a grandiosa e belíssima Ateneo, uma das minhas livrarias de eleição, em Buenos Aires, a meio da Avenida Santa Fe, instalada num antigo teatro, cuja plateia, palco, camarotes e tribunas mantiveram o esplendor de glória dos seus dourados e veludos, mas agora atravessados de estantes onde se circula livremente à procura de um romance, de um livro de versos, de um guia de viagem. A lista tem preciosidades como a Secret Headquarters, em Hollywood; a maravilhosa Borders, em Glasgow, instalada num edifício monumental; a minúscula Scrathin, em Cromford, no Derbyshire inglês, muito campestre, numa casa de campo, praticamente; a Posada, em Bruxelas, paredes-meias com a Igreja de Santa Madalena, num dos mais encantadores percursos históricos da capital belga; a fantástica Pêndulo, na Cidade do México, onde me perdi várias vezes entre livros, plantas, aromas de café, conversas com os seus excelentes livreiros. Estão também na lista a Hatchards, de Londres, e a Keibunsya, em Tóquio.
Omiti deliberadamente a Livraria Lello, do Porto, que o jornal classifica em terceiro lugar na lista – com as suas escadarias monumentais, os seus tapetes e estantes, a sua tranquilidade, o seu magnífico fundo editorial e a gentileza do seu atendimento. A presença portuguesa nessa lista apenas nos honra e devia emprestar-nos um pouco de orgulho e de entusiasmo no gosto por livrarias.
Geralmente, perco-me em várias delas, em Madrid, Nova Iorque, Dublin (a inesquecível Books Upstairs), Casablanca, Buenos Aires, São Paulo (a Cultura), Jerusalém, Londres, ou no Rio de Janeiro, onde (além dos alfarrabistas do Flamengo) sou cliente certo da Livraria da Travessa, em Ipanema – que além de possuir um catálogo surpreendente, tem um restaurante que funciona, praticamente, como meu escritório. Almoço, janto e marco lá os meus encontros e reuniões para aquelas mesas civilizadas e de excelente cozinha.
Costumo dizer que viajar é ganhar sempre uma nova identidade, coisa que se consegue entrando nos mercados e cafés de bairro das cidades que se visitam, comprando os jornais locais - e visitando as suas livrarias. São expositores de um país, uma espécie de exemplo de como nós seríamos se lêssemos os livros que ali se lêem. Experimente. Mesmo que não saiba a língua local, um livro nunca faz mal. •
in Outro Hemisfério - Revista Volta ao Mundo - Março 2008
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