novembro 28, 2008

Blog # 235

O chamado índice de confiança dos consumidores (de nós todos), segundo o Instituto Nacional de Estatística, baixou para um mínimo histórico. A culpa não é do governo: é de nós, que não confiamos o suficiente na presciência das autoridades ou nas promessas de desenvolvimento trazidas pelo computador Magalhães. Os consumidores (nós todos) acham que se entrou num período de crise. Há quem, em relação a isso, tome providências. Veja-se o caso do director de informação da Lusa, que parece ter proibido a palavra "estagnação" (referida à situação económica) nos despachos da agência noticiosa. Ele está certo. Não se utilizando a palavra, não se usa o conceito. Não se usando o conceito, não se pensa no assunto. Não se pensando no assunto, ele deixa de existir. É de génio. Simplex.

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A tradução, directamente do russo, é de António Pescada – e merece estar nas nossas estantes: acaba de sair, em capa dura, a nova e cuidadíssima edição de 'Doutor Jivago', de Boris Pasternak (edição Sextante). Um clássico imprescindível.

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FRASES

"O divórcio de facto entre José Sá Fernandes e o BE estava inscrito no código genético da união." José Medeiros Ferreira, no blogue Bicho Carpinteiro.

"Pessoa é a literatura. Não há maior nem melhor. Ele inventou a literatura." Mariano Deidda, músico italiano, ontem no CM.

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novembro 27, 2008

Blog # 234

A imprensa de ontem deu conta de mais embrulhadas no "caso BPN". As ramificações alargam-se e as suspeitas aumentam. Evidentemente que se trata de suspeitas e de factos que ainda não foram provados por nenhum tribunal – mas dão uma ideia de como funciona a rede de negócios de um banco desta natureza. A mistura de dinheiro e política é explosiva, sobretudo quando o dinheiro começa a faltar e a política é um simulacro. Tudo soa a falso, desde a vigilância do Banco de Portugal até aos compromissos éticos de um conselheiro de Estado. Basta ver a lista de figuras envolvidas para perceber que o famoso "centrão" vive desta liga de interesses e de negócios. É grave quando chegamos a este patamar: o de desejar que as coisas não sejam verdade. É esse o problema do Presidente.

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"Um Homem Muito Procurado", de John Le Carré (Dom Quixote) tem aquela marca – a do génio, uma escrita melancólica e justa. Mas sobra-lhe o desejo de fazer política por outros meios – através de um romance que tinha tudo para resultar.

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FRASES

"Sei que o arguido não é jurista, mas é defendido por quem sabe de Direito." Procurador João Aibéo referindo-se a Bibi, ontem no CM.

Percebe-se a pressa do BE em aprovar a nova lei do divórcio: queria separar-se de Sá Fernandes." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

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novembro 26, 2008

Blog # 233

O princípio da separação de poderes não se aplica à vida política quotidiana em Portugal. O líder do Bloco de Esquerda, por exemplo, diz que Dias Loureiro deve abandonar o Conselho de Estado porque "não tem condições". E porquê? Porque "mentiu e foi desmentido, o que ele disse ao antigo governador de Portugal é falso". Mas há provas, processo e sentença? Que interessa? Temos de passar à fase "simplex". O que é bom com o Bloco é que se dispensam investigações e tribunais: basta que o chefe venha dizer que fulano é "bandido" ou que sicrano é "mentiroso" para que a justiça seja feita. Engaveta-se ou fuzila-se em conformidade; depois, os tribunais lá assinarão de cruz. Mas a coisa fica logo feita para não se perder tempo com minudências. Eles não esquecem os velhos hábitos.

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Ainda a tempo das comemorações de António Vieira, não convém perder o novo romance de Miguel Real, 'O Sal da Terra' (Quid Novi). O autor percorreu os arquivos e o Brasil em busca de cenários e de informações. É um grande livro.

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FRASES

"Os políticos não perdem o direito à honra só pelo facto de o serem." Vital Moreira, no blogue Causa Nossa.

"Carlos Cruz não se suicidou e está de boa saúde." Serra Lopes, advogado de Carlos Cruz, ontem no CM.

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novembro 25, 2008

Blog # 232

Há quem se pergunte Cavaco fez bem em emitir o comunicado em que esclareceu se tinha, ou não, laços com o BPN. Fez. A política em Portugal faz-se por atalhos e, no meio da maledicência, tem todo o sentido esclarecer o que há para esclarecer. Mas Portugal é o país da moral e pede-se sempre mais um pouco. Não basta provar que não teve qualquer tipo de ligação ao BPN; para essa nova geração de moralistas e de indignados (a indignação é o nosso desporto nacional) é preciso provar que nem sequer conhece a sigla BPN. Ninguém se dá conta de que, além de muito fácil, essa indignação é maldosa. A principal tarefa do indignado profissional é a de acusar o resto da Pátria dos maiores desaforos, fazendo passar a ideia de que vivemos num mudo a saque. Os populistas adoram este jogo.

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Toda esta semana para ler a recolha dos contos de Jacinto Lucas Pires, "Assobiar em Público" (edição Cotovia) – recolhidos de "Para Averiguar do Seu Grau de Pureza" ou "Abre para Cá". Trata-se de um dos nossos melhores contistas.

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FRASES

"Tenho a pior ideia possível dos escritores. Foi uma coisa que me aconteceu com a perda de inocência." Isabela, no blogue O Mundo Perfeito

"[Quando se representa] é igual beijar um homem ou uma mulher." Ana Guiomar, actriz de "Podia Acabar o Mundo", ontem no CM.

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novembro 24, 2008

Blog # 231

As coisas devem ser feitas em grande. E nós, portugueses, que não poupemos nisso. Dias Loureiro contou na televisão que conheceu El-Assir, que o apresentou ao rei de Espanha para jogar golfe e, depois, a Bill Clinton. Os banqueiros e a finança têm os seus contactos, como se sabe. Um traficante de armas, um presidente, um rei – fazer negócios é ter influência para abrir portas aqui e ali, tanto no Banco de Portugal como nos corredores da política. É assim o mundo. Mas, ao que parece, também imitamos outros velhos hábitos. Por exemplo, veja-se o caso de um juiz cuja casa foi assaltada – os meliantes deixaram uma arma junto a foto do filho, como ameaça. A sua mulher também foi alvo de uma tentativa de atropelamento. Como em outros casos, a realidade tenta sempre imitar a ficção.

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A Livros Cotovia ajuda-nos a passar melhor estes dias: acaba de publicar as 'Odes', de Horácio, com tradução de Pedro Braga Falcão – poesia que flutua nas alturas, como a poeira. Para nos lembrar o essencial da nossa vida. Leia, leia.

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FRASES

"O fosso entre ricos e pobres aumentou [na Justiça] e os fracos são discriminados." Santos Serra, presidente do Supremo Tribunal Administrativo, ontem no CM.

"É disso, essencialmente, que eu tenho medo: que o razoável perca para o que é possível." Maradona, no blogue A Causa foi Modificada.

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novembro 21, 2008

Blog # 230

De cada vez que a selecção perde há em mim dois sentimentos contraditórios: um, manda-me aceitar o resultado e marchar, triste e solidário, no caminho dos derrotados; o outro ordena-me que sorria e fique ligeiramente satisfeito com o comportamento da canalha em campo, um bando de paquidermes mimados e tratados a pão-de-ló – por terem confirmado que isto é tudo uma choldra. Seja como for, levar seis golos de uma selecção treinada por Dunga é mais do que triste; é deprimente. Uma pessoa vê aqueles jogadores na televisão, de crista levantada, e o pessoal da selecção carregando a mala das vaidades, e não sei, não sei. Há dois sentimentos contraditórios: um, é vir para o jornal dizer que eles jogam um futebol de merda; outro, é acrescentar-lhe que são uns paquidermes mimados.

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Ontem falei das agendas da Assírio & Alvim; hoje das da Oficina do Livro, dedicadas a Júlio Pomar, João Cutileiro, Pedro Proença, Joana Vasconcelos ou o Museu Berardo. São lançadas no mercado durante a próxima semana. Boas escolhas.

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FRASES

"Que tal suspender o professor Carlos Queiroz por seis meses?" Francisco Almeida Leite, no blogue Corta-Fitas.

"A principal obrigação da ministra da Educação não é a obstinação, mas evitar o desastre." Paulo Portas, ontem no CM.

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novembro 20, 2008

Blog # 229

A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género promove uma "festa/acção de Sensibilização Contra a Violência no Namoro". É bom e previdente. Namoro e violência, por princípio, não andam de mãos dadas. Os jornais andam cheios de notícias sobre casais de namorados adolescentes envolvidos em cenas de pancadaria. O problema é o do costume: primeiro, fecha-se os olhos ao papel disciplinador da escola porque, coitadas, as crianças não suportam caretices; depois, o afecto foi transformado em puro sexo, porque aos 12, 13 anos, as crianças andam de camisinhas no bolso e vêm aos gritos exigir educação sexual nas escolas como um direito sindical; finalmente, ninguém lhes dá dois estalos ao segundo sinal de má-criação. E é isto: temos o Estado a disciplinar o namoro, de cócoras.

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Já viu as agendas habituais da Assírio & Alvim? Há uma com poesia (à razão de um poema por dia) e outra para a gastronomia (com saborosas receitas e evocações) – e também um 'diário' com efemérides de todo o ano de 2009. Já tenho.

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FRASES

"Para combater a política do bastão que pretende vergar os adeptos do Benfica..." Comunicado dos No Name Boys, ontem, no CM.

"Há ministros tão sérios, tão sérios, que até pensam que alguém os leva a sério." Pinho Cardão, no blogue Quarta República.

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novembro 19, 2008

Blog # 228

A vida é como é e nada impede o governo português de negociar com a Venezuela; preferia que o meu governo não andasse aos abraços com o arrivista de Caracas, o homem que ameaça e chantageia os venezuelanos durante a campanha eleitoral que termina esta semana. Chávez ameaça as regiões "rebeldes" com tanques e cortes de verbas, usando dinheiros públicos para promover os seus candidatos, para não repetir os resultados desfavoráveis do referendo com que pretendia ser nomeado ditador. Uma das novidades, desta vez, foi a promessa de prender pessoalmente os opositores e de incendiar as câmaras da oposição. Se é preciso petróleo venezuelano, pois que se compre – e que Sócrates se reúna com Chávez. Mas, repito, evitem as cenas de abraços amorosos e cúmplices diante das televisões.

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Dennis Lehane ficou famoso com 'Gone, Baby, Gone' e com 'Mystic River'. A Gótica acaba de publicar 'Terra dos Sonhos', o novo romance de Lehane, com 600 páginas de evocação histórica de Boston depois da I Guerra Mundial. Uma saga.

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FRASES

"O problema deste Governo é querer fazer reformas com ideias superficiais." Luísa, no blogue Nocturno.

"Nenhum de nós sabia o que fazer na noite de núpcias. Até andei a mudar lâmpadas..." Concorrente ao Momento da Verdade, ontem no CM.

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novembro 18, 2008

Blog # 227

Acho que não se devem atirar ovos à Ministra da Educação. Acho um comportamento impróprio, como também achei que era abjecto andar a mostrar o rabo a Manuela Ferreira Leite quando esta era Ministra da Educação. Grande parte da esquerda, "rebelde à força" ou por profissão, defende que se devem atirar ovos quando os políticos são de direita; mas defende o respeitinho quando se trata de governantes de esquerda. Penso nisso quando me lembro de políticos que defenderam as ofensas (eram "criativas e revolucionárias"...) a Ferreira Leite ou que atravessavam, sem pagar, a ponte sobre o Tejo. Hoje, vejo-os no outro lado, mostrando um imenso tédio diante da chuva de ovos de Fafe. Os tempos mudam, as pessoas também. Eis por que razão se deve ter tento na língua e cuidado nos actos.

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Quem leu 'Estaline. A Corte do Czar Vermelho' não pode deixar de ler 'O Jovem Estaline', ambos de Simon Sebag Montefiore (Alêtheia); uma investigação sobre o passado do ditador, desde assaltante de bancos a revolucionário fanático.

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FRASES

"Lurdes Rodrigues já não tem condições para se manter. Mas também não tem para sair." Paulo Pinto de Mascarenhas, no blogue Atlântico.

"A avaliação não está suspensa, não pode estar suspensa, está em curso em todas as escolas." Maria de Lurdes Rodrigues, ontem no CM.

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novembro 17, 2008

Blog # 226

Afinal parece que Sarah Palin sabia onde ficava a África e que a campanha de assassínio político da candidata a vice-presidente republicana tinha sido obra de uns cómicos a que a imprensa deu crédito – porque lhe convinha mostrar que todo o conservador é um inimigo da humanidade. O 'New York Times' e o 'Los Angeles Times' já pediram desculpa, mas é tarde. Em Portugal, ninguém pede desculpa. O Bloco, por exemplo, já começou a dizer que, em matéria de política externa, Obama está mais à direita do que Bush, porque apoia Israel, pecado grave e capital. A grandiloquência do pequeno ódio não é apenas sinal de má-fé. Tem malvadez à mistura. Basta-lhes um mundo organizado pelas suas verdades históricas. As televisões portuguesas alinharam com essa pulhice. Mas não pedem desculpa.

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O filme "A Corte do Norte", de João Botelho, está aí. Não o vi (também não vi o anterior); mas seria bom que lessem o livro homónimo de Agustina (Guimarães), uma obra-prima romanesca, um delírio raro e portentoso na nossa literatura.

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FRASES

"É altura de começar a pensar na economia real." José Sócrates, ontem no CM.

"Se fosse primeiro-ministro, punha António Costa já na 5 de Outubro. Ficava com que se entreter." Eduardo Pitta, n blogue Da Literatura.

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novembro 14, 2008

Blog # 225

A propósito do pouco eco que o seu partido obtém nas televisões e mesmo na imprensa, a presidente do PSD lançou uma inestimável contribuição para o debate de ideias entre nós, e que convém desde já aplaudir. Cito: 'Não pode ser a comunicação social a seleccionar aquilo que transmite.' Claro que não. Onde é que já se viu esse disparate? A partir de agora, o parlamento deve eleger um comité que decide, diariamente, o alinhamento dos telejornais; um ministério apropriado indicaria ao director do CM que assuntos estariam mais indicados para a primeira página; e, quem sabe, uma confederação de burocratas dos partidos vigiaria qualquer atropelo nas notícias. Um cenário dessa natureza deixaria toda a gente feliz e a Dra. Manuela poderia, mesmo, começar a falar para a ouvirmos.

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O carioca Sérgio Sant'anna é um dos melhores narradores actuais do Brasil – a sua editora portuguesa, a Cotovia (que já tinha lançado 'O Voo da Madrugada', volume de contos), acaba de publicar 'Um Crime Delicado'. Para ler até ao fim.

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FRASES

"Sócrates já terá pensado em demitir a ministra da educação mas tem medo dela." Arcebispo de Cantuária, no blogue Atlântico.

"Ele sempre disse que ia matar a mulher." Habitante de Amares sobre um crime local, ontem no CM.

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novembro 13, 2008

Blog # 224

É um documento notável e maravilhoso. De acordo com uma directiva da Comissão Europeia, espécies hortícolas e frutícolas, como damascos, espargos, beringelas, feijões, couve-de-bruxelas, cenouras, couve-flor, cerejas, pepinos, alhos, repolhos, melões, cebolas, ou espinafres poderão ser vendidos em formatos 'deformados'. Já outras espécies, malévolas e desobedientes, como maçãs, kiwis, alfaces, pêssegos, morangos e tomates terão de se apresentar com os tamanhos que a comissão define no gabinete. Segundo a comissária da agricultura (a sério), é "uma nova era para os pepinos curvos e as cenouras nodosas". Os nossos quintais rejubilam, eufóricos, ao verem que Bruxelas continua a meter os legumes na ordem. E os cidadãos festejam por não lhes alterarem o calibre dos tomates.

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Dito isto, vamos à gastronomia: acaba de sair 'Sabores da China. História e Gastronomia', de Margarida Pereira-Müller (Colares Editora), para quem acha que comida oriental não é só acrescentar pauzinhos aos talheres. Comida plural.

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FRASES

"Não se pode tratar da supervisão dos bancos como de uma fábrica de salsichas." Vítor Constâncio, ontem no CM.

"Há apenas uma coisa mais irritante do que a bazófia do Governo: os líderes da oposição." M. Jorge Marmelo, no blogue Teatro Anatómico.

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novembro 12, 2008

Blog # 223

Há trinta anos que a escola portuguesa entrou em colapso; a breves espaços levanta a cabeça e organiza-se. Mas são apenas excepções. Por isso, o que me preocupa nas escolas não é, propriamente, o sistema de avaliação dos professores – que constitui um braço-de-ferro político e sindical. Fico mais preocupado com o que se ensina lá. Não vejo as autoridades ou os sindicatos interessados no assunto. O ideal seria que a avalização dos professores e das escolas se fizesse através de uma entidade externa, independente, que se preocupasse com a qualidade do ensino, a qualidade das condições de trabalho e de aprendizagem e com o nível desse trabalho e dos seus resultados. É uma solução muito mais "conservadora", mas é a única que pode resolver o imbróglio em que se meteu esta gente.

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Excelente novidade para encerrar o ano editorial: sai durante este mês de Novembro o novo romance de Paulo Castilho (diplomata, autor de 'Fora de Horas' e 'Sinais Exteriores'). O título é 'Letra e Música', publicado pela Oceanos.

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FRASES

"Se mais fizessem o mesmo, as prisões não estavam tão cheias." Vizinho de F.M., que matou o ladrão que o assaltou, ontem no CM.

"A mascote do BPN para as contas da miudagem chamava-se 'O Contas Papa-Euros'." João Villalobos, no blogue Corta-Fitas.

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novembro 11, 2008

Blog # 222

Mal rebentou "a crise" todos ouvimos falar da "bolha" do sistema financeiro, do crédito malparado atribuído a rodos, do dinheiro que ninguém sabe de onde vem ou onde está. Ficou à vista um esquema de empréstimos muito duvidoso e acusado de artificial. Perante isto, murmurou-se bastante acerca da necessidade de o Estado e os bancos centrais avançarem com intervenções de fundo. Está bem, está. Afinal, tratava-se de "injectar liquidez" e não de reformar o sistema e impedir novas bolhas ou novas bolsas de crédito artificial concedido com facilidade. Os bancos centrais e os governos estão a "injectar liquidez" e a "facilitar a vida às pessoas" como se estivessem em campanha eleitoral. Multidões endividadas ao Estado são aparentemente mais prósperas. E certamente mais dóceis.

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Com tradução de Albano Martins (que já tinha traduzido o 'Canto Geral'), a Campo das Letras lança 'Livro das Perguntas', um livro póstumo do chileno Pablo Neruda. Tem cerca de oitenta páginas e compõe-se de setenta poemas curtos.

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FRASES

"O Ministério Público devia dar início ao processo 'Apito Marado'." João Braga, fadista, adepto do Sporting, ontem no CM.

O FC Porto é uma equipa fácil, macia. Até para a Naval. É 8º classificado. Mas para o Sporting tudo é difícil." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

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novembro 10, 2008

Blog # 221

Suponho que a despesa do 'caso Fátima Felgueiras' pode, com facilidade, subir a mais de um milhão e meio de euros – mas por baixo. Digamos que dois milhões, com diligências associadas, incluindo os advogados de defesa. Não calculo, nem por alto, o custo de emissões em directo nas nossas televisões, destinadas a ouvir ou a perseguir a senhora – que, entretanto, e bem, escapou para o Brasil e de onde regressou com um simpático 'upgrade'. Como consequência deste circo, Fátima Felgueiras foi condenada a três anos de prisão por 3 dos 23 crimes que lhe eram imputados; esses 3 crimes são uma patetice comprovada que envergonha a justiça e desafia o bom-senso. Seja como for, peço ao leitor que faça as contas e que recorde a euforia da pátria sempre que vir coisas semelhantes. Olé.

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Da América, a Antígona publica esta semana uma autora praticamente desconhecida: Eudora Welty (morreu em 2001, com 92 anos, e recebeu o Pulitzer em 1973). O livro é 'Os Ventos e Outros Contos' e merece mais do que curiosidade.

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FRASES

"Vamos ver se impede a progressão dos professores a três meses das eleições." Mário Nogueira, sindicalista, ontem no CM.

"Cansei-me de levar bordoada por dizer que José Saramago não sabe escrever." Ilídio Martins, no blogue Esmaltes & Jóias.

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novembro 07, 2008

Blog # 220

Em Ouro Preto, o coração do barroco luso-brasileiro (Minas Gerais), começou ontem o Fórum das Letras, que rivaliza com o mais popular Festival de Paraty. O tema é "a literatura e o mistério" – não há relação mais simples nem mais óbvia. No cenário onde viveram poetas e músicos de eleição que os portugueses desconhecem (como Cláudio Manuel da Costa ou Tomás Gonzaga, mas também Elisabeth Bishop), o tema lembra muito o facto de "a literatura de agora" se limitar a tratar das paixões evidentes – o sexo, o poder e a desilusão. No meio do sofrimento e da busca da felicidade, a literatura serve também para providenciar conforto e perturbação a quem quer ver mais longe do que o 'mundo imediato' promete. A isso chamamos, salvo erro, mistério. E é por isso que a literatura existe.

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O retrato romântico da Catalunha do princípio do século: anarquistas, juventude eterna, teatro, loucura, histórias de amor. Vem tudo no romance "A Felicidade", do catalão Lluis-Anton Baulena, a publicar ainda em Novembro pela Quid Novi.

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FRASES

"Eu acho uma inutilidade ver um '007' sem uma companhia masculina." Teresa Ribeiro, no blogue Corta-Fitas.

"A equipa que perdeu os últimos três jogos foi a mesma que ganhou agora." Jesualdo Ferreira, treinador do FCPorto, ontem no CM.

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novembro 06, 2008

Blog # 219

Obama é jovem. É o primeiro negro na Casa Branca. Ganhou civilizadamente a um civilizado McCain (o seu discurso de aceitação da derrota é exemplar). Esperam-no tarefas difíceis dentro e fora dos EUA, sobretudo porque a expectativa é grande e perigosa. Mas, sobretudo, porque a América precisa de confiança, de prosperidade e de paz. Obama é o colírio ideal, para devolver à América um pouco de orgulho e de ambição, coisas que Bush desperdiçou sem obter nada em troca. Por outro lado, o fim da era Bush é um momento de esperança para o pensamento liberal e para os conservadores, que têm a oportunidade de se libertar do 'republicanismo velho'. Mas a hora é de Obama. Pode ser que ele tenha jeito de fingidor e tenha um sorriso de plástico – mesmo assim. A América precisa de sorrir.

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Amanhã, recomeçam os encontros 'LER no Chiado', organização da revista Ler e da Bertrand – com moderação de Anabela Mota Ribeiro: desta vez, o tema é a América e participam Clara Ferreira Alves, Bernardo Pires de Lima e Pedro Magalhães.

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FRASES

"Oh Bama, oh que linda Bama." Arcebispo de Cantuária, no blogue Atlântico.

"Se o jogo com o FC Porto não for melhor, será igual a este." Paulo Bento, depois da vitória contra o Shakhtar Donetsk, ontem no CM.

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novembro 05, 2008

Blog # 218

A bola não entra. Quem inventou este axioma foi Jose Antonio Camacho, com a sua proverbial honestidade, ao comentar empates e desaires do Benfica: a bola não entra, que é que querem que eu vos faça? Como se sabe, só se ganha quando há golos, e só há golos quando a bola entra na baliza dos adversários e não na nossa. Essa bola nefanda e orgulhosa que não entra na baliza. Aí está como tudo se explica. Apoiem a bola, sejam bons com a bola, e ela acabará por entrar. Jesualdo Ferreira, no FC Porto, segue a mesma escola filosófica: "A bola insiste em não entrar na baliza." É chato. Vai à trave, oscula os postes, raspa a rede – mas não entra. Jesualdo imita Camacho na perfeição, quando o bom espanhol dizia que o Benfica "perdeu, mas podia ter ganho". No fim de contas, só falta jogar.

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Boas notícias para os leitores de História: a nova chancela da Guimarães Editores, de Paulo Teixeira Pinto, chama-se Centauro. Vai publicar textos panfletários e opúsculos de autores dos séculos XIX e XX. Siga com atenção esta ideia.

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FRASES

"Uma vez eleito, Obama vai dar um desgosto à esquerda patológica global." João Gonçalves, no blogue Portugal dos Pequeninos.

"Com a nacionalização do BPN, o Governo vem criar ou agravar problemas." Miguel Cadilhe, ontem no CM online.

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novembro 04, 2008

Blog # 217

O Parlamento aprovou ontem a nacionalização do BPN. Imagino que alguns se viram, por instantes, transportados a Março de 1975. Só que, desta vez, o Estado foi em socorro do banco. Não devia ter ido, o que ameaçaria o sistema financeiro, com toda a gente a levantar o dinheirinho. E por que não devia ter ido? Porque o BPN andou fora da lei, cometeu crimes e geriu mal os depósitos com a indiferença das autoridades. Por isso, basta um cliente queixar-se e o Estado deve entregar o assunto à justiça e a uma investigação rigorosa e pública do Banco de Portugal, que fala muito mas parece que faz pouco. E deve chamar os responsáveis, até agora apontados como "génios da finança", para lhes dizer que todos são iguais perante a lei. No fundo, os bancos do regime estão a afundar-se.

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Coisas apetitosas para uma época cinzenta: o livro de José Bento dos Santos, 'O Sentido do Gosto' (Livros d'Hoje), que reúne as receitas da televisão – como a de barrigas de bacalhau com palitos de grão ou salmão com chá de rosas.

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FRASES

"Há demasiada boa-vontade pública perante erros de gestão privada. Não há responsáveis?" José Medeiros Ferreira, no blogue Bichos Carpinteiros.

"Tratem-no antes que seja tarde de mais e ele nos mate aqui sozinhos." Maria da Glória, 72 anos, sobre o filho que ameaça matá-los, ontem no CM.

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novembro 03, 2008

Blog # 216

A questão do porto de Lisboa é intrigante. Ficava bonito, ali, um fio de esplanadas e de "centros de lazer" para juntar aos que já existem. Hotéis de charme seriam bem vindos, para não falar de relvados sem fim e ciber-cafés cheios de computadores Magalhães. Infelizmente, os contentores tornam a paisagem mais feia. A ideia seria retirá-los para Setúbal, não fosse a paisagem de Tróia, que também merece repouso e cuidado. Há Odivelas, claro, não fosse o caso de não haver mar, mas – ah, mesquinhez! – tudo tem um preço para não incomodar as pessoas sensíveis com o mundo do trabalho (sujo e cheio de suor). Beja ou Mirandela estariam bem, mas sofrem do mesmo problema – não têm mar. Os cargueiros podiam descarregar em Abrantes, mas o Tejo ali é pouco profundo. É um problema, não é?

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Jack Reacher é um personagem que vale a pena conhecer – vem nos livros de Lee Child, cujo 'Dinheiro Sujo' é publicado esta semana em Portugal (Mill Books). Tudo se passa em Margrave, na Geórgia: cenário e personagens são de primeira linha.

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FRASES

"Nunca vi geração que detestasse tanto os seus descendentes como a que nos governa." Vasco Lobo Xavier, no blogue Mar Salgado.

"É dever do Estado pagar mais rapidamente." José Sócrates, ontem no CM.

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novembro 02, 2008

As cidades da Europa

Os europeus procuraram sempre, ao longo dos séculos – e por mais divisões que tivessem estabelecido através de fronteiras ou guerras periódicas –, estabelecer uma espécie de denominador comum de si mesmos. Não se tratava de procurar um padrão médio para as mulheres ou os homens europeus, mas sim uma espécie de paisagem urbana que reunisse dentro dos seus muros a maior parte das características que fizeram a Europa ser como era. Antuérpia, por exemplo – é um modelo dessa Europa urbana, aberta às rotas marítimas, permeável à chegada e partida de negociantes e de intelectuais ou artistas, de exilados e de poderosos. O seu modelo era o enriquecimento. Financeiro, acima de tudo; mas também cultural, ou seja, uma espécie de rumor contínuo que habitou as suas ruas desde a Idade Média, recebendo e protegendo foragidos do Levante, judeus ibéricos, centro-europeus perseguidos, marinheiros sem destino, professores sem cátedra.

Ainda hoje, ao caminhar pelas suas ruas, Antuérpia revela esse empedrado histórico marcado por gente que foi recebida com desconfiança mas sem ódio, com leis e nunca pela arbitrariedade das prisões. Gracia Nasi, «a Senhora», a judia portuguesa que fez da sua vida uma história de fugas e de reencontros (de Lisboa até lá, de de lá para a velha Constantinopla, depois de Veneza e antes da Terra Prometida), foi uma delas. Pelos séculos fora, a melhor Europa foi um território de silêncio e de refúgio aberto às peregrinações e aos apátridas que encontraram aqui um lugar para viver.

A melhor forma de viajar pela Europa continua a ser, portanto, ao longo da paisagem. Ou seja, de carro e de comboio, acompanhando os declives e as mudanças, a profundidade dos vales e o desenho das montanhas – para, como qualquer geógrafo amador, perceber como as diferenças se esbatem suavemente na passagem de uma terra a outra. Mais: para entender como as cidades da Europa desenham um mapa de circulação de energia e de cultura, sempre em perpétua comunicação.

Temos, todos, uma ideia de Europa. Ou a laboriosa Europa do Norte, fundada sobre a ética do trabalho e da riqueza; ou a culta Europa Central (o velho sonho de uma Mittleuropa que albergou os grandes artistas e intelectuais – e os protegeu); ou a Europa do Sul que, melhor do que qualquer outro território, conservou as culturas do Levante, as torrentes migratórias e religiosas do Mediterrâneo; ou, ainda, a Europa do Leste, menos conhecida hoje por razões políticas, mas que lentamente se ergue como um prodígio que revela culturas atentas e milenares, cruzando o seu voo de águia sobre os territórios da Ásia. É isso que é a Europa: um lugar onde as diferenças se esbatem e onde as semelhanças se atenuam. Percorrendo a saborosa e velha Itália, as ruínas do Sul, as planícies de arquitectura suave do Norte, ouve-se uma música que nunca se deixou assimilar e que nunca cessou de fazer-se ouvir como uma tentação harmónica. No meio desse «esplendor do caos» (a expressão é de Eduardo Lourenço), a Europa é um espelho do mundo. Causaria triste impressão, por isso, se tentássemos limitar a Europa a qualquer uma das suas paisagens. A Sevilha europeia, em permanente cruzamento com o velho al'Andalus; a luminosa e mediterrânica Grécia onde se escutam os ecos vindos do Oriente, muito para lá do Bósforo; a verde Escandinávia onde os seus mitos acordam em nós o desejo de uma tranquilidade sem designação – isso é a Europa, essa possibilidade de ser diferente em harmonia. Viajando de carro ou de comboio, mais do que usando uma mesma moeda, vemos como se estabelecem canais de comunicação que as épocas de crise interrompem mas que, do fundo da História, regressa como um sinal de esplendor. E é isso que faz de nós, europeus, os piores e os melhores de nós mesmos.

in Outro Hemisfério - Revista Volta ao Mundo - Novembro 2008

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