maio 30, 2008

Blog # 105

O caso do vidente 'Prof. Bambo', que o CM tem acompanhado, não é melhor nem pior do que os dos bispos da IURD, que cobram dízimos e 'doações' em nome de Deus, mas é um exemplo a ter em conta. As 'vítimas', sem vergonha, queixam-se por 'terem sido enganadas'. O senegalês inventava amantes aos maridos e catástrofes que só ele podia evitar. No fundo, mais do que uma amostra de crendice, é uma espécie do artesanato africano da indústria 'psi' (que inventa depressões e traumas onde às vezes há só a natural dificuldade de viver) ou do chique astrológico ou tarológico, que tem honras televisivas e aparece bem vestido. Nestes casos (astrologia, tarologia, IURD ou videntes), penso que a DECO tem de intervir com urgência. O consumidor, ao pagar a factura, não pode ser defraudado.

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Acaba de sair 'Correspondência e Textos Dispersos' (1942-1979) de Joaquim Paço d'Arcos (D. Quixote). Convém lê-lo para compreender como era a vida literária à sombra do regime e como funcionava o imaginário de um dos seus autores.

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FRASES

"Patinha Antão tem duas grandes qualidades: esteve no PCP e candidata, para a direcção, um morto." Nuno Ramos de Almeida, no blogue Cinco Dias

"Quero tirar a maioria a José Sócrates. Não a maioria absoluta." Pedro Santana Lopes, ontem no CM.

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maio 29, 2008

Blog # 104

Se não fosse para ficarmos preocupados, podíamos rir com gosto: Ângelo Correia acaba de anunciar que a candidatura de Passos Coelho à chefia do PSD é uma "janela aberta", que há-de afastar o "mofo" e o "bafio" – e deixar entrar "uma lufada de ar fresco". É uma declaração e tanto mas, vindo de Ângelo Correia, tanto desejo de ventania dá vontade de rir, o que é uma pena. É como se António Calvário aparecesse a defender a renovação da música portuguesa. Depois da honrosa e notável entrevista de Passos Coelho ao CM, que indiciava uma respiração diferente no partido, o candidato teve o cuidado de receber alguns apoios fatais que podem garantir votos da máquina partidária mas que hão-de aprisioná-lo por largo tempo ao "mofo" e ao "bafio", enquanto apresentam a conta. É a vida.

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'Prolegómenos' reúne as crónicas de Bento da Cruz (edição Âncora) publicadas no quinzenário 'Correio do Planalto', do Barroso – saborosas e divertidas. É um retrato do Portugal que está a desaparecer. Aproveitem enquanto é tempo.

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FRASES

"Um turista russo deixa em Portugal mais dinheiro do que 10 turistas alemães." José Milhazes, no blogue Da Rússia

"Os três ventiladores portáteis do Hospital estavam avariados." Fonte do Hospital de Faro, ontem no CM

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maio 28, 2008

Blog # 103

Houve ontem muito burburinho sobre mais um artigo do Dr. Soares acerca da catástrofe que aí vem – e que só acontece porque não o ouviram em devido tempo, como de costume. Tal foi o burburinho que o PS teve de vir a terreiro dizer que os discípulos tinham essas mesmas preocupações do mestre, e que nem era preciso ele avisar – já sabiam as notícias. Soares diz que 'o voto de protesto' (que irá parar ao PCP e ao BE, e mesmo ao PSD, que fala do 'social') faz falta ao PS nas eleições. Assim compreende-se a reacção do PS. Se o voto de protesto contra o governo dá votos, o partido fará campanha a bradar contra o Código de Trabalho, o esmagamento da classe média, as desigualdades sociais e a reforma da Saúde. Ou seja: estará nos dois lados das barricadas, de braço dado com o inimigo.

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'Jardins de Kensigton', do argentino Rodrigo Fresán (Cavalo de Ferro) – um romance sobre a família, a infância e a sua ausência.

Tempo de dieta: 'Legumes sem Desculpas', de Henrique Sá Pessoa com Fernando Póvoas (Esfera dos Livros).

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FRASES

"Carlos César não é um socialista de plástico, feito por uma agência de comunicação." Manuel Alegre, ontem no CM.

"Cheira-me que o 'pretty boy' [Sócrates] vai regressar ao vício." João Gonçalves, no blogue Portugal dos Pequeninos

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maio 27, 2008

Blog # 102

Alfredo Saramago era um homem sábio. Culto e sábio. Historiador, gastrónomo, cozinheiro notável, enófilo – e também um excelente divulgador, que é uma característica que às vezes falta às pessoas cultas. Morreu no domingo, aos setenta anos. Escuso de dizer como gostei de trabalhar e de almoçar e de beber com Alfredo Saramago – mas não posso evitar lembrar como era maravilhoso ouvi-lo falar sobre os temas que amava, e que iam da história à música, da gastronomia à tauromaquia ou à literatura. Conheci-o há muitos anos, em Évora, numa roda de conversadores que vivia na província, na fantástica e nobre província de outrora, e fiquei preso àquela ironia que só os grandes homens podem dar-se ao luxo de conservar diante da passagem do tempo e dos idiotas que andam no poder.

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O que eu recomendo a todos os fanáticos da internet e do 'mundo digital': a leitura de 'O Culto do Amadorismo' (Guerra e Paz), que leva em subtítulo este aviso – 'Como a Internet está a matar a nossa cultura e a assaltar a economia'.

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FRASES

"É muito difícil, para não dizer impossível, escrever enquanto se está a ouvir o Rui Santos." Maradona, no blogue A Causa Foi Modificada.

"Não podeis servir a Deus e ao dinheiro." Albino Cleto, bispo de Coimbra, ontem no CM.

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maio 26, 2008

Blog # 101

A Feira do Livro de Lisboa abriu as portas e, como se esperava, choveu. É meio caminho para confirmar a sua existência, porque chove todos os anos. Que haja barraquinhas ou pavilhões, a feira está ali – e deve permanecer. É festa, como sempre. Subir e descer o parque é um ritual importante; respirar entre as árvores faz bem às coronárias e favorece os encontros, entre as prateleiras de livros. Prefiro os livros velhos, aqueles quase esgotados, vendidos por dois ou três euros, ou menos, e é isso que vou lá buscar todos os anos. Há uma magia qualquer nos livros ao ar livre, folheados ou vistoriados por almas que durante um ano inteiro aguardam aquele dia – o dia da Feira. Gosto das pessoas que fazem listas e recolhem catálogos, organizando a sua biblioteca particular, onde há sempre espaço para mais um livro. Isso é a feira – as pessoas, o ar satisfeito ou inquieto de quem se perde por um livro. O resto não me interessa nem me interessou muito.

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A Angelus Novus lança 'Regras para o Parque Humano', de Peter Sloterdijk: uma interrogação ao humanismo, à utopia da leitura e à filosofia que vem das Luzes. O livro foi muito polémico na Alemanha, por supostas marcas do 'léxico nazi'. Por isso mesmo, convém lê-lo. Sem inocência.

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FRASES

"Há razão para todos os medos. Os pais sofrem." João Vaz, ontem no CM

"Quando pego num jornal não é para ler notícias, é para ler pessoas." Meg, no blogue Serendipity

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maio 25, 2008

Flamenco e Tango

Não é qualquer um que veste a camisola número 2 do FC Porto, a mesma que pertenceu a Jorge Costa, que a tinha herdado de João Pinto. Este pormenor é fatal e decisivo. Os seus antecessores foram peças funda­mentais no clube – e Bruno Alves provou que mere­ceu ter ocupado este ano o lugar mais importante da defesa, desmentindo aqueles que previam a catástro­fe depois da saída de Pepe, com quem ele jogou – e ape­nas com a adição controlada de Pedro Emanuel, ou­tro defesa essencial.

Na economia geral do relvado, Bruno Alves não se distingue pela elegância – que é um traço só permiti­do a quem não tem de suportar as investidas das hostes para entrar na área. Aí, é necessária a exposição desmedida e brutal, uma brava capacidade de resistir de frente, a malícia dos peões que não temem o con­fronto com a morte. Bruno Alves é tudo isso, e mais – com o pormenor de olhar para o resto do campo e de saber colocar a bola nos extremos, ou à cabeceira, onde o ponta-de-lança estava prestes a sucumbir. O que são, salvo erro, várias vantagens reunidas; a pri­meira delas é a de garantir a tranquilidade do espec­tador (não é o que dizem os adversários, claro); a se­gunda é a de garantir que, por aquele lado caído para a linha esquerda, ele desenha um passe quase perfei­to; a terceira não estava ainda mencionada: o seu gol­pe de cabeça, por exemplo, sobrevoando os dilectos adversários – os da defesa contrária – até encontrar a marca da baliza, aquela profundidade sem nome.

Ele tem um jeito ligeiramente cigano, gitano, de en­carar a bola. À defesa. Herdado de Washington, o pai, desenvolvido entre a Póvoa e a Atenas – profundida­de sem nome. Nos desenhos de tablao, ele encarna aquele gesto dos grandes jogadores que tomam o seu lugar numa grande orquestra sem se amedrontarem; há os que reconhecemos em música de câmara; há os solistas extravagantes, arte pura e fatal, capazes de acrobacia em pleno adagio, como Cristiano Ronaldo (que os scolarianos perseguiram à pedrada durante um ano inteiro) ou Messi, que não podemos perder de vis­ta. E até há os que saltam para o palco ora a solo, ora com o seu grupo, bailaores, cantaores, e guitarristas, co­mo Quaresma, que consegue fazer quase todos os pa­péis. Bruno está entre os que se sentem bem no tablao do flamenco; a sua inocência não permite que com­preenda inteiramente o seu papel de tragédia – mas sabe passar do cante corto para o cante grande com um silêncio demolidor. No cante corto actua como central impuro. Lembrem-se do som: guitarra, palmas, tacões no tablao, uma voz: tra tra tantan para trás, tra tra tan-tan para a frente, até encontrar o ritmo. No cante grande, sublime, ele olha para o grupo de baile, olha para os bailarinos, os músicos, o palco, o público, e percebe que lhe cabe carregar o piano. E o flamenco transforma-se, então, num tango em que Bruno se envolve com a tristeza metálica da dança, cruel, brutal, e assassina.

Bruno Alves pertence à raça do mar: sabe o signifi­cado da expressão "tirar desforra", conhece o doce sa­bor da pequena maldade, é um guerreiro. Jorge Cos­ta sabia cercar os seus adversários, atraindo-os ao seu campo. Bruno seguiu-lhe o caminho mas é um herói solitário – o seu sorriso é difícil, sofrido, raro. Quando o mostra, vê-se nele a explosão de um poder raro que os psicólogos tiveram de moderar: ele vê o futebol co­mo uma posse, um acto de valentia, uma humilhação do adversário. E então lança-lhe aquele mau-olhado que perdura durante os minutos que ainda há para jogar. É isto Bruno Alves. O nosso.

in Guia Euro 2008 - Suplemento DN – 19 Maio 2008

maio 23, 2008

Blog # 100

Torcato Sepúlveda era meu amigo e morreu anteontem. Fiquei mais pobre de gente e mais triste e mais convencido de que a minha geração está, aos poucos, a ser ‘requisitada’ para a grande viagem, a última. Ele não gostaria de servir de aval para este sentimento medricas – porque era um homem para lá de corajoso – que olha para o dia seguinte a pensar na eternidade. Torcato era um libertário, um liberal e um dos homens mais cultos que conheci. O que significa que era humilde, frontal e conhecia o seu lugar – de que gostava. Encontrávamo-nos, às vezes, num jardim onde ele ia ler, logo de manhã, misturado com os velhos e os pássaros. Diante da sua memória, fico mais só. Eu e os que aprendemos com ele ("Sou um pobre homem do Minho", como ele gostava de dizer) que a vida é isto.

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Termino ‘Já Ninguém Morre de Amor’, de Domingos Amaral (Casa das Letras) com uma sensação agradável: uma história bem contada, sem tentação de ‘fazer literatura’, sem a arrogância dos fracos de espírito que se empertigam com o sucesso.

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maio 22, 2008

Blog # 99

A ideologia "psi" produz documentos notáveis. No domínio da pedagogia ninguém com conhecimentos de boa gramática entende esse discurso cheio de fórmulas vazias. É esse discurso que está presente num estudo realizado para o Conselho Nacional de Educação e onde, entre outras banalidades, se fala da violência que as crianças sofrem quando passam do 1.º para o 2º ciclo. Ficam traumatizadas. Salvo erro sempre passaram por esse ritual e os "psis" não vinham aborrecer-nos. Mas é por fases. Em Setembro, os "psis" virão falar-nos da violência que é exercida sobre as crianças que regressam às aulas, e que pode traumatizá-las. Depois, virá o sistema de avaliação, que pode ser traumático. As mochilas podem ser traumatizantes. Mas nada me traumatiza tanto como a ideologia "psi".

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Acaba de ser reeditado um clássico do humor inglês: 'Wilt na Maior', de Tom Sharpe (Teorema).

Uma edição integral das Crónicas de Fernão Lopes, por A. Borges Coelho, é lançada para a semana (Campo das Letras).

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FRASES

"Proponho que se lance uma colecta pública para reparar a dolorosa quebra dos lucros da Galp." Manuel Jorge Marmelo, no blogue Teatro Anatómico

"Quero levantar o ânimo das empresas." Cavaco Silva, ontem no CM.

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maio 21, 2008

Blog # 98

O juiz conselheiro Almeida Lopes, ex-presidente do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, foi ao tribunal onde se julga o "caso Felgueiras" e pôs tudo em pratos limpos: não há "saco azul" mas sim uma série de apaixonados da presidente da Câmara de Felgueiras, cheios de libido e de sentimentos humanos mas geralmente pouco atendidos pelos tribunais. Com as hormonas aos saltos, babando e cheios de ciúmes doentios, Horácio Costa e Joaquim Freitas ter-se-iam vingado de Fátima Felgueiras armando o processo que se conhece. Bom. Uma coisa é certa: Fátima Felgueiras veio 'pin up' do Brasil, mas nenhum argumento de Camilo Castelo Branco – que conhecia bem a região – é tão maravilhoso e suspeito como o denunciado pelo juiz amigo da autarca. O Minho guarda segredos deliciosos.

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Está aí o livro 'Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal' (Quid Novi), de J. Rollins, que acompanha a estreia do filme.

'Efeito Borboleta e Outras Histórias', contos de José Mário Silva, sai pela Oficina do Livro em Junho.

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FRASES

"Nunca tive alguma relação amorosa com Fátima Felgueiras." Horácio Costa, testemunha de acusação contra Fátima Felgueiras, ontem no CM.

"Raros fazem as contas ao que aquilo [Expo98] custou ao Estado na véspera dos défices excessivos." José Medeiros Ferreira, no blogue Bicho-Carpinteiro.

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maio 20, 2008

Blog # 97

A Associação Académica da Universidade de Évora deu um ar da sua graça porque, imagine-se, a Universidade não esteve na disposição de antecipar a 'pausa pedagógica' para a semana da Queima das Fitas. Dito isto, vai haver exames e aulas durante os 'festejos'. A rapaziada, muito patusca e cheia de indignação democrática, acha que os exames e o calendário escolar devem ser marcados 'em consenso' com os promotores da Queima – e protestam, dizendo que o Senado da universidade quer 'arrasar-lhes a festa'. É uma pena que os professores sejam tão aborrecidos. Melhor era que fossem para a Praça do Giraldo dançar ao som de Quim Barreiros e andar de braço dado com forcados: aí sim, a Associação Académica da Universidade de Évora festejaria atitude democrática tão eminente. Assim vamos.

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Um livro a ler: 'O Culto do Amadorismo' (Guerra e Paz). Porque é que a internet e o populismo podem destruir a economia?

A Tinta da China vai publicar em breve um livro de Annemarie Schwarzenbach, a grande aventureira suíça. Muito bom.

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FRASES

"Com Menezes não vale a pena discutir." José Pacheco Pereira, no blogue Abrupto.

"A desgraça, como se vê, é uma constante na vida deste rectângulo." António Ribeiro Ferreira, no CM ontem.

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maio 19, 2008

Blog # 96

A sondagem do CM sobre as eleições internas do PSD confirma a ideia de que há uma diferença estrutural entre os militantes do partido, enquadrados pelos líderes, caciques e tiranetes locais – e o eleitorado do PSD. Nem era preciso mostrar a sondagem. Para quem está de fora, são dois mundos de qualidade diferente e, às vezes, abissal. Há uma base de apoio eleitoral ao PSD (cidadã, liberal, democrática, marcada pela pobre classe média portuguesa) que não tem equivalente no interior do partido, entregue ao poder de quem maneja as claques e conhece as manigâncias das concelhias e dos seus interesses imediatos. Esse poder tem pouca qualidade e quase nenhuma credibilidade no eleitorado – além de não ter aprendido nada com a humilhação que o eleitorado deu a Santana Lopes em 2005.

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Hoje é a decisão sobre a Feira do Livro de Lisboa. O que podia ser uma festa do livro é um folhetim burlesco. Pena.

José Eduardo Agualusa em Itália para o lançamento de 'Il Venditore di Passati', publicado pela Nuova Frontiera.

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FRASES

"Fiz uma magia branca para desfazer todo o mal. Agora está curado." Fernando Nogueira, o bruxo de Fafe e amigo de Ferreira Torres, ontem no CM.

"Menezes não consegue estar calado. Janta acompanhado para poder dizer umas baboseiras." João Gonçalves, no blogue Portugal dos Pequeninos.

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maio 18, 2008

Ilha sentimental e afectiva de todos

Escrevo esta crónica a bordo de um avião que sobrevoa o Congo, regres­sando de uma viagem que me levou à Ilha de Moçambique, a primeira capital da ex-colónia, a definitiva capital senti­mental e afectiva do país. A primeira vez que atravessei aquele canal foi há muito tempo, mas era uma tarde quente, havia céu azul – e, como acontece com todas as tardes na Ilha de Moçambique, tinha acabado de levantar-se o mesmo vento que deixa o mar desenhado como numa fotografia antiga, um mar de cartolina com vagas cobertas de espuma, rodean­do as muralhas das fortalezas e sacudin­do os ilhéus soltos diante da baía.

Todos nós somos capazes de repetir até à exaustão a impressão inicial desse encontro com a Ilha – falamos de um “momento mágico”, o mesmo que há muito tempo os portugueses tiveram com a costa do Índico. Mentiria se vos disses­se que é o mais belo lugar do mundo; ou, pelo menos, não estaria a dizer-vos toda a verdade sobre o mundo. Mas não esta­ria a enganar-vos ao dizer que se trata de um dos lugares que ninguém esquece e que nunca fui capaz de esquecer. Por isso, ao visitar a Ilha pela quarta vez, sinto re­petir-se a mesma e profunda magia que percebi quando, naquela tarde de De­zembro, atravessei os arcos na direcção da velha igreja matriz. E é como se, de repente, de uma das ruas laterais, rente à Pousada, aparecesse a motorizada de Abdurrazaque Djamú, meu querido xeque, que me abriu as portas da sua mesquita e da sua memória. E foi como se de repen­te regressasse ao final de uma manhã em que entrei no Café Ancora d'Ouro e re­petisse os gestos de outros frequentadores como Jorge de Sena (que aí escreveu o célebre poema Camões na Ilha de Mo­çambique), ou Rui Knopfli (o autor de um dos mais belos poemas da nossa lín­gua, A Ilha de Próspero), ou Alberto La­cerda. E foi como se de repente Camões ou Tomás António de Gonzaga tivessem prolongado a sua estada e assistissem ao crepúsculo na Fortaleza de São Sebastião.

Os retratos são simples, comoventes, inesquecíveis: arcos nas ruas, procurando a sombra; praças onde o sol e a amável luz do Indico douram a tarde; corvos mari­nhos atravessando o canal, vindos do Mossuril, onde as salinas perfumam os terrenos de mangue, ou se estendem até à pequena savana do Lumo; as madruga­das suaves da Ilha, vistas do terraço de uma casa voltada para as ilhas do largo; a partida dos primeiros autocarros (“chapas”) na direcção de Nampula, por volta das três da madrugada, enfrentando o cla­rão de luz inaugural que há-de formar-se ao longo da estrada; os muros dos cemi­térios, dando uns para os outros - os cris­tãos, os muçulmanos, o crematório hin­du - para mostrar que a Ilha é de todos, naquela abundância de cruzes e minare­tes sob o céu de África; a balaustrada que acompanha o passeio sobre as praias, na­queles crepúsculos suaves; a exuberância da arquitectura militar, a tranquilidade si­tiada das praças onde estátuas (além da de Camões e da de Vasco da Gama) de arte nova se erguem para testemunhar a passagem europeia naquele território.

A Ilha é também tudo isso e os seus pequenos e modestos hotéis. O resto es­tá dentro do nosso coração, fechado ou aberto como um atrevimento diante do passado, da memória e da beleza do mar. Acabo de regressar de mais uma visita à Ilha – e se puder regresso em breve.

in Outro Hemisfério – Revista Volta ao Mundo – Maio 2008

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maio 16, 2008

Blog # 95

O primeiro-ministro foi apanhado a fumar num avião. Era costume isso acontecer em "voos fretados" e ninguém se tinha indignado ou dado ao trabalho de denunciar a violação da lei. Mas enfim, reconheço que é uma boa vingança contra o proibicionismo decretado pelo governo; além de que existe a lei, e a lei deve ser para todos. Tem de ser para todos. O problema é que Sócrates transformou a sua relação com o tabaco (que é um problema exclusivamente seu) em assunto de Estado, anunciando – do outro lado do mar, na Venezuela – que ia deixar de fumar. Será isso bom para o país? Precisará de apoio médico? Vai passar a esconder-se nas casas-de-banho de S. Bento a fumar a sua pirisca? Irá disfarçar-se de Manuel Pinho para poder fumar à janela? São questões que passam a inquietar-nos.

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Poesia esta semana: 'Quarteto para as Próximas Chuvas", de João Rui de Sousa (D. Quixote).

Ficção para o fim-de-semana: "As Noites das Mil e Uma Noites", de Naguib Mahfouz (edição Difel).

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FRASES

"Os fumadores podem, inconscientemente, violar as normas que desconhecem". José Sócrates, ontem no CM.

"Deixar de fumar só fez engordar as notícias". José Medeiros Ferreira, no blogue Bicho Carpinteiro.

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maio 15, 2008

Blog # 94

Temo bastante que, ao se falar de droga, o pessoal abuse dos químicos. O IDT achou que uma das formas de afastar das drogas os adolescentes era explicar-lhes, no seu site, que ‘careta’ é aquele que não toma drogas, um ‘conservador’ empedernido, um menino da mamã, um betinho. Para isso, arranjou explicações plausíveis por parte de psicólogos e sociólogos que são muito bons em ‘experiências pedagógicas’, mas cujos resultados são maus. Na verdade, o calão da droga não é um instrumento pedagógico e um betinho não é, necessariamente, uma má pessoa. Pessoalmente, prefiro que um filho meu seja ‘careta’ em vez de ‘curtir’ com o pessoal ‘catita’ que consome ‘pólen’. Mas tendo em conta que o Ministério da Educação colaborou nisto, tudo é possível. São os químicos.

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maio 14, 2008

Blog # 93

Santana Lopes terá, até ao fim da vida, um problema com o PSD: nunca há-de acertar-lhe com o nome. Nem decidir se se trata do PPD ou do PPD/PSD, coisas que já não existem. A sua ideia de que Manuela Ferreira Leite devia abandonar a corrida à liderança do partido porque não confirmar se votou nele em 2005, é mais do que peregrina – é genial. Mas, como quase sempre, Santana engana-se no alvo e no pretexto: ainda não descobriu por que razão o PSD teve tão poucos votos naquelas eleições, sendo ele um génio e um grande talento. Ninguém ignora que Santana vai agora a votos por puro ressentimento: contra Sampaio, que o demitiu; contra os militantes do PSD que não o aplaudiram (como Cavaco); e contra os eleitores, que lhe fizeram um manguito. Se for por isso, é uma batalha perdida.

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Belíssimo, comovente, imperdível – e é pouco para falar de 'Esta História', romance de Alessandro Baricco (D. Quixote).

Romance satírico e psicadélico: é assim que é apresentado 'A Carne de Deus', romance de Afonso Cruz (Bertrand). Cuidado ao abrir as páginas.

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FRASES

"Já disse que não entro nestas competições idiotas. Alberto João Jardim, líder do PSD-Madeira, ontem no CM.

"Se a Liga de Clubes se mobilizasse para outras instâncias, era ver o Estado Português descer de divisão. Bruno Sena Martins, no blogue Avatares de Desejo.

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maio 13, 2008

Blog # 92

Dos 2200 processos de beatificação que ocupam teólogos e outros especialistas do Vaticano, 33 são de portugueses. O cardeal Saraiva Martins explicou ao CM que um desses processos (o da canonização dos beatos de Fátima, Francisco e Jacinta) não correu bem. Parece que o milagre que lhes foi atribuído "não se pode provar que seja um milagre". Para os mais cépticos tratava-se de um caso de diabetes "curável com o tempo". Basicamente, pede-se um milagre que seja mesmo milagre para poder avançar mais rapidamente com o processo. Sem querer, o cardeal, que é responsável pelas canonizações no Vaticano, lançou a dúvida fatal e o processo pode voltar ao princípio: à procura de um milagre que seja mesmo um milagre. É disso que andamos todos à procura, mas não necessariamente em Fátima.

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António Sousa Homem, cronista do CM ao domingo, publica 'Os Males da Existência' (Bertrand), com prefácio de M. Filomena Mónica.

A D. Quixote acaba de publicar 'A Matéria do Poema', de Nuno Júdice. Poesia indispensável.

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FRASES

"Barack Obama, por ser preto, falar bem e ser muito inteligente, parece-me o Ben-Uron ideal." Maradona, no blogue A Causa Foi Modificada.

"A ideia de ausência tem de ser combatida com a presença." Genial descoberta de Alberto Martins, líder parlamentar do PS, sobre as faltas dos deputados, ontem no CM.

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maio 12, 2008

Blog # 91

O senhor director da ASAE diz que o documento com metas para apreensões, detenções, encerramentos e outras operações, não era para ser divulgado – e que pertence apenas aos inspectores da sua organização. Estaline também tinha uma lista com quotas de fuzilamentos, prisões e assassinatos sumários – mas não a divulgava à imprensa. Em Moscovo era preciso matar 30 000, mais 20 000 em Kiev e por aí fora. Mao, na China, determinou que 5% da população era contra-revolucionária e mandou que se fuzilassem (depois aumentou o número, claro). O essencial era cumprir as quotas. Os inspectores da ASAE também serão visitados por eventuais mandaretes que irão averiguar o grau de cumprimento dos fuzilamentos, perdão, das detenções e encerramentos que figuram nos objectivos. E assim vamos.

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Margarida Rebelo Pinto vai atingir um milhão de exemplares com o seu novo romance – sai na primeira semana de Junho (Oficina do Livro).

Também em Junho sai o novo romance do prémio Nobel sul-africano J. M. Coetzee (na D. Quixote): 'O Homem Lento'.

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FRASES

"Sou só eu a pensar que está por escrever uma boa biografia do clã Loureiro?" Pedro Sales, no blogue Zero de Conduta.

"Oxalá surja um verdadeiro milagre para consulta médica [...] para que os Pastorinhos possam ser canonizados." Cardeal Saraiva Martins, ontem no CM.

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maio 09, 2008

Blog # 90

Por mais vontade que uma pessoa tenha de deixar um aceno simpático para a ministra da Educação, a verdade é que ela se encarrega de impedir o gesto. Não apenas por culpa dela, mas sobretudo por causa da "doutrina" que domina o Ministério e os seus pedagogos oficiais. É por isso que a ministra diz (numa entrevista à TVI) que a liberdade de escolha é nefasta e prejudicial e é por isso que admite veladamente que o caminho para acabar com o insucesso escolar é o fim das reprovações. Todos sabemos de onde vêm essas ideias e todos (com as naturais excepções dos génios que a ministra tem a cercá-la no ministério) sabemos que os resultados podem ser bons para as estatísticas mas são maus para o ensino. Os governos pensam que um bom ministro da Educação se deve limitar a pôr a casa em ordem; isso, a ministra fez. Mas pedia-se mais: uma mudança na cultura da escola, um sinal de que o ministério não quer apenas melhorar as estatísticas, mostrando serviço administrativo.

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Os magistrados criticaram a escolha de um não-magistrado para a direcção da PJ. Compreende-se a tentação corporativa, mas deve lembrar-se a lista de magistrados que estiveram à frente da polícia – e os resultados fraquinhos. O problema é que todos acham que a PJ deve fazer o "seu trabalho"; o seu, "deles", não o seu, "dela".

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Bagão Félix na literatura: a 15 de Maio sai o seu 'O Cacto e a Rosa' (edição Sextante). Na colecção de ficção.

Agora sim, a 13 e 14, Zadie Smith, a autora de 'Dentes Brancos' e 'Uma Questão de Beleza' (Dom Quixote) estará em Lisboa. Todos achamos bem.

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FRASES

"Porque será que não escrevem coisas normais e despretensiosas quando têm como objectivo darem-nos informação?" Joana Carvalho Dias No blogue Hole Horror.

"O Governo quer uma democracia tutelada ou, convenientemente, uma democracia amordaçada. Mansa." Paula Teixeira da Cruz, ontem no CM.

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maio 08, 2008

Blog # 89

Há duas formas grotescas de desvalorizar a candidatura de Manuela Ferreira Leite à presidência do PSD – e ambas têm sido utilizadas por adversários e comentadores. Uma delas diz respeito à sua idade; a outra tem a ver com "o regresso ao passado". As 'acusações' são típicas da politiquinha à portuguesa. Em primeiro lugar, a idade. Não é uma vantagem nem é uma desvantagem – é uma idade como qualquer outra. Ela sabe que não será poupada nem por ser mulher, nem pela sua idade. Depois, "o passado". No seu caso e diante das pantomineirices dos "rapazes de meia-idade" que recentemente têm tomado conta do partido, é uma vantagem visível; basta comparar. Falta agora acusarem-na de ser mulher para completar o quadro. Seria uma trilogia interessante que, reunida, só traz vantagens. Quem já percebeu isso, ao contrário dos outros candidatos, é Passos Coelho. Ele sabe que seria um dueto vitorioso, que sociologicamente faria o pleno do PSD, arrasando com a tralha que lá anda.

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As autoridades angolanas criticaram Bob Geldof e o banco BES por tê-lo convidado a vir a Portugal. Acho bem. Esta gente tem a mania de que tudo se pode dizer e de que vivemos num mundo livre. Não têm respeito por nada – nem pelos bancos, nem pelos governos, nem pelos negócios, nem pelas conveniências. Depois queixam-se.

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Diogo Mainardi, o polémico colunista da revista brasileira 'Veja', terá em breve o seu primeiro livro publicado em Portugal: o título é 'Contra o Brasil' (edição Bertrand), um romance.

Genial: 'Pioneiros', de Felie Fernández-Armesto é uma história das explorações e aventuras humanas até aos nossos dias (edição D. Quixote).

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FRASES

"Não vejo hipótese de alguém acreditar, mas andei desde o fim-de-semana sem me lembrar da password do blogue." Rogério Casanova, no blogue Pastoral Portuguesa.

"Deitou muito sangue. Isto foi uma vergonha, ainda para mais à frente da escola." Moradora de S. Pedro da Cova depois de uma cena de pancadaria, ontem no CM.

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maio 07, 2008

Blog # 88

Basicamente, em cinco anos, a Polícia Judiciária teve cinco directores nacionais, dos quais o último é Alípio Ribeiro, agora demitido depois de ter pedido para mudar de patrão. Se isto prova a intranquilidade da corporação, não é menos verdade que indicia, antes de mais, a sua sujeição ao poder político e às bolandas, estados gripais e inclinações dos ministérios. Para muita gente é natural que assim seja, mas o cidadão tem o dever de desconfiar da evidente multiplicação de directivas que a polícia recebe dos seus superiores. Ou, para já, de desconfiar da existência dessas directivas e dessa sujeição. Cinco directores em cinco anos dá que pensar: não só é uma fartura como não é tempo suficiente para prosseguir uma orientação, para criar um estilo e para fundar um estado de espírito. Há quem ache que isto não interessa nada – é gente que não entende o trabalho da PJ e se limita a gerir orçamentos ou a conceber o trabalho da polícia como tarefas de secretaria.

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Bob Geldof foi ontem protagonista de um incidente, ao considerar que Angola é um país "gerido por criminosos". Mencionou então os preços das casas mais caras de Luanda, num país onde a maioria da população vive na miséria. Geldof devia ter pensado nisso quando enviava dinheiro para países governados por ditadores africanos.

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Amanhã, quinta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa, Inês Pedrosa e o director da SIC, Nuno Santos, estarão na Bertrand do Chiado, na primeira das tertúlias da revista LER. É às 18h30. O tema? "Porque é que a televisão não gosta de livros?"

Acabei de ler 'Aos Olhos de Deus', de José Manuel Saraiva (Oficina do Livro): é uma história notável do século XVI português, durante a embaixada do rei D. Manuel ao papa.

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FRASES

"Pepe é mais português do que eu, simplesmente porque ele escolheu ser português, enquanto a mim foi uma coisa que me saiu numa rifa." Manuel Jorge Marmelo, no blogue Teatro Anatómico.

"Brevemente teremos tantos anos de democracia como de ditadura e eis que convergimos com coisa nenhuma." Teresa Caeiro, ontem no CM.

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maio 06, 2008

Blog # 87

Mais barato do que a opinião, só a tarefa de legislar. E legislar abundantemente é ainda mais barato. Por mim, quando vejo os partidos ou os deputados a gabarem-se de terem apresentado centenas de projectos de lei, tenho medo. Imagino os legisladores sentados nas suas salas, rodeados de códigos, desenhando o país a régua e esquadro, como ele seria num mundo perfeito – depois, basta comparar com a realidade e legislar para que a realidade se aproxime do mundo perfeito. O leitor não ria. Basta reparar na quantidade de produção legislativa e no volume de texto de cada lei. Os juristas acham que Portugal tem leis perfeitas (ou quase); é o seu negócio. Infelizmente, leis tão perfeitas não impediram que Portugal figure no fundo da lista dos países europeus num estudo sobre a "qualidade da democracia". Parece que o problema é "da sociedade", que se recusa a "participar". Ninguém explicou aos génios que as sociedade só se mudam quando elas quiserem ou estiverem preparadas.

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Imagine o leitor que, no seu emprego, diz que quer mudar de chefe. Foi o que ontem fez o director da Polícia Judiciária: não quero estar sob a tutela do Ministro da Justiça, prefiro o da Administração Interna. Durante todo o dia aguardei que fosse afastado do cargo mas, à hora do fecho desta edição do CM, estava tudo igual. Assim vamos.

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O novo livro de Pepetela, 'Contos de Morte' vai ser publicado pelas Edições Nelson de Matos ainda este mês.

O grande lançamento da Caderno para este mês é 'Gomorra', uma 'viagem ao império económico e ao sonho de domínio da Máfia napolitana', de Roberto Saviano. Em Itália, o livro vendeu mais de um milhão de exemplares.

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FRASES

"Um miúdo de 12 anos não pode ter vontade de fumar 'charros', só o faz se for aliciado." M. Pinto Coelho, ontem no CM.

"M. Ferreira Leite não provoca excitação mediática; […] não atrai os 'jovens'. É precisamente em quem eu votaria se fosse militante do PSD, será nela que votarei nas legislativas de 2009." Filipe Nunes Vicente, no blogue Mar Salgado.

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maio 05, 2008

Blog # 86

A entrevista de Pedro Passos Coelho a António Ribeiro Ferreira, no CM de ontem, é um marco na história do PSD e é natural que suscite entusiasmo. Não sei onde andou Passos Coelho até agora mas, se esteve a estudar a lição, foi tempo bem empregue. Reconhece-se a sua filiação ideológica, mas percebe-se que o PSD das suas facções tradicionais não tem ali lugar. Também não se sabe até que ponto os militantes do partido, os que têm direito a voto, estão despertos para esse tipo de discurso e de ideias. É provável que a partir de agora ele venha a ser visto como o candidato com ideias mais modernas e dê voz ao eleitorado flutuante do PSD (a classe média das cidades) mais do que às concelhias – que têm sido um factor de atraso estrutural do partido. Se isso basta para ganhar as directas, não se sabe. Mas depois de ter dito o que disse está aberta a porta para a reforma antecipada dos dinossauros, de Santana a Jardim, passando por Menezes e pelo hemiciclo laranja de hoje.

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O FC Porto perdeu bravamente no seu próprio estádio. Trata-se de uma derrota clamorosa, mais grave do que se tivesse acontecido no princípio da época. Viu-se uma equipa provinciana, de cabeça no ar, como se tivesse esquecido que tem de defender a sua honra até ao fim. Retomo a minha metáfora preferida: um bando de repolhos.

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Brilhantes edições, a da 'Mensagem', de Pessoa (comentada por Apolinário Lourenço) e de 'Menina e Moça', de Bernardim (por Carrasco González), publicadas pela Angelus Novus. Um serviço público aos nossos clássicos.

Quinta-feira,8, começam as tertúlias 'LER no Chiado', às 18h30, na Bertrand do Chiado.

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FRASES

"Não é por ganhar ou perder uma eleição que nós decidimos o que é que pensamos." Pedro Passos Coelho, ontem no CM.

"A moral, as boas práticas e o politicamente correcto não ganham eleições." Paulo Querido, no blogue Mas Certamente Que Sim.

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maio 02, 2008

Blog # 85

A história prova que o Altíssimo não dorme e tem momentos em que ri bem alto. Um quadro do pintor Lucien Freud ('Benefits Supervisor Sleeping', de 1995) retratando uma mulher gorda – literalmente gorda – vai ser vendida este mês durante um leilão na Christie de Nova Iorque numa base de 17 milhões de libras. Nenhum retrato de Carla Bruni, Gisele Bündchen ou Naomi Campbell chega tão alto. Um jornal inglês escolheu mesmo este título: 'Retrato de mulher obesa é o mais caro do mundo.' Compreende-se a sugestão, indiciando uma injustiça a reparar pelo pensamento "politicamente correcto", pela Organização Mundial de Saúde e pela Plataforma contra a obesidade: como é possível valorizar tanto um quadro de "uma mulher obesa"? Mais uns tempos e teríamos várias dessas organizações pressionando Lucien Freud, que está vivo, para não pintar a mulher, Sue Tiller, que também está viva e recebeu 20 libras por dias enquanto posava. Pobres anorécticas, que não merecem esta distinção.

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Tive a sorte de ver grande parte das obras da colecção de Joe Berardo muito antes de se falar num museu. Invejei-lhe muitas, no seu escritório. Ontem fiquei surpreendido ao ver os jornais que lhe atribuíam uma "obra polémica". Fui ver. Afinal, tratava-se de uma simples varanda que o homem quer fechar, na casa da Infante Santo.

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'No Céu com Diamantes", de Senel Paz (edição Sextante), um romancista cubano, recebeu o prémio de Criação Literária da Casa da América Latina, em Lisboa. Grande livro.

Na segunda-feira, apresentação dos livros de Maria Gabriela Llansol 'Os Cantores de Leitura' e 'Desenhos a Lápis com Fala', às 18.30, na Livraria Assírio & Alvim. Falam José Tolentino Mendonça, António Guerreiro, João Barrento e Maria Etelvina Santos.

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FRASES

"Ainda deitei dois baldes de água em cima do corpo, mas já nada havia fazer, parecia carvão."
Augusto Botelho, sobrinho de um homem assassinado, ontem no CM.

"Os portugueses não são dados a crimes que envolvam planeamento e sofisticação. Falta-lhes método e sangue-frio." Teresa Ribeiro, no blogue Corta-Fitas.

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maio 01, 2008

Blog # 84

O presidente da República escolheu o 25 de Abril para falar da relação entre os jovens e a política; é um assunto recorrente e ao qual os políticos dão invariavelmente a mesma resposta, arengando sobre a "participação cívica", o "sistema eleitoral" e a "informação". A verdade é que nunca houve tantas hipóteses de participação cívica, tanta possibilidade de alterar o sistema eleitoral, e tanta informação sobre política. António Guterres pensou um dia em alterar a idade de voto, que desceria para os dezasseis anos – era uma proposta radical, que iria inquinar o sistema e baixar a qualidade da comunicação política (nessa altura, eu defendi que a idade de voto deveria passar para os vinte). Claro que o mal está na política e nos políticos: qualquer estudo nos dirá que a qualidade dos deputados e dos dirigentes está a baixar. Quem, no seu juízo, irá preocupar-se em dar ouvidos a gente que precisa de aprender gramática e regras de convivência? Esse, sim, é o problema.

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Vêm aí maus tempos. Não se trata da "crise geral do capitalismo", mas da crise do planeta. O que está em causa não é apenas o sistema financeiro mas, também, a economia real: a do preço dos alimentos e dos produtos essenciais. Por detrás da euforia dos vencedores passeia a sombra da depressão. Certinho como estarmos aqui.

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O novo romance de Sofia Marrecas Ferreira é 'Só Por Amor' (Asa – uma bela capa de Paula Rego) e acaba de chegar às livrarias.

Fundamental: as 'Memórias Políticas' do Marquês de Alorna (o 3.º, D. Pedro) em edição preparada por José Norton (edição Tribuna da História); ou como se sonhava em ser moderno no século XVVIII.

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FRASES

"Passos Coelho pode ter algumas 'bases'. Falta-lhe, porém, alguma 'base'. Tem tempo." João Gonçalves, no blogue Portugal dos Pequeninos.

"Obviamente que a Madeira nunca reconhecerá um líder que não tenha pelo menos 50 por cento dos votos dos seus militantes." Alberto João Jardim, ontem no CM.

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